Arquidiocese de Braga -

5 fevereiro 2021

Molly Burhans, a jovem activista ambiental que ajuda o Papa Francisco

Fotografia Nações Unidas

DACS com The New Yorker

Começou por estudar dança, zangou-se com a Igreja, licenciou-se em Filosofia e quis entrar num convento. Uma vida preenchida e marcada por muitas voltas, mas sempre com a mesma constante: a preocupação com o ambiente.

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Estávamos no ano de 2016 quando Molly Burhans, uma ambientalista e cartógrafa de 26 anos de Connecticut, Estados Unidos da América, foi oradora numa conferência católica em Nairobi. Aproveitou os seus modestos honorários para, ao marcar o voo de volta para casa, fazer escala em Roma. Quando lá chegou, instalou-se no hostel mais barato que conseguiu encontrar e começou a disparar e-mails para o Vaticano, solicitando uma reunião. Molly queria mostrar o projecto em que se encontrava a trabalhar há meses: estava a documentar os terrenos detidos pela Igreja Católica. Para sua surpresa, recebeu rapidamente uma confirmação de reunião da Secretaria de Estado.

O dia do encontro começou de forma caótica: sem estar familiarizada com o sítio, Molly deu por si a não encontrar a entrada que lhe tinham dito para usar. Sem cartão de telemóvel e em pânico por perder a oportunidade de encontro, andou quilómetros até encontrar quem lhe indicasse o local correcto: ainda por cima estava apenas a uns metros dele. Quando entrou no Palácio Apostólico estava a transpirar.

Molly é uma católica convicta desde os 21 anos. Chegou mesmo a equacionar ser freira, mas, à medida que as suas preocupações ecológicas foram crescendo, achou que não seria essa a sua vocação. Foi então que começou a pensar de que forma poderia a Igreja Católica podia mobilizar-se como uma força ambiental global. Molly tinha percebido que se todos os católicos formassem um país, seria o terceiro mais populoso a nível mundial, apenas precedido pela China e Índia.

Resumindo: a jovem tinha percebido que a Igreja tinha os meios ideais para lidar com as preocupações climáticas, pelo menos através de uma melhor gestão dos seus terrenos, sendo até capaz de proteger populações especialmente vulneráveis das consequências do aquecimento global.

Na Primavera de 2015, o Papa Francisco apresentou a Laudato Si’, uma encíclica onde manifestou as suas preocupações (e também convicções) ambientais e ecológicas. Molly estava  a estudar Arquitectura Paisagística por essa altura e descreveu o documento do Papa como “um dos mais importantes do século”. Mas também percebeu que a Igreja não tinha um mecanismo real que a ajudasse a alcançar os objectivos propostos na encíclica. 
 

Molly nasceu em Nova Iorque, em 1989. A mãe é professora de Ciências da Computação na Universidade de Canisius, em Buffalo. O pai, já falecido, era investigador em Oncologia Molecular.  Na sua infância, o grande divertimento de Molly era usar o computador dos pais. Aos seis anos aprendeu sozinha a dominar o Canvas, Dreamweaver e Flash. Quando andava no liceu, era paga pelo pai e colegas para fazer gráficos e ilustrações em Photoshop para artigos científicos. A sua grande paixão, no entanto, sempre foi o ballet, que praticava várias horas por dia, seis dias por semana.


“A Igreja Católica é a maior provedora não governamental do mundo de cuidados de saúde, ajuda humanitária e educação, por isso presumi que deveria ter uma rede ambiental significativa também”, terá dito Molly. A jovem activista identificou vários grupos católicos com foco na ecologia, principalmente em paróquias mais ricas, mas nenhuma organização central a que pudesse aderir.

Em Setembro de 2015, quatro meses depois do lançamento da Laudato Si’ e algumas semanas depois de ter concluído o Mestrado, Molly fundou a “GoodLands”, uma organização que tem como missão “mobilizar a Igreja Católica a usar as suas terras para o bem”, de acordo com o site. O primeiro objectivo de Molly foi utilizar a tecnologia em que se tinha tornado proficiente durante o Mestrado para criar uma classificação de terras que lhe permitisse avaliar os recursos patrimoniais da Igreja. Para isso teria que documentar esses essas posses. Molly fez alguns telefonemas para paróquias do Connecticut e começou a perceber  que nenhuma sabia ao certo aquilo que detinha. A jovem reuniu então um conjunto de voluntários que, através de dados públicos e outros registos começaram a fazer um mapa a nível mundial. A última iniciativa semelhante tinha sido publicada pelo Vaticano… em 1901.

Quando Molly teve o referido encontro no Vaticano, perguntou aos sacerdotes que falaram com ela pelos seus mapas: aquilo de que mais próximo tinham eram uns frescos, pinturas penduradas na parede, de há vários séculos. Pediu-lhes então para falar com alguém do Instituto de Cartografia do Vaticano: foi quando percebeu que não existia um. No fim do encontro, Molly perguntou aos sacerdotes se valia a pena continuar a recolher a informação em questão, já que eles não a tinham, pelo menos não de forma actualizada. Foi-lhe respondido que sim, que isso seria muito útil.

 

Uma vida preenchida

Molly nasceu em Nova Iorque, em 1989. A mãe é professora de Ciências da Computação na Universidade de Canisius, em Buffalo. O pai, já falecido, era investigador em Oncologia Molecular.  Na sua infância, o grande divertimento de Molly era usar o computador dos pais. Aos seis anos aprendeu sozinha a dominar o Canvas, Dreamweaver e Flash. Quando andava no liceu, era paga pelo pai e colegas para fazer gráficos e ilustrações em Photoshop para artigos científicos. A sua grande paixão, no entanto, sempre foi o ballet, que praticava várias horas por dia, seis dias por semana.

Entrou na Universidade em 2007, com a intenção de se licenciar em Dança. No entanto, abandonou o curso pouco tempo depois, devido a uma lesão. Regressou a casa dos pais e, algum tempo depois, envolveu-se na comunidade artística da cidade. Licenciou-se posteriormente em Filosofia, mas também estudou Ciência, Matemática e Artes. Comprometeu-se com os estudos como antes se havia comprometido com a dança. Passou depois seis meses a viajar sozinha pela Guatemala, onde foi voluntária em várias ONG. Fez alguns amigos que se identificavam como cristãos, mas de um tipo diferente daquele que Molly conhecia. Foi aí que começou a pensar que, “se calhar, também era cristã”.

A família era católica por tradição e Molly chegou mesmo a frequentar a catequese, mas, quando tinha 12 anos, leu uma série de artigos publicados sobre abusos sexuais por parte de membros do clero e sentiu-se zangada e furiosa com a Igreja. Virou-lhe as costas.

Quando voltou a sentir um “despertar espiritual”, começou a reunir-se frequentemente com um padre jesuíta, o seu director espiritual, que a apresentou ao Exame de Consciência de Santo Inácio. A vida de Molly mudou para sempre. Durante a sua estadia em Canisius, chegou a experimentar um retiro numa comunidade monástica que basicamente vivia do que plantava. Molly pensou que aquilo poderia ser feito de outra forma, mais sustentável e mais lucrativa.
 

Molly passou os primeiros anos após criar o “Goodlands” a “comer feijões de lata e a chorar”. Quase todo o seu trabalho era pro bono e, apesar de receber algumas ajudas de custo de organizações católicas, o dinheiro mal chegava para comer. Só em 2016 conseguiu um estágio pago. Apesar de isso, a reputação de Molly começava a ultrapassar fronteiras. No Outono de 2017, foi convidada a participar em duas conferências no Vaticano, uma delas relacionada com a missão da Laudato Si’. Na altura esteve quase para não participar, com receio de não ter dinheiro suficiente para pagar a estadia. Quando confessou o seu medo a um dos responsáveis, ele sugeriu-lhe que ficasse na Domus, uma casa de hóspedes próxima da Basílica de S. Pedro. O seu quarto era no andar abaixo do apartamento do Papa. Molly via-o às refeições. Os mapas de Molly, que a jovem levava sempre consigo, começaram a despertar a curiosidade de vários cardeais. Ficou conhecida no Vaticano como “A Senhora dos Mapas”.


Em 2013, no Verão que antecedeu a conclusão da sua licenciatura, Molly inscreveu-se num programa educativo sobre Arquitectura Paisagística centrada na ecologia. Foi durante a frequência do programa que conheceu um software impressionante denominado ArcMap, capaz de transformar informação complexa em conteúdo mais fácil de analisar, ao organizá-lo geograficamente e em múltiplas camadas. Programas semelhantes estão a ser utilizados para cruzar o aparecimento de casos de Covid-19 com factores o como rendimento das famílias ou a localização próxima de áreas de saúde. Molly ficou debaixo de olho dos seus professores com o trabalho incrível que fez durante o programa. Percebeu, definitivamente, que tinha que mudar de carreira e questionou-se se não seria possível usar o mesmo programa para analisar o património da Igreja. Foi uma das suas professoras – Jill Konway, que chegou a receber uma medalha do Presidente Obama – que lhe lançou o desafio de fundar o “Goodlands”.

Molly passou os primeiros anos após criar o “Goodlands” a “comer feijões de lata e a chorar”. Quase todo o seu trabalho era pro bono e, apesar de receber algumas ajudas de custo de organizações católicas, o dinheiro mal chegava para comer. Só em 2016 conseguiu um estágio pago. Apesar de isso, a reputação de Molly começava a ultrapassar fronteiras. No Outono de 2017, foi convidada a participar em duas conferências no Vaticano, uma delas relacionada com a missão da Laudato Si’. Na altura esteve quase para não participar, com receio de não ter dinheiro suficiente para pagar a estadia. Quando confessou o seu medo a um dos responsáveis, ele sugeriu-lhe que ficasse na Domus, uma casa de hóspedes próxima da Basílica de S. Pedro. O seu quarto era no andar abaixo do apartamento do Papa. Molly via-o às refeições. Os mapas de Molly, que a jovem levava sempre consigo, começaram a despertar a curiosidade de vários cardeais. Ficou conhecida no Vaticano como “A Senhora dos Mapas”.

Em 2018, Molly regressou ao Vaticano para outra conferência e teve oportunidade de explicar o seu projecto directamente ao Papa Francisco. O Cardeal Peter Trukson, que tinha achado o seu projecto fantástico, serviu de tradutor. Francisco pareceu interessado: disse que nunca tinha visto nada como aquilo. A conversa, no entanto, foi breve, e Molly pensou que nada sairia dali. Pouco depois de ter regressado a casa de viagem, no entanto, recebeu um e-mail dizendo que Francisco queria avançar com um Instituto de Cartografia no Vaticano, ao qual Molly presidiria.

Molly ficou atónita: seria o primeiro Departamento do Vaticano fundado por uma mulher, ela! No entanto, teve que declinar a oferta, que chegou sem nenhum orçamento a não ser um pequeno estipêndio para ela. Regressou aos EUA e começou a trabalhar para organizar o Instituto que achava ser aquele de que a Igreja necessitava. Em 2019, Molly foi nomeada pelas Nações Unidas como Jovem Campeã da Terra, um prémio para ambientalistas entre os 18 e os 30 anos. Ao mesmo tempo, trabalhava noutro projecto ambiental que tencionava apresentar ao Vaticano. Submeteu o projecto ao Gabinete Papal e agendou voo para Roma em Abril, esperando voltar a renegociar uma configuração para o Instituto de Cartografia com oficiais do Vaticano.

Infelizmente, pouco tempo depois contraiu Covid-19. Esteve doente por três meses. Também documentou os estágios da doença através dos seus mapas de forma impressionante. Começaram os confinamentos em vários locais do mundo, incluindo Itália. Neste momento, é bastante provável que a preocupação com um Instituto de Cartografia esteja bem no fundo das prioridades do Vaticano, até porque uma grande fatia do orçamento para este tipo de projectos vem das receitas dos museus, fechados ou parcialmente fechados há muitos meses.

Molly já recuperou totalmente da doença e em Agosto último encontrava-se a viver e trabalhar numa assoociação ambiental e educativa católica, perto de New Haven. Ainda se encontra em contacto com oficiais do Vaticano e tem fé que o Papa volte a olhar para a sua proposta.

“Se o Vaticano disser subitamente que sim, deixo tudo e vou”, diz. Entretanto, o “GoodLands” vai expandir a sua missão e trabalhar com organizações com e sem fins lucrativos. Em tempos não foi assim, Molly não aceitava todo o tipo de organizações como clientes. “Mas, entretanto, compreendi que aquilo que fazemos tem valor para qualquer detentor de propriedades que se preocupe com o ambiente. E para ampliar a nossa missão, precisamos de servir a todos”, conclui.

 

O artigo original é de David Owen, um escritor que colabora no jornal “The New Yorker” e que entrevistou Molly Burhans.