Arquidiocese de Braga -

11 fevereiro 2013

UM LIKE PELA SAÚDE MENTAL

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Homilia no Dia Mundial do Doente.

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Um like pela saúde mental

Homilia na eucaristia de encerramento da Semana Arquidiocesana da Saúde

               

1. Sem dúvida que o fenómeno facebook gerou uma nova forma de comunicar. Além da publicação de dados e fotos, também é possível partilhar com os outros cibernautas todas as informações que encontramos pelo vasto bosque da internet. Por isso, quando vi a temática da Semana Arquidiocesana da Saúde achei pertinente o alcance do título.

Porém, eu lamento dizer-vos, mas “Jesus não tem propositadamente uma página no facebook, porque Ele acima de tudo prefere uma amizade “face to face”, isto é, olhos nos olhos!”[1] E porquê? Porque Ele vai pessoalmente ao teu encontro e espera o que for preciso pela tua resposta. Por isso, aceita o seu pedido de amizade e permite que Ele entre na tua vida!

 

2. Aliás, o evangelho de hoje comprova esse facto. Mais do que a busca do milagre, os doentes, movidos pela fé, buscavam a relação com a pessoa de Jesus. Daí que, neste Ano da Fé, ao dizermos “Creio em Jesus Cristo”, devemos redescobri-Lo na sua “Face” ou “imagem viva e transparente” em tantos rostos que espelham doença. Neste ato de fé, estamos a sublinhar o que pode parecer incompreensível: Jesus identificou-se com a humanidade, chegando ao ponto de partilhar o maior de todos os sofrimentos da época, a crucifixão.

Na verdade, aquele que sofre não precisa de promessas vãs, mas sim de uma pessoa que aguente o sofrimento ao seu lado e lhe volte a proporcionar segurança. Precisa de um “mergulhador”, que mergulhe com ele na sua solidão e lá permaneça junto dele.[2]

Na sua mensagem para o Dia Mundial do Doente, o Santo Padre, ao propor a figura emblemática do Bom Samaritano, e ao sublinhar as palavras finais da narração evangélica de S. Lucas: “Vai e faz tu também o mesmo” (Lc 10, 37), está a indicar comportamentos de solicitude atenta e terna a todos os cristãos, particularmente a quem lida diariamente com a dor. [3] Se muitos católicos vivem esta realidade no seu trabalho, todos devem estar mais atentos à dor alheia e encontrar tempo para estar com quem sofre. É um mundo que espera novo empenho nas nossas comunidades.

                Por isso, a celebração deste dia, em ano pastoral dedicado à nostalgia do Vaticano II, leva-nos à intenção que o Beato João Paulo II colocou quando o instituiu: ser um momento forte de oração, de partilha, de oferta do sofrimento pelo bem da Igreja e de apelo dirigido a todos para reconhecerem na face do irmão enfermo a Santa Face de Cristo que, sofrendo, morrendo e ressuscitando, operou a salvação da humanidade.

               

3. Bem sabemos que muitas seguradoras de saúde, infelizmente, fazem uma avaliação prévia da pessoa, recusando por vezes estabelecer com ela um contrato, quando calculam que a margem de lucro é bastante reduzida, ou até dispendiosa.

Pelo contrário, a Igreja olha para a pessoa, não como uma fonte de receita, mas como um filho amado de Deus, a quem queremos contagia-lo com o seu amor. Por isso, neste momento quero fazer minhas as palavras do Papa Bento XVI, dirigindo “um pensamento de viva gratidão e de encorajamento às instituições sanitárias católicas, às dioceses, às comunidades cristãs, às famílias religiosas comprometidas na pastoral sanitária e às associações de voluntariado”, que não ignoram o problema e decidem ser parte da solução, nomeadamente no âmbito da saúde mental, especificidade que o Departamento Arquidiocesano da Pastoral da saúde escolheu para este ano. Não ignoramos os outros. Apenas queremos mostrar que, como comunidades de crentes, gostamos – sinal dum amor particular – destes doentes pela simples razão de serem doentes mentais. “Gosto de ti porque sim”! É uma exigência da fé e mais nada. Mas apliquemos a mesma lógica a todos os âmbitos do sofrimento.

Por estranho que pareça, muitas vezes o Estado “esquece-se que a saúde mental também é saúde.”[4] E a assistência nesta área da medicina é um direito que todos devemos reclamar em prol destes doentes, dado que eles não conseguem fazer parar o país nem ser a notícia de abertura dos telejornais por causa das suas manifestações.

Como tal, louvo a iniciativa do Departamento Arquidiocesano da Pastoral da Saúde por organizar esta semana diferente em nome da saúde mental, onde todos partilhamos a mesma pergunta: “porque razão Deus nos deixa sofrer?”[5]

               

4. Para terminar, no recente filme “Os Miseráveis”, que contextualiza a minha mensagem para a Quaresma deste ano, sobre a obra do escritor francês Vitor Hugo, a certa altura uma actriz afirma, cantando: “Eu tive um sonho, de como minha vida seria tão diferente deste inferno que estou a viver. Mas agora que acordei, a realidade da vida matou esse sonho belo que eu tive.”

Porque o sonho comanda a vida, não deixemos matar o sonho sabendo que a fé n’Aquele que venceu a morte, a maior de todas as dores, incentiva-nos a ser “ministros da hospitalidade”[6] junto daqueles cujos sonhos a realidade da vida matou por causa do sofrimento, na certeza de que a Senhora de Lurdes a todos nos protege.

Assumamos a mensagem do Santo Padre: “A nova evangelização e a dignidade do homem que sofre”. Há uma dignidade em todo o homem sofredor. Saibamos ser “Bons Samaritanos”, num voluntariado competente, para que a Nova Evangelização também passe por esta dimensão da vida.

Muito obrigado a quem consegue descortinar a face de Cristo no doente e entra na amizade, “face to face”, olhos nos olhos e, por fim, lançando um desafio final: se gostas realmente de Jesus, então faz um like pela saúde mental!

               

+ Jorge Ortiga, A. P.

Memória de Santa Maria Bernarda Soubirous,

Igreja Matriz de Barcelos, 11 de Fevereiro de 2013.



[1] D. Jorge Ortiga, Aquela pergunta incómoda. Homilia na peregrinação arciprestal de Vila Verde à Senhora do Alívio - 2012.

[2] Cf. Anselm Gr?n, Que fiz eu para merecer isto? A incompreensível justiça de Deus, 98.

[3] Cf. Bento XVI, Mensagem para o Dia Mundial do Doente - 2013.

[4] Pedro Afonso, Negligência política na saúde mental?, «Jornal Público», 4 de Fevereiro de 2013, 47.

[5] Cf. Karl Rahner, Porque razão Deus nos deixa sofrer, 73.

[6] Henri Nouwen, O curador ferido, 107.