Arquidiocese de Braga -

26 março 2014

CONFERÊNCIA DE FREI BENTO DOMINGUES EM BARCELOS

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«A leitura da Bíblia exige iniciação bíblica e esta, para não se cair no biblismo, exige leitura da Primeira Bíblia, história da natureza, da cultura, dos movimentos sociais», afirmou, na noite da passada segunda-feira, no auditório municipal de Barcelos,

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«A leitura da Bíblia exige iniciação bíblica e esta, para não se cair no biblismo, exige leitura da Primeira Bíblia, história da natureza, da cultura, dos movimentos sociais», afirmou, na noite da passada segunda-feira, no auditório municipal de Barcelos, frei Bento Domingues, numa conferência intitulada “A Bíblia, Palavra de Deus, Luz para as palavras, os acontecimentos e as solidariedades de hoje”, integrada na quinta Semana Bíblica em Barcelos (segunda organizada pelo arciprestado de Barcelos, já que as três primeiras foram organizadas pela paróquia de Santa Maria Maior), que teve o seu início na tarde do passado domingo e se prolonga até ao próximo domingo, sob o tema “Que rosto de Deus para este mundo (ricos/pobres)?”, e que tem atividades como conferências, cafés bíblicos e encenações.

Começando por se referir à Bíblia, o sacerdote dominicano definiu-a como sendo «uma biblioteca de um povo (hoje encadernada num só volume), de vários géneros literários, em diversos contextos geográficos e culturais, ao longo de várias centenas de anos, tentando incorporar memórias inverificáveis, sejam de tipo sapiencial (de tendência universalista) sejam de memórias historicisantes, colocando, muitas vezes, na boca de Deus os interesses de um só povo contra os outros, contra os inimigos. Neste aspeto, muitas passagens do Antigo Testamento favorecem uma mentalidade belicista e podem servir para justificar o injustificável».

«Na Missa, ao proclamar o Evangelho, começamos por dizer “naquele tempo”, mas, se fosse só para aquele tempo, não valia a pena proclamá-lo, hoje! Parece-me preferível um convite: escutemos o que Jesus diz, hoje, aos seus discípulos... É evidente que não foram ditos hoje, mas, enquanto textos recebidos na Igreja e no uso litúrgico, importa vencer a distância sem a destruir», advertiu Frei Bento Domingues.

O sacedote esclareceu, de seguida, que, «quando dizemos que a Bíblia é a Palavra de Deus, devemos ter cuidado, pois trata-se de uma metáfora. Sabendo, porém, que existe uma realidade a que chamamos Deus, devemos perguntar-nos se temos uma relação com Ele, uma experiência religiosa seja ou não refletida. Só a partir daí é possível perguntar se Deus comunica com o ser humano, chamemos--lhe revelação cujo processo também é preciso estudar. Se em Deus vivemos, nos movemos e existimos, é “normal” que Deus tenha relação connosco. Sendo nós seres da palavra, é “normal” que também fale na nossa linguagem. Seria, porém, esquecer que o ser humano existe numa determinada cultura que Deus fale na linguagem dessa cultura, contestando-a ou expandindo-a, mas, se não for na cultura de um ser humano concreto, este não a pode perceber».

Salientando o primado da Bíblia, o conferente afirmou que «a Bíblia é uma referência fundadora para os cristãos, mas só é uma referência fundadora quando projeta luz sobre as linguagens humanas, todos os acontecimentos, todos os desejos de solidariedade. Não é uma luz automática. Tem de ser recebida nos nossos questionamentos atuais multifacetados. O fundamentalismo bíblico não ajuda, antes dificulta a inteligência da Bíblia e do mundo, pois não parte da primeira Bíblia, a natureza, os acontecimentos e a história».

DM, 26 de Março de 2014