Arquidiocese de Braga -

4 dezembro 2011

NEM O MAR AGITADO DESTRÓI A ESPERANÇA

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Colaborador

Homilia de D. Jorge Ortiga na Eucaristia de acção de graças pelo resgate dos 6 pescadores, na Paróquia das Caxinas.

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Na passada sexta-feira,

ficamos sensibilizados com a notícia do resgaste

dos 6 pescadores, creio que presentes nesta celebração,

 que andavam há 3 dias à deriva no mar.

Um acontecimento que não nos deixou indiferentes,

que nos fez chorar perante a televisão

e que certamente ainda nos comove nestes dias.

 

Apertados naquela balsa,

estáveis sozinhos em pleno mar,

sem comida, sem agasalhos e sem condições,

restando-vos apenas a oração

que mantinha acesa a ínfima esperança de uma possível salvação,

tal como um de vós relatava aos jornalistas.

 

1. Curiosamente,

o Evangelho de hoje conta-nos a biografia de uma pessoa

com uma história semelhante à vossa: João Baptista.

Um profeta que desejou viver na privação

dos alimentos, das roupas, dos espaços elitistas e dos elogios civis,

tudo para que fosse outra pessoa a ser

reconhecida, venerada e estimada por todos os homens: Jesus Cristo.

Com efeito, João sentia-se apenas na obrigação de anunciar

a esperança da chegada d’Aquele que é o Salvador do mundo.

Posto isto, considero que a vossa situação foi idêntica.

A mim fez-me recordar quanto o Papa Bento XVI

escrevia na Encíclica Spe Salvi (44):

“Um mundo sem Deus é um mundo sem esperança!”

Quisestes confiar em Deus, daí renasceu a esperança

e encontraste o caminho da vida.

 

Alguns quiseram falar de milagre.

Eu confirmei a minha fé: Deus existes.

Por isso, da minha parte eu direi sempre:

falemos de Deus aos homens, pois falar de Deus é falar de esperança.

E com esta virtude no nosso coração,

não há mar agitado que impeça a nossa caminhada.

 

Se damos graças a Deus pelo vosso resgate,

queremos agradecer ainda a união da vossa comunidade.

Ela é, muitas vezes, fustigada pela crueldade de vidas ceifadas

e, nesses momentos, expressamos a nossa solidariedade

numa oração que acompanha a dor e o sofrimento.

 

Hoje, continuamos a sentir-nos uma única família

a alegrar-se com a vossa alegria e vitória

sobre a realidade ameaçadora da morte.

A vida venceu e sentimos a necessidade de mostrar que na oração,

sendo prece que invoca ou atitude de quem agradece,

estamos unidos a dar um testemunho que deve passar para a vida:

em todas as horas vale a pena orar

porque Deus nunca nos abandona,

como escreve S. Pedro na 2.ª leitura.

Estamos aqui nós, mas muitos crentes vos acompanharam.

Na qualidade de Presidente da Comissão Episcopal

para a Pastoral Social e Mobilidade informo que recebi mensagens

de oração e solidariedade por parte dos núcleos

do Apostolado do Mar e Clubes “Stella Maris”.

Deus queira que o vosso cresça em número e vontade de aprofundar a fé.

 

2. Tudo se passou no Barco “Virgem do Sameiro”.

Isto recorda-nos Maria, a Mãe,

a quem vós estivestes ligados através do terço.

 

A Senhora do Sameiro é a Imaculada Conceição, ou seja,

a mulher que soube estar sempre com Jesus,

em atitude de permanente fidelidade e coerência

com os princípios e valores em que acreditava.

 

Quer seja nos momentos de alegria, como:

o nascimento de Cristo,

o milagre das Bodas de Canãa,

e o encontro no Templo de Jerusalém.

 

Assim como nos momentos de dor, nomeadamente:

na flagelação,

no caminho para o Calvário,

e na cruz onde viria a morrer.

 

Porque esteve sempre com Cristo, Maria nunca desistiu!

Nunca se atirou ao mar do desânimo.

Em hora de gratidão a Deus, por Maria,

procuremos tirar conclusões.

Procurai aliar sempre os vossos conhecimentos técnicos

com o reconhecimento da humildade,

que não permite que corrais riscos desnecessários.

 

Além disso, peçamos às entidades públicas

que vos proporcionem maiores garantias de tranquilidade

no imprevisível do mar traiçoeiro.

 

Mas, se Maria foi a mulher que sempre esteve com Jesus,

saibamos estar também do lado d’Ele,

sem vergonha e em todos os momentos (não só na aflição)

e colocarmo-nos ao serviço de Cristo nos outros.

 

3. Fostes salvos por causa da vossa esperança!

Salvos por homens desconhecidos.

Talvez nunca mais vos voltareis a encontrar.

Mas, a vossa vida deve-se a eles.

Também cada um de nós, com fé em Cristo e a esperança no Seu amor,

pode salvar muitas vidas. E porquê?

Porque a redenção de Cristo há 2000 anos

deve continuar a acontecer agora,

no dia a dia da vossa e da nossa vida.

 

Nessas ocasiões, certamente que não teremos esta cobertura mediática.

As rádios e as televisões não estarão presentes nos actos de generosidade

que, voluntária e silenciosamente,

oferecemos a pessoas perdidas nas águas agitadas da vida moderna.

Mas não vos preocupeis,

pois garanto-vos que Deus verá esse amor generoso e gratuito.

 

Estamos aqui reunidos em Igreja e importa reconhecer,

em tempo de Advento, uma profunda conversão.

A Igreja foi sempre uma experiência de comunidade,

mas ainda continuamos numa atitude de simples relação individual

para agradecer ou pedir graças para nós.

 

Somos um corpo e, como tal,

as alegrias e as tristezas dos outros pertencem-nos.

Teremos de nos reconhecer como comunidade,

que louva a Deus e agradece as graças recebidas

e que se compromete com a verdadeira fraternidade.

 

Isso quisemos fazer.

O cristão, na vida, não tem fronteiras nem age por mero sentimentalismo.

Na verdade, hoje e aqui, como depois na nossa vida,

continuaremos, como família que não se limita aos laços de sangue,

a sofrer com quem sofre e a alegrar-se com quem se alegra.

 

A gratidão não é somente dos nossos 6 irmãos e das suas famílias.

Sentimo-nos um único corpo, aqui presente e espalhado por todo o país,

a cantar as maravilhas que Deus nos concedeu,

como escutávamos no Salmo responsorial,

antecipando assim a alegria natalícia.

 

Louvemos o Senhor e saibamos aproveitar este acontecimento.

No progresso da ciência e da técnica, na responsabilidade dos Governos,

a força da oração, o amor a Deus e a experiência de ser comunidade,

gera esperança e permite recomeçar a vida,

mesmo quando esta parecia perdida.

Onde há fé, há sempre razões para esperar!

 

4. Para terminar, peço aos senhores:

José Manuel Coentrão,

Prudenciano Pereira,

António Maravalhas,

Manuel Navegante,

João Coentrão

e Tereskov Vladislav

que guardem para sempre este acontecimento nas suas memórias.

 

Se uns defendem que o vosso resgate foi mera casualidade,

somente vós sabeis o que é presenciar

este sinal salvífico de Deus nas vossas vidas.

Isto foi “milagre” (miraculum: admirar-se, contemplar algo fascinante),

não porque aconteceu um fenómeno sobrenatural

ou um facto cientificamente não comprovado.

 

Mas porque vivenciastes na totalidade

o que é sentir a salvação/resgate/presença de Deus

numa hora de aflição extrema;

e porque sentistes uma alegria radical e única,

que destruiu o desespero angustiante.

 

Portanto, parabéns pelo “milagre” que Deus vos concedeu!

E, já agora, façam o favor de o contar, vezes sem conta,

aos vossos familiares e amigos,

nos momentos em que eles também perderem a esperança na vida.

 

Por fim, se no final da Eucaristia

repetiremos a nossa Consagração ao Imaculado Coração de Maria,

diante do pequeno monumento erguido na vossa comunidade há 25 anos,

consagremos-lhe a nossa vida aqui com estes vossos irmãos.

Peçamos que Ela nos faça homens e mulheres que estão com Jesus

e, por isso, fazem tudo para estar com Jesus nos outros

de modo a que a vida de todos seja sempre mais feliz.

 

+ Jorge Ortiga, A.P.

Paróquia de Caxinas, 4 de Dezembro de 2011.