Arquidiocese de Braga -

3 novembro 2012

S. NUNO DE STA. MARIA

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Homilia de D. Jorge Ortiga na eucaristia evocativa da inauguração da estátua de S. Nuno Álvares Pereira, em Barcelos.

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S. Nuno de S. Maria

 

A Arquidiocese de Braga iniciou um período de cinco anos com o Plano Pastoral centralizado no redescobrir a identidade cristã. Numa era de muita confusão e relativismo necessitamos de recentralizar o essencial da fé e, a partir daí, descobrir os caminhos a percorrer para que ela incida nas diversas realidades sociais.

O Santo Padre, aquando da sua recente visita a Portugal no Terreiro do Paço, afirmou: “(…) nos tempos passados, a vossa saída em demanda de outros povos não impediu nem destruiu os vínculos com o que éreis e acreditáveis mas, com sabedoria cristã, pudestes transplantar experiências e particularidades, abrindo-vos ao contributo dos outros para serdes vós próprios, em aparente debilidade que é força. Hoje participando na edificação da Comunidade Europeia, levai o contributo da vossa identidade cultural e religiosa.”

Uma história de Portugal, que na debilidade de ser pequena pois nos tornou grandes, levando ao mundo uma marca indelével que gerou culturas a partir da nossa identidade cultural e religiosa.

Também no Porto, o Santo Padre deixou um pensamento que não foi assumido: “temos de vencer a tentação de nos limitarmos ao que ainda temos, ou julgamos ter, de nosso e seguro. Seria morrer a prazo, enquanto presença de Igreja no mundo, que aliás só pode ser missionária, no movimento expansivo do Espírito.”

                Ao redescobrir a nossa identidade cristã, queremos assumir o duplo significado da Porta como símbolo usado nos nossos cartazes. Ela serve para entrar e para sair. Prioritário e condicionante é não se envergonhar de entrar por ela, que é Cristo, e, com Cristo e por Cristo, sair para se encontrar com a cidade dos homens, com o nosso mundo. Pois como escutávamos no evangelho: “quem não tomar a sua cruz para me seguir, não pode ser meu discípulo.”

                Vivemos angustiados com a situação económica do país. Não nos faltam razões só que teremos de assumir o estatuto de intervenientes nos problemas para contribuirmos com a nossa responsabilidade. A fé é dom a acolher no encontro confiante com Cristo, mas deve tornar-se força que transforma o mundo.

                Deste modo, S. Nuno de S. Maria deve tornar-se numa referência. Passaram os anos! As motivações da sua vida continuam a questionar o país. É chamado de Herói e Santo, ou talvez mais adequado, Santo e Herói. A santidade foi a sua força para a missão que o país lhe solicitava e a heroicidade foi a coragem de colocar-se à frente, pensar estratégias e prosseguir até à Vitória.

                Direi que, também hoje, a identidade do cristão é uma santidade heroica, característica de quem acolhe o dom da fé e não permite que ela permaneça insípida, mas se transforme em impulso transformador da sociedade hodierna.

                Quando o Santo Padre diz que não devemos ter vergonha da nossa identidade cultural e religiosa, mas que a devemos colocar no coração da União Europeia, está a questionar-nos para que tudo comece pela casa Portuguesa, pela nação que amamos. Se permitimos que a crise económica se implantasse por causa do nosso acolhimento passivo de muitos hábitos e rotinas, também teremos de reconhecer a inércia no colocar o Evangelho no coração da sociedade. Ele continua a ser uma Boa Nova: a espada a usar agora não é a de ferro como a de S. Nuno, mas a do testemunho. Sabemos que existem forças ocultas que foram minando a sociedade portuguesa através dum corpo jurídico que não corresponde à nossa identidade cultural e, muito menos, religiosa. Aí somos todos responsáveis, políticos católicos e simples cidadãos. Não necessitamos de guerras verbais gritadas com maior ou menor violência. Basta que saibamos estar e que homens e mulheres da energia de S. Nuno de S. Maria ousem chefiar correntes de pensamento e decisão nos setores constitutivos da vida portuguesa, de modo a que, quando chegarmos ao fim da vida, possamos afirmar como o apóstolo Paulo: “combati o bom combate, guardei a fé!”.

                Posto isto, seja-me permitido agora uma comparação: nas guerras entre portugueses e espanhóis morreram muitos. Do mesmo modo, não continuarão hoje a morrer muitos cidadãos, quando se permite que a sociedade se vá envelhecendo e se torne incapaz de dar garantias de vida digna aos portugueses dentro de pouco tempo? Não estaremos a dormir, afastando-nos da heroicidade necessária nas arenas da discussão e participação? Serão realmente muitos, aqueles que se preocupam verdadeiramente com o bem comum e a comunidade social? Como herdeiros de uma história heróica e santa, estaremos a ser dignos defensores duma causa nacional?

                Dentro de dias teremos, como preocupação da Igreja em Braga, uma experiência de confronto de ideias no chamado Átrio dos Gentios. Não queremos confrontos, mas diálogos. Não somos polémicos, mas tolerantes. Sabemos que a vida vale muito mais do que aquilo que lhe estamos a dar.

                Os Escuteiros, que escolheram o S. Nuno de S. Maria como seu padroeiro, cantam: “Herói e santo, Nuno imortal, valei à terra de Portugal”. Que hoje S. Nuno se torne não só o santo dos altares, mas o português que lutou, arriscou a vida para salvar uma identidade nacional. Nós, crentes,  ao redescobrir-mos a nossa identidade teremos de trabalhar, com heroicidade, pelos valores que se identificam com a nossa história. Se os inimigos andam por aí, vamos construir uma sociedade clara e transparente, aberta à solidariedade e fraternidade, motivada permanentemente pelos interesses do bem comum e com o interesse por todos e não só por vantagens pessoais.

                Que S. Nuno Álvares Pereira nos ajude a ser terra de S. Maria!

 

+ Jorge Ortiga, A. P.

3 de Novembro de 2012, Igreja Matriz de Barcelos.