Arquidiocese de Braga -
19 outubro 2012
GRATIDÃO E ESPERANÇA

Discurso de D. Jorge Ortiga na Sessão Solene dos 25 anos da Faculdade de Teologia - Braga.
A complexidade social e a fragmentação cultural estão a fazer emergir uma nova necessidade do sagrado e uma sincera procura do transcendente. Sabemos que são muitos a negar ou desconsiderar a dimensão transcendental da existência.
O homem ocidental deixou-se “anestesiar” pelo sonho da auto-realização, acreditou na omnipotência das conquistas tecnológicas e científicas e pretendeu estruturar a sua vida como algo autónomo e emancipado da transcendência. Só que esta atitude está a mostrar a profunda debilidade humana incapaz de se encontrar com um projeto de felicidade. Carente de valores autênticos, aparece a crise dum humanismo que orientou os itinerários da história. A redução do homem a “uma só dimensão” não coincide com a “explosão da crise”. Só que caem os “deuses” em que tinha depositado a sua confiança e encontra-se sem referências certas e mergulhado na “cultura da morte” que a mentalidade consumista, materialista e hedonista lhe proporcionou.
São muitos aqueles que começam a reconhecer que as suas faculdades intelectivas, afetivas e espirituais, estão limitadas a funções meramente biológicas, incapazes de imprimir um sentido à existência. O homem moderno tem necessidade de reconquistar-se, de se encontrar com a sua identidade, de descobrir a importância do seu espaço interior e, particularmente, encontrar-se com a verdade dele mesmo. Interpretar-se como auto-projeto, como “senhor de si”, das coisas e do mundo, tornando-se o centro de tudo, gera conflitos insanáveis que provocam o desencanto existencial. Uma subjetividade absoluta a não necessitar do outro é uma veleidade que os sensatos já reconhecem não conduzir a resultados positivos.
Ao lado deste ambiente de secularização e indiferença religiosa, o mundo eclesial faz com que nos encontremos, diariamente, com os cristãos marcados pelo tradicionalismo das suas atitudes religiosas ou de piedade religiosa que necessitam dum choque que os conduzam a uma redescoberta da fé. Muitos instalam-se num cristianismo de índole circunstancial e outros persistem numa deficiente experiência religiosa. Se anunciar o dom da fé numa cultura laica e indiferente encerra uma grande complexidade, desmontar esquemas e apontar caminhos duma nova evangelização, para os chamados praticantes, é muito mais exigente! E este, em linhas gerais, é o contexto mais aproximado desta região do Norte de Portugal. As estatísticas referem os números e o ambiente social, marcado por acontecimentos e festas permanentes, confirma esta necessidade da Igreja.
O Santo Padre, em Fátima, afirmou que “no interior da Igreja constata-se um cansaço que já não deixa aparecer aquilo que é belo e que é necessário do ponto de vista humano”, uma vez que “aquilo que deveria ser motivo de alegria contagiante tornou-se baço”. O que se passa no interior da Igreja? A questão é que nós, católicos, deixamos de nos surpreender com a bondade e a beleza de Deus e perdemos a nossa vivacidade. “O secularismo contagia uma ampla faixa de cristãos que habitualmente pensam, decidem e vivem “como se Cristo não existisse” (EE 26).
A Arquidiocese de Braga, e sem saudosismo alargo o seu espaço ao território que a definiu no passado, tem um rosto e é constituída por diferentes raças, idades, classes, pecadores e santos. É uma família que tem um legado, tesouros muitas vezes escondidos e não reconhecidos, de várias gerações e vive em constante tensão enquanto não encontra o coração de cada ser humano. Construiu hospitais, matou a fome a muitos necessitados e trouxe conforto a quem precisava. Fez avançar o ensino, mudou mentalidades e deu voz a quem não a tinha. Foi também sinal de Deus na vida concreta de muitas pessoas através dos sacramentos. Deixou-se inspirar e inspirou muita gente por meio da palavra de Deus e reúne-se sempre em torno da sua mesa. E tudo isto, por muito bom que seja, nada é ao lado daquilo que falta realizar em favor do homem. Sabemo-nos herdeiros de um tesouro imenso, conscientes de que viemos de um Outro, queremos continuar a ir ao encontro do outro, de cada um na originalidade e na complexidade da sua vida.
Para isso é imperioso “redescobrir o caminho da fé para fazer brilhar a alegria e o renovado entusiasmo do encontro com Cristo”. “Sucede, não poucas vezes, que os cristãos sintam maior preocupação com as consequências sociais, culturais e políticas da fé do que com a própria fé, considerando esta como um pressuposto óbvio da sua vida diária. Ora esse pressuposto não só deixou de existir como, frequentemente, acaba até negado. Enquanto, no passado, era possível reconhecer um tecido cultural unitário, amplamente compartilhado no seu apelo aos conteúdos da fé e aos valores por ela inspirados, hoje, parece que já não é assim em grandes setores da sociedade, devido a uma profunda crise de fé que atingiu muitas pessoas” (Bento XVI, PF 2).
Este pensamento do Papa faz-me lembrar quanto Hans Urs von Balthasar dizia: “A fé não deve ser pressuposta mas proposta”. É neste contexto que se coloca a importância da Faculdade de Teologia de Braga. Ganhou consistência. Agora deve prosseguir o seu caminho e interpelar os cristãos, de Braga ou de fora, para o gosto de tornar mais consciente a adesão a Cristo. Todos teremos de fazer muito mais por ela! A Direção e o Corpo Docente terão de prosseguir na motivação dos crentes, mediante os Cursos de Teologia e de iniciativas que permitam que a fé ilumine as realidades terrestres e as comunidades eclesiais possam ser dotadas de agentes laicais capacitados para interpretar novos ministérios. As comunidades paroquiais devem reconhecer o papel de formação dos seus agentes como prioritário e criar as condições para uma efetiva corresponsabilidade. Os Institutos e Congregações Religiosas necessitam de descobrir como a reflexão teológica dá um brilho especial ao seu carisma.
Vinte e cinco anos de Vida. Tempo da idade adulta e certeza de que ainda há muito para fazer. A Arquidiocese de Braga orgulha-se de ter dado muito à Faculdade de Teologia. Espera que ela continue a ser um dom para o seu dinamismo renovador à luz do Concílio vaticano II de que celebramos o cinquentenário. É hora de gratidão e de reconhecimento que, perante a necessidade dum trabalho a realizar, deve prosseguir para bem da Igreja e da sociedade.
† Jorge Ortiga, A.P.
19 de Outubro de 2012, Faculdade de Teologia.
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