Arquidiocese de Braga -

5 dezembro 2011

S. GERALDO, O ARTÍFICE DA CARIDADE

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Homilia de D. Jorge Ortiga na Solenidade de G. Geraldo, padroeiro da Arquidiocese de Braga, na Sé Catedral.

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Num momento em que entramos já em plena época natalícia, o evangelista S. Lucas agracia-nos hoje com um concentrado de 3 parábolas num só evangelho. Parábolas que, por sua vez, nos reportam à contemporaneidade.

 

1. A primeira (v. 35-38) enquadra-nos neste tempo de Advento: porque não sabemos a que horas regressa o senhor do casamento, precisamos de estar vigilantes. A segunda (v. 39-40) situa-nos no actual contexto social, pois a crise tem arrombado diariamente a porta da nossa casa. E a terceira (v. 41-44) remete para a Solenidade de S. Geraldo, enquanto administrador fiel e prudente.

Administrador na medida em que reorganizou a Arquidiocese a partir da cidade de Braga. Um trabalho persistente de contacto com as pessoas nas visitas pastorais, mas simultaneamente reestruturando a cidade no aspecto religioso, cultural e social, culminando com a atribuição da dignidade de Metrópole pelo Papa Pascoal II.

Por tudo isto, hoje consideramo-lo padroeiro da cidade pelo rosto novo que lhe restituiu e por ter cuidado particularmente dos carenciados. O milagre da fruta pode ser paradigmático, não só pela experiência pessoal, mas pela atenção aos outros. E por causa desta re-estruturação urbana, S. Geraldo define-se assim como o “artífice da caridade”: construiu, delineou mas, sobretudo, amou.

 

2. Passaram-se 900 anos… a cidade cresceu… as infra-estruturas multiplicaram-se… os poderes civis e espirituais separaram-se… mas a actualização do milagre da fruta tem de marcar a acção da Igreja que, assim o creio, também é assumida pela Câmara Municipal.

 Se queremos honrar este legado de S. Geraldo, compete-nos uma dupla tarefa na cidade (e no mundo): criar uma mentalidade de fraternidade e dar dignidade a quem sofre, num compromisso realista e exigente, mostrando que estamos do lado dos mais carenciados.

Não nos interessa o protagonismo, as recompensas humanas ou as vitórias das estatísticas da assistência social. Sabemos que só o amor permanecerá! (1Jo 4,16) O bem comum não pode ser, só e apenas, um princípio estruturante da Doutrina Social da Igreja. Trata-se duma mentalidade nova que coloca o “nós” acima do “eu” e que acredita na responsabilidade histórica de criar uma nova consciência de solidariedade.

Com esta mentalidade, como cultura da solidariedade, ousaremos continuar a repetir o “milagre da fruta”, nunca no intuito de as pretendermos só para alguns. Se assim fosse, estaríamos a “falsificar a palavra de Deus” (2.ª leitura). Mas é no repartir e partilhar através de iniciativas concretas que o milagre acontece. E porquê? Porque não bastam as estruturas, interessam as pessoas!

 

3. Sabemos ainda que não podemos nem devemos ser os únicos intérpretes desta “reconstrução” da cidade. Somos parte e queremos agir integrados num processo comum. Não podemos colocar de lado a nossa verdadeira identidade.

Esta advém da Palavra de Deus. Actuamos em prol da caridade porque o Senhor nos enviou “a curar, a proclamar, a consolar, a cantar e a anunciar a boa-nova” (1.ª leitura). E agimos em nome da fé que professamos, sem escolher rostos nem simpatias.

Recordo que a Igreja não é detentora duma capacidade económica capaz de responder a todas as necessidades. Aquilo que possui, recebe-o dos seus fiéis ou de instituições que acreditam na Igreja e na sua capacidade de agir, gratuitamente e sem interesses pessoais, em favor de todos sem discriminação. Tudo o que possuímos tem esta finalidade directa ou indirectamente: fazer o bem.

Graças a Deus que muitos compreendem a nossa missão e nos ajudam. Temos uma mensagem de amor que celebramos no culto e semeamos com o exercício persistente da caridade. Sofremos com a crise e estamos na linha da frente a “pagar” a crise, quando a primeira obrigatoriedade compete ao Estado. Continuaremos num esforço de traduzir a festa de S. Geraldo em festa da caridade, no sentido de dar alegria àqueles que não conseguem encontrar um sentido para a existência.

 

Para terminar, o poeta inglês William Cowper afirmava que “se Deus criou o campo, o homem edificou a cidade”. Por isso, reestruturemos a cidade (do homem) com o milagre da fruta (caridade), proveniente do campo (da Palavra de Deus).

Como tal, neste tempo de Advento, queremos oferecer à crise esta caridade, “que não se pode produzir, apenas acolher.” (CIV 81).

Que S. Geraldo, o artífice da caridade, nos conceda a dom da sensibilidade aos problemas e necessidades dos outros! E nos conceda a generosidade de todos para que algures, voluntariamente, amenizem o quotidiano das pessoas e das famílias. A tarefa é árdua mas a fé é capaz de encontrar soluções!

+ Jorge Ortiga, A. P.

Solenidade de S. Geraldo, Sé Catedral, 5 de Dezembro de 2011