Arquidiocese de Braga -
23 novembro 2012
SOCIEDADE SOLIDÁRIA
Discurso na abertura da Semana Social no Porto.
SOCIEDADE SOLIDÁRIA
A Igreja em Portugal promove, mais uma vez, uma Semana Social, propondo uma reflexão capaz de gerar compromissos diversificados. A temática envolve os participantes em questão de tremenda pertinência e atualidade. Na verdade, a dramaticidade da situação social está a concentrar-nos em assuntos e questões de dimensão mais ou menos superficial sem olhar as causas e os verdadeiros fatores capazes de oferecer soluções estáveis.
Fala-se muito duma mudança epocal e sugere-se a elaboração dum paradigma novo. Nem sempre se passa dos discursos e das boas intenções de que, em alguns casos, podemos duvidar.
Importa concentrar-se no essencial e suscitar uma profunda reflexão, a que esta Semana dará um pequeno contributo a exigir uma continuidade, sobre o alcance do Estado Social, reformulando-o e concentrando-o no indispensável, e discernir os caminhos a percorrer para tornar plausível e exequível uma sociedade solidária. Juntar Estado Social e Sociedade Solidária não será mera questão de um título académico para um conjunto de intervenções. Sublinho desde já, algo que penso ser de elementar evidência, que não se trata duma disjuntiva. Urge unir as duas realidades e revestir cada uma de conteúdos bem definidos.
Ninguém contesta a existência, em Portugal, duma cultura da dependência. Alguém dizia que “os portugueses são paternalistas” querendo que o Estado, numa reação exagerada ao liberalismo, assuma um papel de solucionador omnipresente e omnipotente.
A sociedade é insubstituível e todos terão de assumir uma peculiar responsabilidade. Estes princípios começam a ser claros, embora nem sempre referenciados, os modos e as maneiras de estruturar esta conjugação de esforços deve ser discutido, procurando uma convergência de compromissos. Sem mudança de hábitos, no que se poderá exigir e no que se deverá dar, nunca descortinaremos perspetivas de adequação do caminho a percorrer.
Esta Semana Social valerá se for capaz de suscitar uma necessidade de repensar o modelo de sociedade que queremos, e qual o contributo de cada um, individualmente ou colegialmente. A Igreja Católica, celebrando o cinquentenário do Concílio, revê-se na definição de escrava da humanidade ou de pousada, que na parábola do Bom Samaritano, acolhe a todos e a todos proporciona o que for necessário, na medida das suas possibilidades e no respeito pelo princípio da subsidiariedade.
Se a Igreja é incapaz de responder às solicitações de quem lhe bate à porta, ela tem uma tarefa, nem sempre referenciada, mas de extraordinária importância. Estamos em Ano da Fé e sabemos que esta sem as obras é morta. Esta asserção não pode deixar de colocar as exigências da fé no âmbito dum pensamento novo, que a Igreja gera pelo anúncio e denuncia, que vai desencadear atitudes transformadoras da sociedade. Não é o refúgio numa ideologia mas a proclamação de que os crentes devem prosseguir o itinerário d’Aquele que referiu que veio para que os outros tenham vida e a tenham em abundância. Trata-se duma nova cultura ou civilização a reinventar, a partir de mentes que acreditam na imperiosa urgência de construir sociedade através da lógica do dom e da gratuidade. Não basta esperar! Há sempre algo para dar e todos, sem exclusão, se devem envolver nesta aventura conscientes de que o testemunho arrasta por pequeno que pareça.
Esta Semana Social deveria ser esta pedra no charco que desmonta esquemas e lança alertas não só na linha dos fenómenos a descrever, mas na exigência de percorrer os caminhos das causas desta situação para chegar a soluções concretas a pedir a todos. Já não vamos por cosméticos ou sedativos a curar superficialmente as feridas. Importa entrar dentro e ousar dar nomes às situações, criando uma nova mentalidade ou cultura. Se não chegarmos à verdadeira responsabilidade do Estado e não contribuirmos efetivamente para uma sociedade solidária, só chegaremos a considerações a armazenar nas Actas. O povo português merece e precisa de mais. A Igreja em Portugal não pode desperdiçar oportunidades para mostrar do lado de quem está, apontando princípios para uma solidariedade efetiva.
A desilusão e o desencanto enchem a vida das pessoas. Os dramas são mais que muitos e as soluções não as podemos colocar no acumular de impostos e restrições salariais. O povo reclama e não é possível determinar orientações que parecem meras especulações académicas. Também aqui a força não residirá na profundidade dos discursos. A grande lei do cristianismo continua a ser a incarnação, ou seja, descer até ao real quotidiano dum número crescente de portugueses que não conseguem ultrapassar o limiar da pobreza. Há situações que não podem esperar e a Fé que a Igreja professa só é compreensível através do amor dos cristãos que se estrutura em três dimensões.
Em primeiro lugar, o que cada cristão pode e deve fazer. Sabemos que o testemunho da caridade vivida chega onde as instituições e o Estado não são capazes. Ao lado da intervenção social temos as nossas instituições sociais que devem, como nos recordou o Santo Padre, integrar duas dimensões: agir num perfil caraterístico e identificativo mas completarem a sua ação “com projetos de liberdade que promovam o ser humano, na busca da fraternidade Universal”. A ação social eclesial é reconhecida universalmente. Criar projetos de humanização a partir duma consciência renovada da fraternidade universal é algo que nos resta efetuar. Agir e promover são partes da missão da Igreja que deve concretizar, ainda, quanto o Papa Bento XVI referiu em Fátima: “o urgente empenhamento dos cristãos na defesa dos direitos humanos preocupados com a totalidade da pessoa humana nas suas diversas dimensões.”
Não podemos ignorar as responsabilidades dum Estado Social. Há iniciativas que não podem ser substituídas por ninguém. A nós, Igreja Católica, toca-nos a responsabilidade de construir uma sociedade solidária, como paradigma novo a discernir e definir os seus contornos.
A Semana Social vai, em Ano da Fé, ser mais uma ajuda para “Repensar a Pastoral Social” que não aceitamos como elemento decorativo ou acidental. Ele mostra o verdadeiro ser da Igreja e aí reside muito da sua credibilidade. Assim sejamos capazes de o conseguir.
+ Jorge Ortiga, A.P.
22 de Novembro de 2012, Porto.
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