Arquidiocese de Braga -

2 fevereiro 2013

POR UMA COSMÉTICA TRANSCENDENTE

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Homilia na Festa da Apresentação do Senhor, na Sé Catedral.

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Por uma cosmética transcendente

Homilia na Festa da Apresentação do Senhor

 

1. O gesto com que iniciamos esta celebração fornece-nos uma autêntica pedagogia da fé. À entrada fomos convidados a trazer uma vela. Mas uma vela sem chama (apagada) é inútil, ou seja, não realiza a função para a qual foi criada. A vela só é útil quando transporta uma chama, a qual ilumina e destapa a vida ao seu redor. Porém, a vela por si só não produz esta chama vital, uma vez que precisa que alguém do exterior a forneça. Por isso, a luz foi-lhe dada: é um dom!

Partindo desta metáfora, nós somos esta simples vela que carrega a cera da vida. Se queremos continuar elegantes, segundo os critérios da cosmética social, então mantemos a vela intacta para que não se estrague. A vida assim torna-se uma escuridão, porque permanece inalterável: sem luz, sem vida e sem sentido.

Contudo, eis que a certa altura somos surpreendidos pela chama da fé, não por mérito próprio, mas por um dom divino. A sua luminosidade abre-nos horizontes, concede-nos critérios de uma cosmética transcendente e descodifica o ambiente que nos circunda. Compreendemos que há vida além do “eu” e que podemos e devemos partilhar esta luz da fé com outras vidas, de um modo gratuito.

 

2. Posto isto, ao celebrar o Dia da Apresentação do Senhor, tradicional festa das Candeias, a liturgia da palavra recorda-nos que foi com essa mesma luz que Deus iluminou outrora o caminho ao povo hebreu durante a noite, enquanto este saía da escravidão do Egipto. E mediante o profeta Malaquias, anuncia agora a vinda de um mensageiro, para que ilumine e prepare o seu caminho, como escutávamos na primeira leitura.

Vivendo na ansiedade por esta chegada gloriosa do mensageiro de Deus, eis que no templo de Jerusalém entra uma criança débil e indefesa, levada pelos pais, para o rito da purificação prescrita na lei de Moisés. No meio desta cena, um idoso levanta-se e denomina-o de “luz das nações”: aquele por quem todos esperavam!

Ao celebrar esta Festa tomamos consciência de que todos somos “filhos da luz”: da luz criadora de Deus, presente nos primórdios do mundo; da luz redentora de Cristo, simbolizada no círio pascal; e da luz santificadora do Espírito Santo que, sob a forma de línguas de fogo, fundou a Igreja. E esta identidade, como membros desta Igreja, coloca-nos no seio do mundo, de modo que a nossa fé possa apontar caminhos e sugerir paradigmas duma sociedade respeitadora da dignidade humana.

 

3. O Concílio apresenta-nos esta mesma doutrina dum modo inequívoco: “A luz dos povos é Cristo: por isso, este sagrado Concílio, reunido no Espírito santo, deseja ardentemente iluminar todos os homens com a sua luz que resplandece no rosto da Igreja”. É esta doutrina que neste ano pastoral somos desafiados a redescobrir no documento conciliar sobre a Igreja, Lumen Gentium. Trata-se de uma constituição dogmática que recuperou algumas verdades eclesiológicas. Desde logo, que a Igreja é um “sacramento em Cristo” e um “instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano” (I).

Além disso, salientou a igual dignidade de todo o Povo de Deus sacerdócio comum (II), a colegialidade episcopal (III), a função profética, sacerdotal e real de todos os baptizados (IV), a santidade como meta da vocação cristã (V), a pluralidade e riqueza dos carismas e dons pentecostais dos religiosos (VI), a índole escatológica da Igreja (VII) e a figura de Maria como mãe da Igreja (VIII), transformando assim a ideia de uma instituição hierarquizada numa comunidade fraternal (católica) ao estilo familiar!

 

4. Hoje, a nossa comunidade arquidiocesana alegra-se pois instituímos um leigo no ministério de leitor em ordem ao diaconado permanente. Portanto, estamos a reconhecer que a Igreja, para ser sinal de Cristo, “se reconhece real e intimamente solidária com o género humano e com a sua história” e daí que “as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens do nosso tempo, sobretudo dos pobres e dos todos os aflitos, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo, e nada existe de verdadeiramente humano que não encontre eco no seu coração”. (GS 1)

Se José e Maria oferecem no Templo Jesus, que é reconhecido como “Luz dos Povos”, ao trabalharmos o documento conciliar da Igreja teremos de acompanhar a reflexão, apresentando uma Igreja serva da humanidade e trabalhando para que a vocação dos Diáconos Permanentes seja mais conhecida, para que o agir eclesial seja explicitamente diaconal. Seremos luz, se nos tornarmos vela que se gasta para apontar uma alternativa cosmética, vinda do transcendente, que dará uma outra beleza à sociedade do poder, da vanglória e da corrupção.

Que a figura de Maria, a serva por antonomásia, questione a vida dos cristãos e das comunidades. Ela que ofereceu o que tinha de melhor, nada pretendendo para si. Por fim, fica no ar a pergunta: seremos de capazes de seguir o seu caminho?

† Jorge Ortiga, A.P.

Sé Catedral de Braga, 2 de Fevereiro de 2013.