Arquidiocese de Braga -
17 julho 2011
A FORÇA DA PALAVRA NO MUNDO
Colaborador
Homilia de D. Jorge Ortiga nas Ordenações Sacerdotais.
A FORÇA DA PALAVRA NO MUNDO
Homília Ordenações Sacerdotais
Em modo de parábola, Jesus apresenta-nos pedagogicamente e com clareza o caminho da salvação aos seus discípulos: «Aquele que semeia a boa semente é o Filho do homem e o campo é o mundo. A boa semente são os filhos do reino, o joio são os filhos do Maligno». A semente do Reino e o seu crescimento como um grão de mostarda é a imagem dos vários caminhos da vida.
Em dia de Ordenações, é à luz desta parábola que cada cristão e cada comunidade se deve colocar. Estamos a terminar um ano pastoral dedicado à Palavra para prosseguirmos o caminho do Evangelho através dum novo Programa Pastoral em continuidade com o anterior.
1 – O Semeador é Cristo. O discípulo é o terreno acolhedor da semente que germina para frutificar através duma vida evangélica. Estatuto maravilhoso de conceber o cristianismo como espaço aberto pronto para a hospitalidade da Palavra. Responsabilidade enorme de reconhecer que a visibilidade do Evangelho está nas nossas vidas de sacerdotes e leigos.
2 – O caminho proposto é exigente. Não se alcança de qualquer modo e a qualquer preço. Ao lado do semeador divino, está sempre o semeador do mal. Cristo adverte que o semeador do mal actua sub-repticiamente na escuridão do sono. Sabemos que o mal e o bem coexistem sempre no mundo e na Igreja. Ambos são campos a semear e a ceifar, a cultivar e a separar o trigo do joio. Não somos maniqueístas que se refugiam na autoconsciência duma posse do bem, reservando o mal para o mundo.
Como comunidade eclesial não podemos também ignorar aquilo que fere a comunhão interna da Igreja. É inútil culpabilizar o mundo se nós, como cristãos, não somos capazes de reconhecer as nossas omissões e silêncios. Somos chamados não a condenar o mundo mas a anunciar a salvação, conscientes da graça superabundante de Deus na humanidade. O Santo Padre, na viagem a Portugal, em conversa com os jornalistas falava que “a novidade que podemos descobrir hoje reside também no facto de que os ataques ao Papa e à Igreja vêm não só de fora, mas que os sofrimentos da Igreja vêm juntamente do interior da Igreja, do pecado que existe na Igreja. Ela tem uma profunda necessidade de reaprender a penitência, de aceitar a purificação, de aprender por outro lado o perdão”.
3 – Esta convivência do trigo e do joio até ao dia da ceifa é inerente à história humana. Precisamos de nos deixar conduzir por Deus e pela originalidade pastoral do Evangelho. Se por um lado a imperfeição nos acompanha sempre, por outro a via da perfeição conduz-nos à eternidade. Resignarmo-nos a caminhar por trilhos iguais, na vida e na pastoral, é sinónimo de anemia evangélica que gera medo e frustração. Este semeador da cizânia promove um ambiente de sonolência, de instalamento em rotinas, não deixando espaço para o florescimento de semente nova, tão necessária para que haja vida abundante e regeneradora de experiências de fé marcantes. As parábolas da mostarda e do fermento transmitem este desafio verdadeiramente provocante na medida em que, como diz S. Paulo: “O Espírito Santo vem em auxílio da nossa fraqueza, porque não sabemos que pedir nas nossas orações” (2 Rm 8,26). A semente da mostarda é pequena, mas gera algo de nobre. O fermento é insignificante mas não inerte.
4 – Estamos a concluir três anos em que nos foi proposto: “Tomar conta da Palavra que toma conta de nós”. É tempo de perguntar: Como e aonde chegou essa Palavra? Como temos vivido (d)a Palavra? Que sementes estão a ser lançadas em virtude da escuta e do testemunho do Evangelho? O que motiva a nossa fé e a nossa pastoral? Deus é misericordioso. No Seu amor está sempre a pedir que retomemos o caminho da vida para sermos uma comunidade que se alimenta da Palavra e torna visíveis os frutos da vinha pela presença nas realidades do mundo. Somos vinha amada por Deus. Mas bastará isso? Que Igreja somos e queremos ser? Qual a missão e o contributo de cada um para que as comunidades sejam testemunho da “delícia da humanidade”?
Confesso que, quando aceitei, como expressão da vontade de Deus, a tarefa do episcopado, tinha consciência do caminho a percorrer. Via na unidade e na comunhão de todos a força para recomeçar cada dia com um entusiasmo renovado. Continuo a acreditar nesse projecto de unidade fraternal. A escuta orante da Palavra de Deus é o coração e a fonte de cada comunidade cristã. Há comunhão quando existe relação íntima com Deus revelado no Verbo incarnado, Jesus Cristo, e relação fraterna com cada pessoa. Caso contrário, tornamo-nos profissionais do culto e do entretenimento religioso. Esta imagem leva frequentemente à ridicularização da fé, a um vazio espiritual e a uma vida preenchida por tantas coisas menos por Deus! Cito novamente S. Paulo em forma de interpelação: “temos suportado tudo, para não criar qualquer obstáculo ao Evangelho de Cristo. Assim, aqueles que anunciam o Evangelho vivam do Evangelho (1 Cor 9, 12b.14).
O cristianismo não é um sistema político-social. É o seguimento radical de Jesus Cristo, a Palavra feita carne; é uma comunidade de fé e amor, que procura partilhar o que há de mais humano e divino no mundo. É impossível ser cristão em auto-gestão, de gerar uma comunidade cristã nascida por iniciativa própria, vivendo de forma isolada, fechada à Igreja Universal e diocesana, alheada da vida das outras comunidades paroquiais e religiosas.
Esta vida de comunhão não é uma miragem. É uma dimensão constitutiva da Igreja. Exige sacrifício, entrega de vida, alegria, doação, testemunho de gratuidade. Pessoalmente, quero ser promotor do “vínculo da unidade” apostólica, capaz de estabelecer laços de fraternidade com quantos habitam no território da Arquidiocese.
5 – Se a vitalidade da semente e a força do fermento está na unidade, sabendo que o semeador da cizânia opera de noite e parece querer gerar sonolência, gostaria de convocar a Arquidiocese, como povo sacerdotal, para uma nova consciência missionária que torna a unidade de vida em verdadeira experiência de unidades pastorais onde os sacerdotes interpretam a identidade da sua missão e integram talentos laicais a descobrir como verdadeiros carismas, que pela sua força e entusiasmo enfraquecerão as correntes pessimistas. Hoje a paróquia já não é o centro da vida social e religiosa. Não perdeu a sua actualidade mas necessita de se redefinir como comunidade de vida, servida por pessoas preparadas, oriundas do território ou em serviço inter-paroquial, que mostram o valor do Evangelho diante de tantos problemas e enigmas da actualidade moderna. É mais fácil continuar com os esquemas tradicionais mas com isso não estaremos a ler os sinais dos tempos nem a ser fiéis ao mandato do Espírito Santo.
Neste dia de consagração sacerdotal e de alegria eclesial, queremos louvar ao Senhor pelo dom do sacerdócio ministerial de todos os sacerdotes, mas de modo especial do diácono José Miguel e do diácono Pedro Daniel. Consciencializemo-nos que, se vivermos segundo o Evangelho, haverá mais alegria no serviço e surgirão novos ministérios; cresceremos na vontade de conhecer Jesus Cristo e a Sua mensagem para afirmá-lo como semente de esperança no seio da humanidade.
Que o Beato Bartolomeu do Mártires, testemunha incansável de Cristo, em tempos conturbados, suscite em cada comunidade cristã da nossa Arquidiocese vocações de especial consagração, de modo que nunca faltem na Igreja semeadores incansáveis do Reino e inquiete muitos leigos na procura do Evangelho para que se tornem verdadeiros missionários nos espaços onde a cizânia cresce. A Arquidiocese necessita da Palavra de Deus. Não permitamos que esta se transforme em tradições de simples evocação histórica.
Sameiro, 17 de Julho de 2011
† Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz
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