Arquidiocese de Braga -

24 junho 2014

UM NOME INESPERADO

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Fotografia

Homilia na celebração da solenidade do nascimento de S. João Baptista.

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1. Experiência Humana

No passado domingo contemplamos o nascimento de mais uma estação do ano. Sem dúvida que, de entre as várias estações, o verão é a que mais gozo nos confere, por causa do calor, do céu limpo ou dos dias longos, o que nos possibilita mais tempo para desfrutar, à luz do dia, este dom da vida que Deus nos concedeu.

2. Liturgia da Palavra

Neste sentido, hoje fazemos memória do nascimento de uma pessoa que marcou a aurora de uma nova estação para o povo de Israel, provocando a passagem do tempo profético da recordação das promessas de Deus para o tempo da realização dessas mesmas promessas.

Na verdade, com Deus não adianta protestar ou resistir porque Ele é mesmo assim: sempre que o povo de Israel estava oprimido, desiludido, desencorajado ou triste, surge sempre algum sinal divino que anuncia a esperança, prometendo uma nova era.[1] E esse sinal foi que Isabel, a mulher estéril de longa data, estava agora grávida de um filho, que viria a ser o grande percurso do próprio filho de Deus.

Um pormenor interessante no evangelho prende-se ao nome desta criança. Aliás, o nome era algo de extremamente sagrado naquela época: ele não só indicava a pessoa, mas também a sua condição social, as suas qualidades e o seu destino. Segundo a tradição judaica, era costume que o filho primogénito recebesse o nome do pai, neste caso Zacarias, mas Isabel antecipou-se e decidiu que deveria chamar-se João, que literalmente significa “Deus faz graça”.[2] Por isso, celebrar o nascimento de João Baptista é recordar esta salvação genuína que só Deus pode oferecer ao mundo!

3. Desafios Pastorais

Diante desta passagem bíblica, há uma pergunta que se impõe: num tempo de uma laicidade tão agressiva, ainda fará sentido celebrar a festa de S. João na cidade de Braga? E, alargando o alcance das minhas palavras, das festas populares que se multiplicam pelas nossas comunidades?

Em primeiro lugar, a festa é uma das componentes necessárias ao ser humano, tendo em vista a sua realização. Aqui inserimos, por um lado, um dos eixos do nosso programa pastoral: a religiosidade popular. Em muitas paróquias, a religiosidade popular pode ter grande importância se soubermos purifica-la das suas deficiências e revitalizar os seus valores, restituindo-lhe o sentido original, como por exemplo: devoções, novenas, procissões, tríduos, culto aos santos, entre outros. Mas se a piedade popular é importante, enquanto expressão de uma devoção particular do povo, também é urgente que ela não se reduza ao profano, mas que aprofunde o seu conteúdo evangélico.[3] Nunca se poderá resumir a uma simples distracção ou passatempo, onde o Santo e o mistério celebrado é simplesmente esquecido.

Em segundo lugar, e nesta perspectiva, a festa de S. João diz a esta moderníssima cidade de Braga que o progresso industrial e tecnológico, que tanto a caracteriza, não a pode fazer esquecer que há princípios éticos que devem regular essa acelerada evolução e que não a pode afastar dos carenciados que, por diversos motivos, estão totalmente à margem dessa evolução.

Aqui, por muito que possa custar a alguns apaixonados por estas festas, é importante que o orçamento financeiro seja digno, contemplando as respectivas despesas profanas, mas que não se esqueça também da solidariedade e do actual estado social. S. João Baptista ensina-nos que mesmo na simplicidade podemos fazer festa. As festas são importantes, mas não temos o direito de investir grandes quantias em momentos breves e passageiros, e ignorar o dever de que o desfavorecido, o pobre e o frágil ao nosso lado precisam de apoio. É com alegria que reparo que alguns programas festivos já começam a incluir este cariz social, mas será pedir demais se em todas as festas fizessem o mesmo? Não sou eu que o peço: peço-o em nome de todos os carenciados que “não têm voz” e que precisam que os defendamos.

De facto, temos de reconhecer que o verão ainda não chegou a diversas pessoas. O inverno do desemprego, da emigração, do sofrimento, tem gerado muitas chuvas de lágrimas às quais Deus não nos permite ficarmos indiferentes.

4. Conclusão

Recuperando a biografia de S. João Baptista, ele não ficou indiferente ao rumo que a história do seu povo estava a tomar. Arriscou tudo, incluindo a vida, e tornou-se uma voz, muitas vezes dura e ingrata, mas que apresentou novos caminhos. Não devemos, como crentes e cidadãos, estar mais atentos aos destinos sociais do nosso país? Não necessitaremos de propor um novo paradigma, onde haja justiça e equidade para todos? Pessoalmente, acredito que está nas nossas mãos fazer este caminho.

Por tudo isto, estimado S. João Baptista, venerado nesta antiquíssima capela: hoje vimos aqui pedir a vossa intercessão para esta cidade de Braga, para que, neste Ano da Fé Celebrada, as nossas famílias, os nossos jovens, os nossos políticos, os nossos empresários e os nossos estudantes não deixem de acreditar que é possível uma sociedade diferente: uma sociedade que se edifica nos valores da esperança, da humildade, da fraternidade e da sobriedade, que vós próprios nos testemunhastes.

+ Jorge Ortiga, A. P.

24 de junho de 2014, Capela de S. João da Ponte.



[1] Cf. Fernando Armellini, O Banquete da Palavra. Festas, 99.

[2] D. António Couto, Quando Ele nos abre as Escrituras, 324.

[3] Arquidiocese de Braga, Programa Pastoral 2013-14, 20.