Arquidiocese de Braga -

11 abril 2009

Dar vida pelo Voluntariado

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D. Jorge Ortiga

Vigília Pascal e Páscoa - 2009

Homilia do Senhor Arcebispo proferida na Celebração da Vigília Pascal, na Sé Catedral

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Esta é a grande noite que torna compreensíveis todas as noites que a humanidade passou ou passa. Da sua vivência aparece uma luz capaz de fazer compreender muitos mistérios humanos.
Como Vigília, é a celebração por excelência da Palavra não porque lhe dedicamos mais tempo e espaço, mas porque nela compreendemos a acção de Deus numa história dum povo que se tornou economia de salvação para a humanidade.
Aceitamos, por isso, este dia e este tempo pascal para continuar a “deixar-se encontrar pela Palavra” permitindo que ela seja alavanca que levanta as nossas vidas e as vidas das comunidades e convite para que entremos na cidade dos homens não de mãos vazias de nada mas de coração cheio da mesma Palavra para que a boca anuncie um Cristo verdadeiramente vivo e operante na história humana por nosso intermédio. Como S. Paulo queremos que Ele viva, considerando tudo como lixo em comparação com quanto nos oferece.
A liturgia de hoje continua a apontar-nos caminhos. Permitamos que ela fale de modo que cada um acolha a novidade que só ela pode comunicar.
1 – Há questões que nos inquietam e tornam sombrio o presente e o futuro. Torna-se desnecessário referir, pois corremos o risco de repetir os conteúdos das conversas entre pessoas de todas as idades e convicções. Não são conversas sobre assuntos relacionados com os outros. São dramas profundos que complicam a vida.
No Evangelho encontramos uma confidência partilhada por Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago e Salomé: “Quem nos irá revolver a pedra da entrada do sepulcro?”. Outrora tratava-se duma única pedra que ocultava o corpo de Cristo morto que elas gostariam de voltar a ver. Hoje as pedras estão dispersas e há rostos que ocultam muita coisa.
Já o temos referido muitas vezes. A crise actual é mundial mas não é meramente económica. Caíram as ideologias e foi emergindo um tipo de vida de relativismo, individualismo, consumismo, procura das satisfações pessoais, corrupção e estratégias de poder, etc.
Tudo parecia correr bem. Falta ou foi-se destruindo o alicerce dum relacionamento entre as pessoas, instituições e países, fundamentado em valores com dimensão transcendental.
Hoje, e isto para o crente não é utopia embora o possa ser para muitos outros, o regresso a Cristo e à Sua Palavra é a solução a dizer-nos que a pedra será revolvida e, por isso, “Não vos assusteis”. Temos o dever e a obrigação de acolher este dinamismo e de correr a dizer aos discípulos e aos outros que é isto que nos falta. (Mc 16, 1-7)
Ao sublinhar a necessidade do transcendente na vida do ser humano, mesmo não considerando este aspecto como alguma coisa estritamente religiosa, reconheço que o surgir da Páscoa, como acontecimento gerador duma realidade social nova, é o compromisso quotidiano na alteração dos sistemas para que possam motivar mais vontade de viver para todos.
2 - Da primeira leitura podemos extrair a certeza de que Deus, criador, “Viu que tudo o que tinha feito era tudo muito bom”. Só que entrega ao homem e mulher a responsabilidade de “dominar a terra (Gen 1, 31). Ao acreditar que é possível uma ordem social mais justa estamos, por isso, a contar com a colaboração de todos dum modo pessoal ou em dinâmica associativa. Não foi por acaso que olhando para S. Paulo, solicitei á comunidade Arquidiocesana que se “levantasse” e “entrasse” na cidade, encarando esta como simbologia da vida quotidiana. Simultaneamente, a vitória de Cristo sobre a morte não O dispensou de dar a vida pelo Seu povo. É esta atitude que deve passar para o dinamismo dos cristãos através duma vida de luta, característica de quem recomeça sempre e sabe que há-de chegar, e de solicitude voluntária nas respostas a dar aos variadíssimos problemas que não podem esperar. Quando, na mensagem da quaresma, falava dum voluntariado em movimento esperava e espero que os nossos cristãos descubram tempo para se entregar a causas e inserir-se com outros no discernir as respostas e concretizar ajudas. Só com a alegria de vidas que se entregam a felicidade de todos pode acontecer.
A Páscoa não é nem deve ser um dia. Continua em cada domingo e, particularmente, nos cinquenta dias do tempo Pascal. Dai que a Arquidiocese tem diante de si um período longo, a renovar semanalmente, para concretizar a Páscoa na lógica dum voluntariado que deve crescer em quantidade e qualidade.
O número dos voluntários existentes é significativo. É possível muito mais e acredito que muitos aproveitarão este tempo de crise para reconhecer que o tempo livre de que dispõem pode gerar vida em muitos. Sei que as solicitações são imensas. O gratuito para bem da humanidade também deve acontecer.
Repito, vamos fazer Páscoa, entregando as nossas vidas pelos outros e trabalhando nas paróquias e nas associações. O voluntariado deve tornar-se algo evidente que sabe responder com a competência profissional e uma nova adequação às realidades.
Com S. Paulo recordo: “Fomos sepultados com Ele pelo Baptismo na Sua morte para que, assim como Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, também nós vivamos uma vida nova” (Rom 6, 4).
Durante a Sua vida, Jesus foi ao encontro do povo necessitado que vinha de todos os lados e a todos curava das suas doenças e preocupações. Com as obras estava a anunciar a alegria duma vitória definitiva sobre o mal desde que a nova lei dum amor sem fronteiras acontecesse no pensamento e nas acções dos discípulos que iriam após a Ressurreição e Pentecostes, constituir uma comunidade de verdadeiros Filhos de Deus. Com Jesus Ressuscitado joguemos a nossa sorte com os mais pobres e desprotegidos, com quantos esperam a consolação de Deus e a Páscoa será aquele anúncio perene que apontará o caminho. Dar a vida para que outros tenham vida.
Iniciamos a Semana Santa com a celebração do Domingo de Ramos, que era o domingo anterior ao 14 de Nisán (Páscoa Judaica), em que as famílias levavam para casa o cordeiro que iriam imolar na ceia Pascal. Jesus é o novo Cordeiro que entra em Jerusalém, o lugar das promessas, onde foi imolado pela nossa salvação. Cristo foi o Cordeiro da Nova Páscoa. Hoje teremos de o amar e seguir. E como Ele, ser sinal dum mundo a transformar. A Páscoa está aqui. Vivamos assim.

Vigília Pascal – 11-04-09
† Jorge Ortiga, A. P.