Arquidiocese de Braga -
6 fevereiro 2011
PELO PRIMADO DA FAMÍLIA NA EDUCAÇÃO

Colaborador
Homilia do Sr. D. Jorge Ortiga no Dia da Universidade Católica.
O Evangelho deste domingo apresenta a identidade do cristão na simbologia do sal, substância que dá força e sabor à vida cristã, e na simbologia da luz, que colocada no alto dos montes e nos candelabros alumia a cidade dos homens.
Estas duas imagens traduzem a experiência de S. Paulo que acredita na vida que o Espírito manifesta e testemunha o amor de Deus por cada um dos Seus filhos.
Trata-se, por isso, dum testemunho de vida onde a luz desponta através de comportamentos concretos, nomeadamente, no repartir o pão com o faminto, na fraternidade e na igualdade.
Se é esta a identidade do cristão, todo e qualquer ser humano se deve sentir responsável para que a luz brilhe na escuridão, tornando possível a convivência social através duma cidadania responsável. Isto só acontecerá através duma aposta na educação para os valores, acolhida como verdadeira emergência e no sentido de garantir um futuro verdadeiramente humano para todos.
São muitos os intérpretes e protagonistas da educação. Em Dia da Universidade Católica, somos convidados a reconhecer o papel imprescindível que esta tem realizado na sociedade portuguesa, quer na vasta oferta de cursos quer na formação de quadros de excelência ou em iniciativas de índole cultural e social.
Mas, neste ano, e perante uma discussão que deveria tornar-se mais serena e abrangente, somos convidados a reflectir sobre o primado da família na educação. Daí que, neste momento, sinta ser meu dever elencar alguns princípios doutrinais, alicerçados na doutrina da Igreja e na ordem jurídica vigente entre nós.
A prioridade da família no âmbito da educação dos filhos decorre do princípio do primado da pessoa e da família sobre a sociedade e o Estado. O Compêndio de Doutrina Social da Igreja (n. 214) afirma: «A família, sujeito titular de direitos nativos e invioláveis, encontra a sua legitimação na natureza humana e não no reconhecimento do Estado. A família não é, portanto, para a sociedade e para o Estado, antes a sociedade e o Estado são para a família». Este direito da pessoa e da família não é concedido pelo Estado, mas por este reconhecido como anterior a si próprio. Princípio diametralmente oposto ao que inspira os Estados totalitários: nestes, o Estado não se subordina às pessoas, famílias e comunidades menores, antes as pretende absorver como seu "dono". É por isso que, de uma ou de outra forma, os Estados totalitários (demonstra-o a experiência histórica) pretendem servir-se do ensino para a doutrinação ideológica da infância e da juventude, substituindo-se ao papel da família. Mas mesmo em Estados formalmente democráticos, o perigo de que esta pretensão, tendencialmente totalitária, se concretize não está completamente afastado. Assim, o respeito pela prioridade da família no âmbito da educação dos filhos pode considerar-se o "termómetro" da autenticidade de um Estado de direito democrático, que verdadeiramente serve a pessoa e a família, respeitando a sua liberdade e os seus direitos fundamentais.
A postura do Estado em relação aos direitos da educação da família há-de ser, por isso, subsidiária. O Estado deve apoiar a família no desempenho dessa missão, suprir as suas lacunas e dificuldades, mas não substituir-se a ela, dificultar a missão ou contrariá-la.
A celebração de contratos de associação entre o Estado e as escolas não estatais é uma forma concreta de dar efectividade à liberdade de ensino e de garantir a ajuda que o Estado deve dar às famílias. Esses contratos não podem ser um expediente transitório a manter-se apenas enquanto o ensino público não se estende a todo o território nacional. É de lamentar profundamente que responsáveis governativos dêem a entender precisamente o contrário, isto é, que esses contratos tenderão a desaparecer à medida que crescer a oferta do ensino público.
O monopólio estatal da rede escolar não assegura de forma alguma a liberdade de ensino porque a curto prazo torna-se ideológica, ao serviço dos gostos políticos e de correntes pedagógicas que apregoam o facilitismo como a chave de toda a construção do ser humano. Os contratos de associação são uma forma do Estado assegurar essa liberdade e deveriam, por isso, manter-se e multiplicar-se, aproveitando as estruturas privadas existentes, invés de andar a investir milhões em novas escolas quando elas já existem. É a própria legislação vigente a consagrar o dever do Estado de «promover progressivamente o acesso às escolas particulares em condição de igualdade com as públicas». Uma justificação que por vezes se apresenta para o monopólio estatal do ensino é a necessidade de assegurar um ensino
neutro, que seria o mais consentâneo com uma sociedade democrática. Mas a educação é mais do que a instrução, do que a simples transmissão de informação, supõe a afirmação propositiva de razões de viver e de valores éticos. O que deve exigir-se do ensino estatal é que seja plural, no sentido em que nele devem encontrar acolhimento as várias concepções e propostas filosóficas, éticas e religiosas presentes na sociedade portuguesa.
Neste Dia da Universidade Católica deixemo-nos questionar pela responsabilidade que, como cidadãos, temos de contribuir para um Portugal capaz de construir o seu presente e o seu futuro através de uma rede educativa adequada que envolva todos os agentes implicados nesta missão (Estado, Escola, Família, Sociedade Civil, Instituições privadas de ensino).
Não aceitemos passivamente decisões que são de cariz ideológico que não tem em conta o bem da sociedade no seu todo. Vejamos a educação como uma autêntica “emergência” e trabalhemos para um futuro onde possamos conviver perante modelos de vida diferentes, sem nunca deixarmos de propôs o sal e a luz do Evangelho na nossa formação cristã e humana.
Rezemos para que a Universidade Católica assuma o seu cariz formativo e educativo à luz da doutrina social da Igreja. Que ela prepare homens e mulheres de fé irradiante. Mostremos a nossa generosidade contribuindo para que a família seja verdadeira casa e escola de comunhão ao serviço do bem da humanida.
Sé catedral, Braga, 06-02-2011
† Jorge Ortiga, A.P.
Partilhar