Arquidiocese de Braga -
11 junho 2009
Cristo fala ao hoje dos cristãos
D. Jorge Ortiga
Corpo de Deus – 2009
A festa do Corpo de Deus pode interpelar-nos em diversas perspectivas. Não devo fugir à responsabilidade de insistir no Programa Pastoral. Com efeito, ao celebrar a real presença de Cristo no pão eucarístico estamos a sublinhar uma riqueza de contornos maravilhosos.
Esta presença conduz a atitudes de adoração e louvor e permite que a comunhão eucarística seja verdadeiro alimento a dar força à caminhada difícil duma vida verdadeiramente cristã. Só que não podemos esquecer quanto nos refere a Instrução Geral do Missal Romano (n. 29), “quando na Igreja se lê a Sagrada Escritura, é o próprio Deus que fala ao seu povo, é Cristo presente que anuncia o Evangelho.”
Esta certeza de Deus a falar ao Povo, de Cristo a anunciar o Evangelho, deveria provocar uma verdadeira conversão no modo de a anunciar e a acolher. Toda a Eucaristia é uma verdadeira presença de Cristo que fala com cada um, dum modo particular, no momento da liturgia da Palavra. O Concílio Vaticano II introduziu a língua vernácula para permitir uma maior compreensão e acolhimento de toda a liturgia. Esta mudança, parece-me, ainda não provocou aquela sensibilidade que a recepção duma coisa preciosa e importante para a vida deveria suscitar. Não deveremos abrir-nos com mais atenção e recolhimento a esta certeza? Importa que acreditemos que é Cristo que fala e que nos comportemos dum modo diferente.
Impõe-se, por isso, que sublinhemos a urgente consciencialização da unidade da Palavra, escutada e acolhida, como sacramento eucarístico.
“ A palavra que anunciamos e ouvimos é o verbo feito carne (Jo 1, 14) e possui uma referência intrínseca à pessoa de Cristo e à modalidade sacramental da sua permanência: Cristo não fala no passado mas no nosso presente, tal como Ele está presente na acção litúrgica”. (S.C. 45).
Nesta comunicação, a participação na Eucaristia dominical é o momento por excelência para concretizar o Plano Pastoral e, como tal, corresponsabiliza sacerdotes e leigos. A reforma litúrgica, já efectuada e ainda a acontecer, não passa só por alteração de cerimónias porventura com novos interpretes e sinais exteriores que possam manifestar alguma novidade em relação ao passado. Corremos o risco de representar e apresentar coisas novas. Sem o espírito e a consciência duma interioridade capaz de acolher o mistério para se deixar conduzir pelas suas exigências, tudo são exterioridades sem conteúdos e verdadeiro valor celebrativo.
O santo Padre diz que “para ser bem correspondida, a palavra de Deus deve ser escutada e acolhida com espírito eclesial”. É a Igreja congregada “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” e como povo a integrar sacerdotes e leigos, todos interessados em nada perder da Palavra anunciada.
Neste comportamento novo, sempre a incrementar e consciencializar, as consequências pastorais devem surgir. O Papa Bento XVI na Exortação Apostólica pós-sinodal Sacramentum Caritatis diz “que a liturgia da Palavra seja sempre devidamente preparada e vivida” (nº 45). São duas pistas a questionar-nos: a preparação e a vivência e as duas acompanhadas duma dupla exigência: sempre e devidamente. Cada uma destas palavras mereceria uma reflexão acurada por parte de todos: preparar e viver e isto sempre e devidamente. Quanto trabalho a efectuar e quanto caminho a percorrer!..
Um aspecto a merecer um novo cuidado, conscientes do que já foi feito, é a preparação dos leitores. “Recomendo vivamente que se tenha grande cuidado, nas liturgias, com a proclamação da Palavra de Deus por leitores bem preparados”. Não basta saber ler e ter boa vontade ou, quem sabe, desejo de se exibir num protagonismo anti-cristão. Nem todos tem capacidade para o fazer mas também muitos outros o poderiam fazer impedindo que sejam sempre os mesmos a efectuar este ministério.
Penso que, concretizando o Plano Pastoral, seria conveniente uma Escola de Leitores em todos os arciprestados. A qualidade das celebrações está a merecer uma renovada consciencialização sobre o papel e a importância dos leitores. Algo mais teremos de fazer.
No texto de Bento XVI, que li há momentos, há um pormenor que não podemos ignorar. A Palavra de Deus retomará o sentido que sempre teve como algo de vivo e dinâmico. Através da Palavra proclamada na Eucaristia “Cristo fala no nosso presente”.
A comunidade congregada leva consigo uma vida carregada de alegrias e dramas, sucessos e perplexidades. Sabendo discernir o verdadeiro conteúdo da mensagem, devemos conseguir “iluminar” as realidades quotidianas dando-lhe a luz de sentido que os acontecimentos encerram e suscitando o compromisso para responder em nome de Cristo comungado e como comunidade congregada no Seu amor.
Ainda não demos à Eucaristia a dinâmica de envolver toda a vida, quer pela experiência pessoal que cada deve interpretar quer pela responsabilização dum mundo novo a nascer a partir do empenho de cada um e da comunidade como tal.
Em termos gerais, o que poderá dizer Cristo ao “presente” que estamos a viver?
1 - Com Ele é hora de esperança numa coragem de interpretar os dramas sociais com a serenidade necessária para recomeçar a caminhar. Para quem tem fé, nada o pode deter. Há sempre oportunidade para recomeçar.
2 - A Eucaristia é encontro dum corpo solidário. Ninguém se deve, depois da celebração, sentir sozinho. O anonimato não pode ser a atitude do Católico. O amor circula entre todos. Mais do que nunca, a comunhão de bens materiais deve testemunhar ao mundo que, entre eles, não havia ninguém que tivesse necessidade.
Muitas vezes esperamos das entidades oficiais e das estruturas existentes no território respostas adequadas. É um direito que ninguém pode negar. Só que há outra vertente. A capilaridade do amor que sabe chegar a todas as situações e a todas as dimensões da vida humana.
Os Centros Sociais Paroquiais e outras estruturas da Igreja são, só e apenas, uma parte da solução. Não se pense que, existindo, tudo está resolvido. É um engano.
3 - A comunhão na vida deve gerar criatividade no âmbito de procura de soluções capazes de dar trabalho a muitos desempregados. O trabalho é um direito a que corresponde o dever de o procurar e, se possível, de o criar. O passivismo só encontra respostas imediatas. O problema é estruturante e teremos de inventar soluções. Há muito talento adormecido que, colocado em movimento, daria muitas oportunidades para os próprios e para outros. Contentar-se com receber ajudas, de direito ou de caridade, pode ser um engano. Só apostando na inovação e acreditando nas capacidades, se consegue a estabilidade necessária e impedindo situações geradoras de insegurança social.
Que o Corpo de Deus, em tempos difíceis, congregue as comunidades num amor mais visível. Que a Palavra gere uma mentalidade nova consciente dum novo modelo cultural que deve nascer. Terminou um ciclo da história. Muita coisa acabou. A Palavra de Deus pode e deve sugerir vida nova.
Sé, Catedral, 11-06-09
† Jorge Ortiga, A.P.
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