Arquidiocese de Braga -

19 janeiro 2021

Cremação: Sim ou Não?

Fotografia Yadira Gibson/Unsplash

DACS

É uma questão colocada frequentemente e à volta da qual circulam vários mitos. Afinal, o que é que é aceitável, aos olhos da Igreja, depois da morte? Será que se pode fazer tudo que vemos nos filmes e nas séries?

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A Igreja permite a cremação?

Sim. Desde 1963, com a Instrução Piam et constantem, que a Igreja aceita a cremação, afirmando-se ai que ela não é “em si mesma contrária à religião cristã”. Para além disso, essa Instrução afirma que não devem ser negados os sacramentos e as exéquias àqueles que pediram para ser cremados. A única condição colocada é que a escolha não seja feita “como a negação dos dogmas cristãos, ou num espírito sectário, ou ainda, por ódio contra a religião católica e à Igreja”.

Esta alteração foi consignada no Código de Direito Canónico em 1983. No terceiro ponto do cânone 1176 pode ler-se o seguinte: “A Igreja recomenda vivamente que se conserve o piedoso costume de sepultar os corpos dos defuntos; mas não proíbe a cremação, a não ser que tenha sido preferida por razões contrárias à doutrina cristã.”

Na Instrução Ad resurgendum cum Christo, de 2016, a Congregação para a Doutrina da Fé acrescentou ainda que, “onde por razões de tipo higiénico, económico ou social” a cremação for escolhida, “a Igreja não vê razões doutrinais para impedir tal práxis; uma vez que a cremação do cadáver não toca o espírito e não impede à omnipotência divina de ressuscitar o corpo”.

No entanto, a Igreja continua a preferir a sepultura dos corpos.

Porquê?

Não é apenas uma questão de tradição. A Igreja prefere a sepultura dos corpos “uma vez que assim se evidencia uma estima maior pelos defuntos”. Na Instrução de 2016, a Congregação para a Doutrina da Fé explica que, “ao lembrar a morte, sepultura e ressurreição do Senhor, mistério à luz do qual se manifesta o sentido cristão da morte, a inumação é, antes de mais, a forma mais idónea para exprimir a fé e a esperança na ressurreição corporal”.

“Enterrando os corpos dos fiéis defuntos, a Igreja confirma a fé na ressurreição da carne, e deseja colocar em relevo a grande dignidade do corpo humano como parte integrante da pessoa da qual o corpo condivide a história”, continua a Instrução, estabelecendo depois limites ao que considera aceitável: “Não pode, por isso, permitir comportamentos e ritos que envolvam concepções erróneas sobre a morte: seja o aniquilamento definitivo da pessoa; seja o momento da sua fusão com a Mãe natureza ou com o universo; seja como uma etapa no processo da reincarnação; seja ainda, como a libertação definitiva da «prisão» do corpo”.

Porque é que a Igreja proíbia a cremação?

A cremação era vista como uma prática pagã e uma antítese do Cristianismo originária das religiões europeias pagãs da Idade de Ferro (entre o ano 1200 a.C e o ano 1000 d.C). O imperador do Sacro Império Romano, Carlos Magno chegou até a punir com pena de morte a cremação. Mais recentemente, durante a Revolução Francesa, os corpos eram queimados num acto de ruptura com a Igreja e com a intenção de negar dogmas cristãos como o da ressurreição dos mortos e da imortalidade da alma.

Desde então, a cremação foi-se tornando mais comum, perdendo a carga ideológica da Revolução Francesa (que a própria Igreja diz ser um facto subjectivo inerente ao espírito e intenções de quem promovia a cremação), ao ponto de, em 1963, os pedidos para flexibilização da disciplina eclesiástica serem tantos que levam a Igreja a mudar formalmente de posição.

As cinzas podem ser guardadas em casa?

Não. As cinzas devem, tal como os corpos dos fiéis defuntos, ser conservadas num lugar sagrado, ou seja, num cemitério ou, se for o caso, numa igreja ou num lugar especialmente dedicado a esse fim determinado pela autoridade eclesiástica. Isto porque “desde o início” que os cristãos desejaram que os seus defuntos “fossem objecto de orações e de memória por parte da comunidade cristã”. “Os seus túmulos tornaram-se lugares de oração, de memória e de reflexão. Os fiéis defuntos fazem parte da Igreja”, diz a Congregação para a Doutrina da Fé.

Para além disso, a Igreja argumenta ainda que a conservação das cinzas num lugar sagrado contribui “para que não se corra o risco de afastar os defuntos da oração e da recordação dos parentes e da comunidade cristã”.

A conservação das cinzas em casa poderá apenas ser autorizada por uma Conferência Episcopal (ou pelo Sínodo dos Bispos das Igrejas Orientais) “em casos de circunstâncias gravosas e escepcionais” e dependendo “das condições culturais de carácter local”. Mas as cinzas não podem nunca ser divididas entre os vários núcleos familiares existentes.

Então também não se pode espalhar as cinzas?

A Igreja é bem mais assertiva neste capítulo e não permite a dispersão de cinzas “no ar, na terra ou na água ou, ainda, em qualquer outro lugar” porque quer evitar “qualquer tipo de equívoco pateísta, naturalista ou niilista”.

Mais: a Igreja exclui também – como será possível deduzir da resposta à questão anterior – que as cinzas sejam conservadas “sob a forma de recordação comemorativa em peças de joalharia ou em outros objectos”, afirmando ainda que isso invalida as razões de ordem higiénica, social ou económica para escolher a cremação.

Como é o processo de cremação?

Depois de o corpo ser preparado (como é para um funeral sem cremação) e colocado numa urna sem metais, esta urna é, por sua vez, colocada na câmara de cremação, onde a temperatura chega até bem perto dos 980 graus centígrados. Depois de duas horas e meia, toda a matéria orgânica é consumida pelo calor ou pela evaporação. Os fragmentos de osso restantes são depois cuidadosamente removidos da câmara de cremação.

Todo o metal que possa ter restado é removido por meio de um íman e depois apresentado de uma forma mais apropriada, se a família o desejar. As cinzas são depois processadas em pequenas partículas e colocadas num pequeno recipiente temporário providenciado pelo crematório ou numa urna adquirida pelos familiares. O processo completo demora aproximadamente três horas.

 

Texto publicado originalmente na edição do Igreja Viva de 31 de Outubro de 2019.