Arquidiocese de Braga -

30 novembro 2017

D. Francisco Senra Coelho: "Portugal não é um povo órfão, tem Mãe"

Fotografia

DACS

Entrevista com D. Francisco Senra Coelho, Bispo Auxiliar de Braga, a propósito do seu novo livro editado pela Paulus, "Nossa Senhora e a História de Portugal - Alianças com Santa Maria".

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Onde e quando vai ser a apresentação desta nova obra?

O livro vai ser apresentado no dia 8 de Dezembro, pelas 17h30, na Cripta do Sameiro, depois da eucaristia das 16h30, pelo Cónego José Paulo Abreu na sua qualidade de Professor de História da Igreja, uma vez que o tema passa exactamente por essa área. 

 

Sabemos que é um livro interessante na forma como foi escrito, diferente. Porquê?

É um livro interessante na medida em que é elaborado a partir da experiência e diálogo com as pessoas. Em vez de ser concebido e acontecer esse livro a partir do próprio autor, surge das necessidades das pessoas com quem o autor trabalhou. Muitas vezes as comunidades me foram pedindo para falar de Nossa Senhora. Como professor de História muitos anos em Évora, e agora também a contribuir como Professor de História da Igreja Medieval e Moderna, na Faculdade de Teologia, Polo de Braga, na Universidade Católica Portuguesa, o tema ia ter sempre à minha especialização, Nossa Senhora e a História. Em várias localidades do Sul e daqui do Norte esse tema foi aparecendo e eu percebi que, de facto, na génese e no ADN cristão há uma grande relação com Maria no contexto da Igreja portuguesa, muito especialmente logo no início da nacionalidade.

“A Igreja não é composta apenas pelo clero, é um povo de Deus, todos os baptizados.”


Foi sendo escrito ao longo do tempo, não é um livro “de secretária”...

Este percurso que fui fazendo em muitas localidades — Évora, Vila Viçosa, Coruche, Braga, Barcelos, Fafe e outras — e em artigos que escrevi — por exemplo para o “Diário do Minho”, ou reproduzidos no semanal “A Defesa”, na “Família Cristã”... acabou por se tornar um livro. Não foi escrito num laboratório de mariologia e de história da Igreja, mas foi escrito com o povo com quem eu ia falando. E fui juntando conferências, algumas feitas monograficamente, como a de Nossa Senhora e a Nacionalidade de Portugal, ou a importância de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa. Não digo que seja uma manta de retalhos, mas gostava de sublinhar que é um conjunto de vivências compartilhadas.

D. Francisco Senra Coelho, Bispo Auxiliar de Braga


E essas vivências apresentam alguma coisa nova?

Podia dizer que não traz nada de novo, mas o livro recorda aquilo que é sempre novo, a origem da nossa independência e da nossa liberdade como povo e, ao mesmo tempo, a beleza de Nossa Senhora que, na sua maternidade, no seu colo, no seu coração, na sua ternura, no seu carinho vem dizer a Portugal que além de pátria, é “mátria”. Não tem novidades científicas, fruto de novos documentos encontrados, mas tem um novo olhar interpretativo, que nos pode ajudar a reanimar a Esperança que a contínua presença de Maria na nossa História traz ao nosso presente: não estamos sós. Temos Mãe!. Lembra sempre esta dimensão humanista e este sentido de maternidade para com todos os que se abrigam, todos os que batem à porta, todos os que precisam de acolhimento. Penso que essa dimensão está muito presente na génese e história de Portugal. O país tem uma dimensão muito afectiva que se encontra nas paredes de todo o património monumental, artístico, imaterial: a ternura. Portugal é um povo de ternura e a sua própria expressão artística faz ressaltar esta valorização, incluindo a música, as diversas expressões da beleza... O livro é um divulgar deste caminho, destas alianças, deste Portugal de Nossa Senhora, fazendo sublinhar a última, ainda no rescaldo do Centenário de Fátima.

 

Considera haver uma lacuna em literatura deste género, isto é, a partir das vivências do povo?

Penso que sim. O Papa Francisco tem-nos lembrado que um povo sem memória, no fundo um povo sem história, é como que um povo que vive uma situação de Alzheimer, que perde a sua identidade, não se conhece. Não há árvores sem raízes, uma árvore sem raízes é uma árvore seca. Muitas vezes quando vemos folhas secas ou murchas, com ausência de flor e de fruto, não resolvemos o problema substituindo-as por frutos de plástico ou folhas de papel: temos é de cuidar das raízes. E o húmus de Portugal é cristão. E muitíssimo mariano!

“A consciência de que Nossa Senhora é Mãe, é ternura, é colo, é acolhimento, é tão vincada que se torna espontânea e óbvia em muitas pessoas que depois, porventura, até nem estão na eucaristia.”


Então estamos perante um regresso ao passado onde o povo é protagonista.

Sim, realmente é ir às raízes... E esta viagem não pode ser feita de maneira laboratorial, ou seja, ideológica. Tem de ser um trabalho de campo e esse trabalho de campo é conhecer o povo. Todo o caminho deste livro, sem prescindir das elites da monarquia portuguesa, assenta num povo que se exprimiu e que se manifestou e reviu nas consagrações, nos monumentos feitos em louvor de Nossa Senhora pelas elites, mas que exprimiam o coração de um povo. Foi mesmo ir às raízes com o povo! É um trabalho de campo e não podemos prescindir nunca desta fidelidade, porque a Igreja não é composta apenas pelo clero, é um povo de Deus, todos os baptizados.

 

Podemos dizer que é um povo de Nossa Senhora?

Claro! A religiosidade popular, a dimensão profunda dos “ex-votos”, a expressão da confiança que um povo põe nos seus momentos difíceis em Nossa Senhora são uma manifestação genuína daquilo que ele é, daquilo que sente. E foi por aí que eu procurei andar um pouco, no fundo também em complementaridade a um outro livro que publiquei há uns anos sobre a religiosidade popular, uma recolha de orações tradicionais portuguesas. Como é que o povo português reza? O povo mais simples, o povo das nossas feiras, o povo das nossas romarias? Estamos a falar nas orações tradicionais, já com séculos! Vamos encontrar também aí um terreno fértil onde Nossa Senhora tem um papel singular. No fundo é um povo que se reviu nas frases de Francisco na sua visita a Fátima como peregrino: “temos Mãe, temos Mãe!”. Portugal entende bem isso e sabe disso: que temos mãe. Portugal não é um povo órfão e o grande desafio é que consiga transmitir na complexidade e nos desafios do século XXI esta maternidade, de um acolhimento e de uma crescente humanização das suas estruturas, dos seus atendimentos, dos seus serviços. É necessário que a humanização esteja bem presente em todas as preocupações e opções que temos de fazer todos os dias para construir esta nação moderna.

 

Nossa Senhora do Sameiro | Fotografia: Avelino Lima 


A devoção popular é muita, mas as pessoas entendem verdadeiramente como surgiu essa devoção? Ou ainda é necessário esclarecê-las?

Sem dúvida nenhuma que é necessário relembrar e, em alguns casos, informar. Quando Nossa Senhora aparece no meio do povo, na sua imagem, no seu andor, temos o fenómeno que vimos agora com a visita de Nossa Senhora de Fátima a todas as dioceses de Portugal e às casas religiosas, aos mosteiros contemplativos. É impressionante o acolhimento e as multidões que se juntam! Temos aqui no Minho uma expressão tão feliz nas nossas peregrinações onde, quando Nossa Senhora surge, vemos multidões que a seguem!... Este fenómeno das peregrinações do Minho é um campo que está ainda, provavelmente, por aproveitar a nível pastoral e missionário como ponto de partida, uma vez que congrega as pessoas e as  disponibiliza para uma mensagem. Agora, saber o porquê disso... É preciso escavar o húmus para entender o que está por baixo desta terra para que essa expressão aconteça. Entender as sementes que estão na terra e a capacidade que há para as fazer florir. Cada semente torna-se depois uma espiga e faz uma seara na multidão. E é preciso nós explicarmos para que as pessoas entendam porque é que são assim. É o ADN português e muitas pessoas têm essa expressão espontânea com Nossa Senhora, cujo Dia da Mãe durante muitos anos foi a 8 de Dezembro, mesmo sem serem praticantes “quotidianamente” nas suas paróquias. Mas a consciência de que Nossa Senhora é Mãe, é ternura, é colo, é acolhimento, é tão vincada que se torna espontânea e óbvia em muitas pessoas que depois, porventura, até nem estão na eucaristia. Ainda assim, na sua identidade está a fé cristã e de uma maneira muito próxima encontram-se com ela através de Nossa Senhora. 

“Portugal não é um povo órfão e o grande desafio é que consiga transmitir na complexidade e nos desafios do século XXI esta maternidade, de um acolhimento e de uma crescente humanização das suas estruturas, dos seus atendimentos, dos seus serviços.” 



Ouça ainda... um pequeno resumo elaborado por D. Francisco Senra Coelho sobre as Alianças com Santa Maria