Arquidiocese de Braga -

1 fevereiro 2009

A Vida Religiosa, profetismo na modernidade

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D. Jorge Ortiga

\nAntecipamos a celebração do Dia dos Consagrados que a Igreja coloca na Festa litúrgica da Apresentação do Senhor ou Nossa Senhora da Luz. Cristo que é “oferecido”, por Maria e José, tornando-se a luz que os povos esperavam.
Neste momento em que recordamos os 50 anos passados sobre o dia em que o Papa João XXIII declarou a intenção de convocar um concílio (25-01-59), pode ser importante recolher algumas ideias para saber o que o Concilio esperava e espera da Vida Religiosa. Dando-se duma maneira particular ao Senhor, os consagrados pretendem a “prossecução da caridade perfeita, pela prática dos conselhos evangélicos”, fundamentando a sua vida na doutrina e testemunhos de Cristo acolhidos com radicalidade, tornando-se, deste modo, um “preclaro sinal do Reino Celeste. Neste itinerário, “quanto mais ardentemente se entregarem a Cristo pela doação de si mesmos por toda a sua vida, tanto mais se enriquece a vida da Igreja e mais vigorosamente fecundo se torna o seu apostolado” (P.C. 1). Imprescindível é, por isso, a entrega a Cristo de toda e por toda a vida.
Esta entrega deve tornar os membros da vida consagrada autênticos profetas de Deus. Na primeira leitura, ouvia-se a promessa de que Deus faria surgir para o povo um profeta onde colocaria, na sua boca, “as suas palavras” para que dissesse tudo quanto Deus ordenasse. Cristo é o profeta prometido mas todo o povo de Deus participa do seu profetismo. Também o homem ou mulher a viver uma vocação de especial consagração deve ser um autêntico profeta que comunica ao mundo algo de muito especial.
Na história da salvação, os profetas não pertenciam ao grupo dos sacerdotes e reis. Estes eram nomeados, ordenados ou ungidos. Os profetas, pelo contrário, sentem um chamamento muito especial de Deus e pegam numa mensagem a comunicar aos outros que lhes nasce duma experiência pessoal de encontro com o mesmo Deus de modo que todos se reconheciam instrumentos duma mensagem que não era sua. “Assim diz o Senhor Deus” é o reconhecimento que sai permanentemente dos seus lábios.
Houve um tempo em que se confundiam os profetas com aqueles que prediziam o futuro, quase que o adivinhavam. Hoje sabemos que, participando desta missão, teremos de aprender a falar, aguentando todas as consequências. Fazendo-o, estando em Deus que nos dará uma leitura dos acontecimentos, sinais dos tempos que os outros poderão não entender, nascemos para não ser do mundo mas para estar no mundo e contemplá-lo a partir duma experiência mística que nos leva a falar sobre tudo quanto é humano. Ninguém nos poderá impedir de abordar questões económicas, políticas sociais. Muitas vezes temos a obrigação de apontar onde as experiências negativas que a sociedade nos oferece poderão levar-nos. Não podemos ignorar e a denúncia deve ser a nossa atitude que poderá e deverá apontar caminhos de esperança, serenidade, optimismo mas, se necessário, desmascarando a hipocrisia, os interesses, a auto-promoção daqueles que mandam nos destinos do mundo sejam políticos ou poderosos. A nossa humildade, feita testemunho de vida, deve confundi-los. Em tudo poderemos descortinar a mão de deus e fazer com que o bem triunfe sobre o mal. Optamos pela necessidade do silêncio, mas nunca podemos esquecer que somos mensageiros de Deus que não podem calar quanto faz arder os nossos corações. A vergonha pode ser mais cómoda e fechar-se em casa para uma vivência comunitária pode ser um engano. Quanto mais contemplativos somos, mais nos empenhamos nas causas dos homens e das mulheres do nosso tempo. Urge que o façamos desde que não seja para nos afirmarmos. Sabemos que a nossa força está no viver perto de Cristo, conviver com a Sua proximidade o que permite que compreendamos os Seus “sentimentos e pensamentos” a propósito de tudo quanto presenciamos e acontece nas nossas terras. Necessitamos de readquirir a capacidade de marcar a sociedade que as ordens monásticas tiveram no passado. Ao lado dos mosteiros e conventos surgia uma vida onde nada era estranho e os monges foram verdadeiros mestres que moldaram aldeias inteiras.
Só assim seremos profetas de Jesus que sabem acolher a Palavra de Deus para a interpretar à luz das exigências modernas e depois proclamar, só e apenas, quanto Deus espera que comuniquemos, como nos lembrava a primeira leitura.
Quero, agora, referir-me a um pequeno pormenor que presenciamos na nossa cidade e cruzamentos mais movimentados. Pode parecer inoportuno. Só que parece-me que não devo calar mais tempo.
Verificamos certos anúncios e cartazes publicitários onde a vida religiosa e sacerdotal aparece misturada com insinuações. Não sou fundamentalista nem muito menos integrista. Só, que, parece-me, quando certas coisas mexem com sentimentos e opções, penso que deve ser respeitada a diversidade de viver, sem ofender ninguém. São já três ou quatro motivos que não posso aceitar. Acredito que as minhas palavras provoquem o efeito contrário de chamar a atenção para aquilo que ninguém, até agora, viu. Eu não posso calar e também tenho o direito a manifestar a minha indignação, pedindo – e talvez suplicando – que encontrem outros motivos que respeitem a vida e a dignidade de todos, e no caso concreto, dos padres e das freiras, e de todos os homens e mulheres que possuem um etilo de vida que guarda certos valores que, no respeito mútuo, não podem servir para insinuar. Não condeno quem idealizou a campanha. Agradeço que pensem um pouco e que não insistam.
Encerrando este parêntesis, que não gostaria de o ter feito, voltemos à convicção de renovar hoje a alegria de ser de Cristo para, em Seu nome, proclamarmos as verdades que os profetas ousaram interpretar.
Trabalhemos para, em Ano Paulino e tempo Arquidiocesano destinado à Palavra, ser expressão eloquente da Palavra que é Cristo.

Braga, 01.02.2009
† D. Jorge Ortiga, A.P.