Arquidiocese de Braga -

18 março 2011

O CABIDO BRACARENSE E A SUA MISSÃO CULTURAL

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Texto de D. Jorge Ortiga na Tomada de Posse do novo Deão do Cabido e de dois novos capitulares.

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O CABIDO BRACARENSE E A SUA MISSÃO CULTURAL

 

Tomada de Posse do Deão e de dois capitulares

 

         Ao propor o discurso do apóstolo Paulo no areópago de Atenas como leitura para este acto solene, tenho como propósito realçar uma das prioridades fundamentais da Igreja. O propósito de abraçar o diálogo entre a fé e a razão, entre a evangelização e a cultura, a fim de gravar a beleza da Palavra de Deus no coração da vida humana.

A história da Igreja Católica manifesta e confirma que o seu desenvolvimento aconteceu desde sempre ao ritmo da comunhão colegial e sinodal. De Jerusalém até aos confins do mundo, os apóstolos anunciaram a todos os povos a salvação de Deus. Paulo e os seus companheiros percorreram lés a lés a Terra para testemunharem o Deus de Jesus Cristo, o Deus conhecido, próximo e cheio de compaixão.

É na perspectiva deste testemunho, do qual somos herdeiros, que se situa o âmbito de acção do Cabido na Igreja local. O Directório para o Ministério Pastoral dos Bispos apresenta-o como colégio que “visa garantir uma assistência qualificada ao Bispo” (nº 183). Para tal dever-se-á chamar “sacerdotes experientes que se distinguem pela doutrina e pelo exemplo de vida sacerdotal.” (185)

         No Art. 3 dos Estatutos do Cabido da Sé de Braga está inscrita a sua natureza jurídica e as suas funções ao serviço da Igreja diocesana: “São-lhe atribuídas funções litúrgicas na Catedral. Cabe-lhe, igualmente, zelar pela conservação e decoro da Catedral e pelo seu património e, neste contexto, promover iniciativas que visem a evangelização da cultura e pela cultura.”

         Nem sempre é fácil sintetizar funções ou resumir expectativas. Para mim, em termos de reconhecimento das prioridades (liturgia, património e cultura), sublinho especialmente a “evangelização da cultura e pela cultura”. Não obstante, o muito e bom trabalho já realizado, reconhecemos que este é um campo de acção a desenvolver quotidianamente, na procura de um diálogo aberto às novas linguagens e sensibilidades culturais deste tempo. Um projecto eclesial de procura da Verdade íntima das coisas, a fim de que “a civilização do homem se abra cada vez mais ao Evangelho, e os cultores das ciências, das letras e das artes se sintam reconhecidos pela Igreja como pessoas ao serviço da verdade, do bem e do belo” (João Paulo II).

Uma abertura enraizada na memória colectiva das grandes realizações que nos precederam. Talvez, assim, no meio do náufrago do nosso tempo inconsistente, consigamos descortinar sinais luminosos que abrem caminhos novos na procura do rosto transfigurador e transfigurante de Cristo. A memória dá profundidade e, mesmo abrindo caminhos novos, aguentará as intempéries das contrariedades e dos contratempos da história.

Este desafio cultural não pode meter-nos medo nem obstruir a missão da evangelização. Sem nada impor, testemunharemos com a vida a proposta feliz da fé cristã para a humanidade. Foi com esse sentido que o Conselho Pontifício para a Cultura inaugurou em várias cidades europeias o chamado Pátio dos Gentios, uma iniciativa que visa promover o diálogo da Igreja com o mundo cultural e artístico.

Neste seguimento, porque não inaugurarmos também o “Pátio da Catedral”, fazendo da Sé um espaço aberto à cidade, de encontro, de diálogo com os peregrinos, de dinamização cultural permanente (tertúlias, exposições, concertos), entre outros contributos. Um espaço alternativo a propor – e sublinho este verbo – a todos os agentes culturais da cidade de Braga para, em parceria, fazermos verdadeiramente da Catedral um centro evangelizador e cultural da diocese. Um espaço onde a beleza litúrgica das celebrações, os cânticos entoados, a proclamação solene da Palavra, a participação orante, nos faça comungar intensa e misticamente da vida do Senhor Jesus.

Paul Claudel deixa-nos na primeira pessoa um testemunho fascinante de fé. Escutemos com atenção a sua experiência:

“No dia 25 de Dezembro de 1886, entrava na catedral de Notre-Dame de Paris, para ali assistir ao ofício divino do Natal. Apertado e empurrado pela multidão, assisti à Missa cantada, com moderada alegria. Como nada mais interessante havia a fazer, voltei de novo à tarde para assistir às Vésperas. Os meninos do coro da catedral, de roquetes brancos, e os alunos do Seminário de S. Nicolau du Chardonnet, que os auxiliavam, tinham justamente começado a cantar qualquer coisa em que mais tarde reconheci o Magnificat. Eu estava de pé no meio da multidão, junto da segunda coluna, perto da entrada para o coro, à direita, do lado da sacristia. E ali se deu o acontecimento que domina toda a minha vida. Num momento, o meu coração sentiu-se tocado, e tive fé. Tive fé com tal intensidade de adesão, com tal exaltação de todo o meu ser, com uma convicção tão poderosa, com tal segurança, que não ficava margem para nenhuma espécie de dúvida. Subitamente, apoderou-se de mim o sentimento fremente da inocência, da perpétua filiação divina: uma revelação inefável”.

         Com a renovação do Cabido quis sublinhar esta vertente da sua missão. Esta corresponde a uma convicção de que sem uma cultura à dimensão do homem não há possibilidade de futuro. Proporcionar uma experiência de fé e de oração que toque no mais íntimo do coração humano, é dar sentido à existência do homem, é permitir que ele reconheça pela Beleza a sua “fremente inocência” e “perpétua filiação divina”.

Presto, por isso, em nome da Arquidiocese, o meu reconhecimento público e a minha gratidão ao D. Pio Alves por todo o trabalho realizado em prol da Igreja bracarense. Expresso, também, a maior gratidão, a todos os capitulares, e às entidades concelhias ou estatais que têm contribuído para a valorização deste magnífico monumento religioso e cultural da cidade de Braga.

         A tomada de posse dum novo Deão e de dois Capitulares é o reconhecimento do peso histórico e do prestígio do Cabido bracarense. É um desafio exigente na prossecução dos caminhos da história e na descoberta de novos modos de agir.

         Um obrigado ao D. Pio Gonçalo e a todos os que o antecederam, e uma grata confiança no Cón. Doutor José Paulo L. Abreu que saberá, com a colaboração de cada membro do Cabido, discernir novos caminhos, fazendo com que a Sé de Braga continue a ser uma referência religiosa e cultural em Portugal e no estrangeiro.

 

Braga, 10 de Março de 2011

 

Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz