Arquidiocese de Braga -
16 outubro 2012
Meter Deus ao barulho

Discurso de encerramento na Sessão Solene de Abertura do Ano Lectivo na Universidade Católica - Braga.
Se alguém duvidava que a juventude se afastou da Igreja, os cerca de 10.000 escuteiros, que estiveram presentes no passado domingo na Avenida Central de Braga, comprovam que o eventual culpado pelo divórcio entre a Juventude e a Igreja, só pode ser esta.
Aliás, foi com este intuito que há 50 anos o Concílio Vaticano II, autêntica revolução copernicana no seio eclesial, produziu um vasto património teológico para se evitar um então divórcio entre a Igreja e o mundo.
Por isso, o Papa Bento XVI na Carta Apostólica Porta Fidei, pede-nos:
“Deverá intensificar-se a reflexão sobre a fé, para ajudar todos os crentes em Cristo a tornarem mais consciente e revigorarem a sua adesão ao Evangelho, sobretudo num momento de profunda mudança como este que a humanidade está a viver”[1]
Ninguém ignora o ambiente de mudança acelerada que afecta todos os sectores da humanidade. Ao longo da história, a Igreja nunca ficou incólume a essas transformações sociais. Logo, também ela tem de se encontrar para não ser algo doutro mundo, sem nada a dizer. Esse foi a grande tarefa do Concílio Vaticano II: trazer a Igreja para o mundo e aí, bem dentro, ser semente duma esperança renovadora do tecido social.[2]
Infelizmente, hoje em dia centralizamos a nossa reflexão na omnipotência da Economia. Pessoalmente, creio até que um dos grandes problemas actuais é o facto de não termos tempo para pensar, porque preferimos consumir os enormes quilos de pensamento que a comunicação social nos vende a baixo preço. Preferimos colher opiniões do que produzir crítica (construtiva)!
Não nos iludamos! A sociedade hodierna perdeu o sentido para o seu evoluir. E o grande contributivo que a Igreja pode oferecer à sociedade é oferecer-lhe um pensamento qualitativo, que desautorize os fundamentalismos e confira um genuíno sentido. Na mesma carta apostólica, Bento XVI indica-nos a fórmula desse trabalho a operar, quando afirma: “se o lermos e recebermos guiados por uma justa hermenêutica, o Concílio pode ser e tornar-se cada vez mais uma grande força para a renovação sempre necessária da Igreja.”[3]
Por outras palavras, temos de entrar no jogo dialógico do mundo e, permitindo o uso popular da expressão, “meter Deus ao barulho”! Ou seja, propô-lo como tema nas nossas conversas, para que Ele passe de um mero tema a um sentido estrutural para a vida de muitas pessoas, que se cruzam no nosso quotidiano![4]
Como tal, compete à Universidade Católica, no específico de cada curso, com a qualidade que lhe é devida e exigida, propor uma reflexão sobre a fé, naquilo que ela pode sugerir e, ao mesmo tempo, abordar o património teológico do Concílio Vaticano II, como uma pista que pode iluminar muitos problemas, já que os milagres económicos de outrora transformaram-se agora em tragédias humanas. A propósito, foi essa a mensagem que Jesus concedeu àquele homem rico e ousado, no evangelho do passado domingo: deixa a economia e dedica-te ao amor!
Para terminar, e uma vez que nos encontramos na Faculdade de Filosofia, Sócrates, o patrono da Filosofia, afirmava: “Não sou nem ateniense, nem grego, mas sim um cidadão do mundo.”
Como cidadãos deste mundo, todos nós somos os primeiros responsáveis pela qualidade de vida do ser humano. Há pecados de omissão que estão a ser cometidos! Portanto, que a fé, que reuniu aqueles 10.000 escuteiros em Braga, seja uma categoria do nosso pensamento (académico) e que continue a “incomodar muita gente”! E o grande desafio da Universidade Católica é este: não permitir o divórcio entre o pensamento católico (Igreja) e o mundo!
+ Jorge Ortiga, A. P.
16 de Outubro de 2012, Aula Magna da Faculdade de Filosofia - UCP
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