Arquidiocese de Braga -
2 junho 2013
O CORAÇÃO DO MINHO
Homilia na peregrinação arquidiocesana à Senhora do Sameiro.
O coração do Minho
Homilia na peregrinação arquidiocesana à Senhora do Sameiro
1. Experiência humana
Ao longo da nossa vida, certamente que já fizemos inúmeras caminhadas, mas peregrinar até ao Sameiro coloca-nos numa outra dimensão. Se Braga é a capital do Minho, ouso dizer que este Santuário é, por seu turno, o Coração do Minho.
E porquê? Porque o verdadeiro minhoto sabe que, quando aqui vem, é contagiado por uma tal espiritualidade mariana, que o reconforta, o valoriza e o capacita para, quando descer posteriormente este monte, encarar a vida com um novo horizonte, pois como dizia um dos meus antecessores: “Nossa Senhora não apareceu no Sameiro, Ela está no Sameiro!”
Por isso, é com imensa alegria que nesta peregrinação celebramos os 150 anos da concretização da sublime ideia do Pe. Martinho, em colocar aqui um monumento à Imaculada Conceição, que depois deu origem a este Santuário. E como é belo ver aqui tantas pessoas, que trazem tantas histórias de vida e que têm tantas coisas para pedir a Maria, a Senhora do Sameiro, neste Ano da Fé, que foi um dos últimos desejos do Papa Bento XVI, como forma de celebrar a renovação eclesial promovida pelo Concílio Vaticano II há 50 anos.
2. Liturgia da Palavra/Reflexão teológica
Neste sentido, Jesus no evangelho de hoje, mediante aquele gesto extraordinário, ensina-nos que, acreditar em Deus, é muito mais do que concordar com a noção de que Deus existe: é abrir-se a uma experiência de intimidade, comunhão e partilha com os outros.
Recuperando o gesto de Melquisedec, que escutávamos na primeira leitura, Jesus serve-se da metáfora do pão para fazer uma autêntica catequese sobre economia social aos seus discípulos.
Enquanto discípulos de Cristo, nós que somos as pedras vivas da Igreja, esta catequese emerge como uma oportunidade para redescobrirmos a nossa identidade cristã e a beleza da nossa fé. Se no passado, os espaços dos cristãos eram os templos, hoje temos de ser fermento do Reino de Deus nos mais diversos areópagos sociais, como nos desafiou o Concílio Vaticano II [1] , comprovando assim que a fé não é incompatível com a cultura, a saúde, a educação, a justiça, a economia, o desporto, a política…
Mas isto exige-nos formação, coragem, tolerância, humildade e inteligência para saber dialogar responsavelmente com o mundo. E há certos ambientes sociais onde o paganismo cresce, por causa da vergonha em assumirmos a nossa fé, e que precisamos de intervir: este foi o repto do nosso programa pastoral (redescobrir a identidade cristã) [2] e é o desafio que hoje Maria coloca nas nossas mãos.
3. Desafios pastorais
Ora, um dos momentos mais belos da história deste Santuário, foi a visita do Papa João Paulo II em 1982 que, num discurso belo sobre a família, comoveu os milhares de peregrinos aqui presentes. [3]
Partindo da temática desse discurso, gostaria de abordar o mais recente atentado contra a família na sociedade portuguesa: a aprovação na generalidade da lei da co-adoção.
Aliás, na passada segunda-feira, um bom programa televisivo da RTP levou a cabo este debate sobre a co-adoção de crianças por parte de casais do mesmo género. E, sem dúvida que foi interessante notar como todos os argumentos do grupo defensor desta lei, embarravam nos direitos naturais das crianças: o direito a ter um pai e uma mãe, o direito a conhecer a identidade do seu pai e da sua mãe biológicos, e o direito a ser educado num ambiente familiar sadio [4] , que lhe proporcione uma formação integral da sua personalidade, algo que só a família natural (homem e mulher) lhe pode oferecer. [5]
Além disso, neste período concreto da história do nosso país, em que atravessamos uma das piores crises económicas de sempre, e os níveis de pobreza, emigração e desemprego atingem números recordes, é interessante notar como este grupo específico se serve deste cenário trágico para, tacitamente, conseguir a provação de uma lei que atenta contra a dignidade das crianças.
Pior do que isso, é ainda muito estranho que este grupo só agora se lembre destas crianças desprotegidas, abandonadas e órfãs, oferecendo-lhes uma “bondade humana” tão hipócrita, quando, outrora no passado, pouco ou anda fizeram por elas e que, como se não bastasse, ainda há bem pouco, este mesmo grupo defendeu a lei do aborto, essa lei que mata por ano 20 mil crianças no nosso país.
Diante da tamanha contradição deste grupo, perguntamos: qual será afinal a sua intenção? Talvez seja, creio eu, porque se queiram aproveitar da fragilidade jurídica destas crianças e da “distracção” dos políticos, focados na “salvação” económico-social do país, para satisfazer os seus caprichos e escrúpulos sectários, de modo a angariar mais argumentos a posteriori que justifiquem o seu casamento camuflado.
Mas, o cerne deste problema é que “a adopção existe para proteger o superior interesse da criança, e não o interesse dos pais que querem adoptar” [6] . Se ainda ontem celebramos o Dia Mundial da Criança, devemos reconhecer quão essencial é o contexto familiar em que vivem.
Posto isto, será que os deputados, que se recusam a diminuir o número de membros da Assembleia da República, e que ainda há bem pouco tempo ignoraram as 92 mil assinaturas a pedir um referendo sobre a legalidade do casamento defendido por este grupo, irão novamente aprovar uma lei que ofende a dignidade humana das crianças e, por inerência, atenta contra o futuro sociedade portuguesa? Não será de esperar que, num assunto tão delicado, superem a ideologia partidária e ouçam verdadeiramente o querer dos portugueses, que os elegeram?
Mesmo que aprovem esta lei, o gesto da multiplicação de Jesus educar-nos-á a continuar a multiplicar solidariedade para com todos os indefesos e marginalizados, tal como a Igreja sempre o fez desde há 2000 anos, porque nenhuma lei civil consegue derrubar o amor de Deus.
4. Intercessão mariana
Por tudo isto, e porque tu és a nossa querida mãe do Céu, Senhora do Sameiro, hoje nós viemos aqui ao coração do Minho para interceder por todas as crianças, os jovens, os desempregados, os doentes, os emigrantes e as famílias da nossa Arquidiocese, mas queremos-te pedir, de um modo muito especial, pelas nossas as mães da terra, nomeadamente:
- as mães valentes e sonhadoras,
- as mães jovens e idosas,
- as mães altruístas e solidárias,
- as mães lutadoras e sofredoras,
- as mães humildes e prudentes,
- as mães tristes e magoadas
- as mães cansadas e inconformadas
- as mães que passam necessidades só para garantir o bem-estar dos filhos
- as mães que sofrem pelo filho que, por causa da crise, teve de emigrar
- as mães que perdoam as feridas dos maridos
- as mães que choram o filho que já faleceu
- as mães que dolorosamente suportam a doença, particularmente de cancro
- e as mães que não são amadas, compreendidas, respeitadas e acarinhadas.
Obrigado, Senhora do Sameiro, por aumentares a nossa fé em Jesus, o único salvador do mundo! Obrigado, Senhora do Sameiro, por nos fazeres acreditar que é possível uma sociedade mais justa, mais humana e mais fraterna! E obrigado, Senhora do Sameiro, por seres a nossa querida mãe, pois, como diz o provérbio popular: “quem tem uma mãe, tem tudo!”
+ Jorge Ortiga, A.P.
2 de Junho de 2013, Santuário do Sameiro.
[1] Cf. Lumen Gentium, 31.
[2] Cf. Programa Pastoral da Arquidiocese de Braga – Fé Professada, Ano Pastoral 2012-2013.
[3] Cf. Igreja Viva (Suplemento do Jornal «Diário do Minho», 30 de Maio de 2013), Entrevista ao Mons. Joaquim Morais, 5.
[4] Cf. N.º 7 e 11 da Declaração dos Direitos da Criança, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, no dia 20 de novembro de 1989.
[5] Cf. A força da família em tempos de crise, Nota Pastoral da Conferência Episcopal Portuguesa, 2.
[6] Cf. Federação Portuguesa pela Vida, Comunicado sobre os projectos de lei de co-adopção e adopção por pares homossexuais, 3.
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