Arquidiocese de Braga -

10 outubro 2012

Penha

Fotografia Colaborador

+ Jorge Ortiga, A. P.

A cultura do silêncio

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Caro Arcipreste de Guimarães/Vizela, sacerdotes, diáconos, religiosos e religiosas

Senhor Presidente da Câmara Municipal e demais autoridades

Digníssima Irmandade de Nossa Senhora do Carmo da Penha

Queridos doentes e idosos que testemunhais a secularidade desta peregrinação

Prezadas crianças e jovens escuteiros que sois o futuro da Igreja

Irmãos e irmãs que embelezais o recinto deste Santuário com as cores da trama da vossa vida!

 

1. Numa altura em que vigoram na sociedade as palavras austeridade, incerteza, pessimismo e tristeza, que se resumem à palavra “crise”, a pergunta instala-se: afinal, onde poderá residir a verdadeira felicidade do Homem?

O evangelho de hoje conta-nos a história do homem mais infeliz do tempo de Jesus: um surdo-mudo. Uma pessoa que além de não conseguir ouvir o que lhe é dito, também não consegue comunicar aquilo que pensa, sente e deseja. Trata-se de uma doença, considerada como castigo divino pelos judeus, que a impede de escutar e anunciar a Palavra de Deus, colocando-a ainda completamente à margem do ritmo quotidiano da sociedade.

Perante o pedido de milagre por parte dos seus amigos, Jesus prefere quebrar o protocolo e retira-se com o surdo-mudo para longe daquele cenário. Ou seja, Ele afasta-se do espectáculo e do sensacionalismo desejado pela multidão, para proporcionar um encontro pessoal e inesperado àquele doente. Este encontro é a condição para que Jesus o salve da doença, da marginalização, da pobreza, da solidão e da tristeza, pois Deus vem para nos salvar, como escutávamos na primeira leitura.

Partindo deste legado bíblico, em ano de Guimarães, Capital Europeia da Cultura, e em preparação dum novo ciclo pastoral, poderíamos perguntar qual o contributo que a Igreja, a comunidade dos discípulos de Cristo, poderá oferecer à cultura e
à sociedade?

 

2. Ora, à medida que subíeis a montanha em direcção a este Santuário, tendo os cânticos marianos por melodia e as árvores por companhia, o barulho citadino desaparecia e o silêncio da natureza imponha-se. Pois bem, caros cristãos (e autoridades civis): o grande contributo que a Igreja pode oferecer é este silêncio, o primeiro património imaterial da humanidade!

Não se trata aqui de um silêncio qualquer, mas um silêncio ouvinte, como define a escritora Sophia de Mello Breyner. Um silêncio que é a verdadeira melodia de Deus, pois é o cruzamento entre o limite das palavras humanas e a plenitude da Palavra de Deus, como refere o Papa Bento XVI. E um silêncio que é sinal da ausência momentânea dos problemas sociais, das pressões da comunicação social, da publicidade enganosa, das agendas sobrecarregadas e dos valores politicamente subvertidos… que nos impedem aquele encontro profundo com Cristo e a Sua Palavra, tal como desfrutou o surdo-mudo.

Portanto, Cristo convida-nos para esse encontro longe da multidão; o Santuário da Penha oferece simbolicamente a importância do silêncio da natureza; e a Igreja oferece a Palavra de Deus, para que desse confronto emirja uma fé mais sólida e consciente, como caminho de verdadeira felicidade. Ousemos todos ter tempo para ouvir o silêncio, por ele mesmo, ou como resultado duma reflexão pessoal!

Neste sentido, todos sabemos que o Santo Padre, para comemorar os 50 anos do Concílio Vaticano II, decidiu propor à Igreja um Ano da Fé. E eu, em sintonia com esse desafio e com o Conselho Pastoral Arquidiocesano, decidi que o próximo quinquénio pastoral se centrasse na temática da fé, para que ela seja melhor professada, celebrada, vivida, anunciada e contemplada, à imagem de Maria, no intuito de redescobrirmos a nossa identidade cristã.

3. De facto, a fé não é uma realidade estática a conservar no âmbito privado. Ela deve ser assumida publicamente sem medo ou receio! Por isso, peço-vos que não vos envergonheis da vossa fé, por muito que isso vos custe! Sem a fé, a sociedade aborta o amor, que Deus plantou nela, gerando-se a anarquia total! Aliás, todos os cataclismos sociais da história universal foram exclusivamente a consequência da negação de Deus e do seu amor. E nalguns casos, por culpa dos cristãos que se inibiram a propor a fé, deixando o mundo surdo e mudo de Deus!

A propósito, gostaria de deixar um breve pensamento do Cardeal Carlo Maria Martini, falecido no passado dia 31 de Agosto, que diz:

“Pode acontecer que os inimigos das nossas potencialidades de expressão não sejam o sistemas, as partes contrárias, os superiores e os meios de que muitas vezes dispõem… mas os inimigos mais fortes e difíceis de vencer talvez estejam dentro de nós. E o que se chamam autocensura, conformismo, desejo de vida calma e de não ter sarilhos!”

 

4- E porque Deus não faz acepção de pessoas, como escutávamos na Carta de S. Tiago, e reconhecendo que a fé solidifica-se no diálogo interdisciplinar, aproveito a ocasião para voltar a anunciara realização de um encontro inédito no nosso país: o Átrio dos Gentios, a decorrer nesta cidade nos próximos dias 16 e 17 de Novembro. Um Congresso Internacional presidido pelo Cardeal Ravasi, e contando com a presença diversas personalidades conhecidas de diferentes âmbitos da sociedade e correntes de pensamento do país e do estrangeiro, todas sentadas à volta do mesmo tema: o valor da vida! E porquê?

Porque a fé não se cinge a ritos, gestos e fórmulas, mas também a um jogo dialéctico de dúvidas e certezas entre crentes e não-crentes. Como ficaria contente que, aqueles que pensam de um modo diferente de nós, estivessem disponíveis para participar neste diálogo tão enriquecedor para ambas as partes! Será certamente uma experiência frutuosa e a repetir-se, em menor escala, no âmbito arciprestal e paroquial.

 

5- [Para terminar, quando o célebre astronauta norte-americano chegou à Lua há 43 anos, naquele momento decisivo afirmou: “é um pequeno passo para um homem, mas um grande passo para a humanidade!”]

 

Por isso, Senhora do Carmo da Penha: vimos aqui hoje pedir a tua intercessão, para que entregues ao teu Filho Jesus, o guardião da nossa felicidade, os nossos passos, os nossos gestos, as nossas surdezes, os nossos ruídos, as nossas dúvidas, os nossos problemas, os nossos sofrimentos, as nossas prioridades, as nossas vontades e as nossas tristezas!

Fazei Senhora que, como nos recordava Isaías, as águas da alegria, da festa e do trabalho digno, brotem para todos nesta nossa terra que parece estar a experimentar a aridez do deserto.