Arquidiocese de Braga -

29 outubro 2016

Trigésimo Primeiro Domingo (Ano C)

Fotografia

Carlos Nuno Salgado Vaz

O carinho, a justiça, o cuidado e a ternura são o único caminho para construir uma nova humanidade, um novo mundo mais harmonioso, mais equitativo e fraterno.

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O relato de Jesus fazendo-se convidado à casa de Zaqueu, sintetiza o que é um verdadeiro processo de conversão.

Chefe de cobradores de impostos e pessoalmente rico, Zaqueu, apesar de o nome significar etimologicamente «puro, imaculado», era visto pelos judeus como impuro e pecador público, porque colaborava com o império romano e também extorquia mais dinheiro do que devia cobrar de imposto.

Todavia, a riqueza não lhe bastava. Algo o atraía em Jesus. Ele queria ver quem realmente era Jesus. Por isso mesmo, afasta-se da multidão e sobe a um sicómoro, também conhecida como figueira do Egipto, para poder realmente ver- conhecer quem era Jesus.

Não era apenas para satisfazer uma curiosidade, mas a manifestação de um desejo sincero de se encontrar com Jesus. Só no encontro pessoal com ele pode dar-se a verdadeira conversão.

Jesus olha com outros olhos

Nós já ouvimos duas outras passagens em que Jesus encontra, primeiro um jovem rico, e depois o rico avarento, que não se deixaram converter verdadeiramente. Aqui, tudo começa com a experiência de um amor generoso, compassivo, misericordioso.

Os outros olhavam-no com olhar de desprezo, Jesus olha-o com outros olhos, com compaixão e bondade.

E aqui surge o desafio de nos olharmos também nós ao espelho, porque pensamos que o nosso pecado capital é não ter força de vontade para cumprirmos as nossas obrigações, para sermos fiéis às indicações de Jesus, para vencermos as nossas tentações. Mas não é verdade.

O pecado capital que cometemos é que actuamos como Zaqueu antes de se converter, pois não acreditamos de verdade que Deus nos ama por cima das nossas trafulhices e mediocridades.

A raiz das nossas desgraças está em que não acreditamos que, aqui e agora, Jesus diz-nos exactamente o que disse a Zaqueu: «Desce da figueira, aproxima-te de mim, abre-me as portas da tua casa. Tu não és um anónimo no meio da multidão. Tu, para mim, tens um nome próprio. Hoje quero hospedar-me em tua casa, ser teu amigo, ter uma relação pessoalíssima contigo».

No momento em que, como ele, tivermos esta experiência de amor pessoal, sentir-nos-emos urgidos a corresponder intimamente a esse amor gratuito. Nesse dia, Jesus dir-nos-á como a Zaqueu: hoje entrou a salvação nesta casa.

Oferecer amor, amizade, ajuda

Não se pode ter uma experiência profunda de ser amado gratuitamente sem sentir o impulso a amar gratuitamente o parente que nos enraivece, o egoísta, o aproveitador, aquele que nada fez por ti.

A experiência de ser amado gratuitamente por Deus impele a tomar a dianteira em oferecer amor, amizade, ajuda.

Zaqueu, antes, surripiava os bens dos outros; agora partilha-os com grande generosidade. Antes, vivia isolado, entrincheirado no seu dinheiro; agora é capaz de dizer «nós». 

A conversão de Zaqueu não é meramente intimista. Tem uma projecção social. No pleno desprendimento como que encontrou a pérola preciosa que buscava sem o saber.

Cumpre-se nele  o que, 16 séculos depois, escreveria Teresa de Ávila: «Quem tem Deus, nada lhe falta. Só Deus basta».

Se o homem se agarra às coisas, se não aprendeu a amar os outros com generosidade, se a conversão e a prática religiosa não passam pelo bolso, isto é, pelo desprendimento e partilha dos bens, é porque ainda não se produziu verdadeiramente a conversão, sinal de que Jesus ainda não preenche a vida do cristão.

«Crer é partilhar», escrevia o bispo brasileiro Casaldáliga. «Partilhar é expressão e caminho de verdadeira conversão».

O amor é o único que nos pode salvar

O salmo 145, que santo Agostinho via como «a oração perfeita de Cristo, uma oração para todas as circunstâncias e acontecimentos da vida», diz-nos que o Senhor é clemente e misericordioso; ensina-nos a deixar de lado os nossos ódios e as nossas iras para nos transformarmos em piedade e consolação. Isto porque o amor é o único que nos pode salvar.

O carinho, a justiça, o cuidado e a ternura são o único caminho para construir uma nova humanidade, um novo mundo mais harmonioso, mais equitativo e fraterno.

O seu amor não nos pode ver cair sem nos ajudar a levantar-nos para que continuemos a caminhar com dignidade, com alegria e esperança, juntamente com aqueles que estão cada dia ao nosso lado, caindo e levantando-se, tal como nós, seguindo o mesmo caminho da nossa comum humanidade.

Jesus torna-se presente na nossa vida concreta, no compromisso amoroso e solidário para libertar os mais esquecidos e empobrecidos, com suas vidas fracassadas. Quando lhes levamos vida e esperança, Jesus torna-se presente, mostra-se-nos vivo, diáfano, transparente, pleno da vida em abundância de Deus, o seu «Abbá» de imensa bondade.

O Dia do Senhor é hoje. E esse dia nunca é de reprimenda ou censura, mas de convite a tomar um novo caminho de gozo e de plenitude, já que abandonar as veredas do egoísmo e da insolidariedade é libertar-se de tudo o que conduz à destruição como pessoa, que é a única coisa realmente insubstituível.