Arquidiocese de Braga -

9 outubro 2014

Curva e Contra-Curva: o Cinema de William Winding Refn

Fotografia Miguel Miranda

DACS

O que é que torna o cinema do dinamarquês Nicolas Winding Refn uma experiência visual tão intensa e arrebatadora?

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O que é que torna o cinema do dinamarquês Nicolas Winding Refn uma experiência visual tão intensa e arrebatadora? As deambulações de personagens que se movem no limite da existência? O diálogo, difícil, entre justiça e vingança, bem e mal? O grão “retro” da imagem, que em certos momentos nos remete para os anos 70? O recurso preferencial, ultimamente, a um “actor fétiche”, Ryan Gosling, que tem tanto de herói como de não-herói, numa sequência parecendo um bloco de gelo em claro “underacting”, noutra a seguir alguém com quem podemos efectivamente identificar-nos?
 
Vamos por partes: aparentemente, estamos na presença do género “acção”, tal como o cinema norte-americano (e porventura algum de ascendência asiática, nomeadamente coreana) o foi definindo nas últimas décadas. Mas depois há, por exemplo, essa devoção de Refn por Alejandro Jodorowsky, o cineasta maldito do projecto (nunca concretizado) de “Dune”, a quem o dinamarquês dedica o seu último “opus”, “Só Deus perdoa” – acessível entre nós no mercado videográfico. A filiação no culto ao misterioso realizador eremita, autêntico homem da Renascença, capaz de habitar tantas formas de expressão e por elas ser habitado, empresta ao cinema de Refn tons de outra natureza. Um compromisso? Quem sabe...
 
Há momentos na nossa vida de público em que, sem sabermos como nem porquê, somos atropelados (ou perseguidos) por determinados nomes e objectos. O fenómeno leva-nos a querer aprofundar, saber mais. Entre muitos outros nomes e objectos, a mim aconteceu-me com Nicolas Winding Refn. No ano passado, um título chamou-me a atenção: “Só Deus perdoa”. Por me fazer lembrar uma frase de Bernard Haering que o professor de Escatologia “guardava no bolso” – “Deus perdoa sempre, os homens perdoam às vezes, a natureza nunca perdoa” -, ficou a coisa a ecoar-me na cabeça, quem sabe se pelo pessimismo que reflecte. O filme, nomeado para a Palma de Ouro de Cannes 2013, foi apontado a dedo por “falta de conteúdo” e “uso excessivo de violência”... Mas a sua passagem entre nós foi mais do que discreta. Embora tenha estreado nas salas dos principais centros urbanos – o panorama da exibição cinematográfica no Minho é confrangedor, mas isso é outra história – a mim confesso que, descontado o título, nada mais fixei...... 
 
até que, mais recentemente, fui de novo atropelado por um curioso objecto transmitido por uma estação de televisão. “Drive” (novamente com Ryan Gosling, e também disponível no mercado de DVD), assim se chama. Desta vez, Refn deu-me a volta. E só ao procurar o filme na loja é que me dei conta de que o autor é “nem mais nem menos” do que o mesmo de “Só Deus perdoa”. Nem sequer sabia que “Drive” tinha estado nomeado para os Oscares 2012, ainda que numa das categorias menores. Uma descoberta em curso, portanto. 
 
Em “Drive”, Gosling encarna um motorista “sui generis” e, talvez por isso, a cidade de Los Angeles nos seja oferecida, ela própria, como personagem. Mas o mais surpreendente é o processo de transformação de um homem que nos vai gradualmente narrando, meio conto de fadas, meio mito. William Winding Refn: sem dúvida um realizador a descobrir.



Miguel Miranda