Arquidiocese de Braga -
8 julho 2021
Homofobia mata
Carla Rodrigues
Artigo publicado na edição de 8 de Julho de 2021 do Igreja Viva.
Samuel saiu à noite no passado fim-de-semana com um grupo de amigos, para ouvir música e para dançar. Samuel tinha 24 anos. Samuel era um jovem espanhol, vivia aqui ao lado, com a vida, os sonhos e os projectos para o futuro ainda em início de construção. Samuel era filho de alguém, era neto de alguém e, provavelmente, irmão de alguém. Na madrugada de sábado, sem que nada fizesse suspeitar que o fim da linha se aproximava a passos largos, foi espancado até à morte, na rua, à porta de uma discoteca. Numa sociedade que se quer justa, livre e igualitária, que se autoproclama acérrima defensora dos direitos humanos, ninguém o conseguiu salvar da fúria dos agressores. Cerca de 13 pessoas uniram-se para espancar o Samuel, para magoar o Samuel, para matar o Samuel, de forma impiedosa, cruel e cobarde. Porquê? Porque o Samuel era homossexual. A sua orientação sexual ditou a sua morte e a isto chama-se homofobia.
Nos jornais, nas televisões, nas redes sociais, nas conversas ouvidas no café, nos autocarros e consultórios médicos, o tema da homofobia é uma constante. Mas o que é isto da homofobia? Trata-se de um medo irracional que conduz à repulsa e preconceito contra a homossexualidade ou a pessoa homossexual, inferiorizando-a e humilhando-a com recurso à violência verbal e física. Quando a orientação sexual mata talvez seja altura da sociedade parar e avaliar os seus valores, as suas prioridades, os seus medos, de sair em busca da humanidade perdida. Por mais que analisemos o tema ou que tentemos justificar o injustificável, atacar, agredir, matar alguém pela sua orientação sexual é um acto de cobardia. É um crime hediondo e cego, movido pela arrogância, pela intolerância, pela ignorância e pelo medo. A homofobia não é uma questão de opinião pessoal, de orientação religiosa ou de costumes e tradições. A homofobia é crime. Aliás, a discriminação racial, religiosa e sexual, em Portugal, é prevista e sancionada pelas mesmas normas legais, como, por exemplo, o artigo 240º, do DL 48/95, alterado pelo artigo 2º da Lei 19/2013.
Dos corredores da política e do futebol, aos corredores da Igreja, discute-se a necessidade da tomada de medidas para uma sociedade mais justa, tolerante e igualitária, independentemente da sua origem, crença, género e orientação sexual. Mas, cabe a cada um de nós fazer a sua parte, colaborar na construção de uma sociedade de que nos orgulhemos, tendo por base o respeito pelos direitos mais básicos, desde logo o direito à vida. É fácil indignarmo-nos quando somos confrontados com uma morte, é fácil ficarmos chocados quando lemos relatos sofridos, mas também é tão fácil ficarmos calados perante o que consideramos “pequenas discriminações sem importância”. Não estaremos assim a alimentar e perpetuar a aceitação social do abuso? É preciso estar atento e vigilante, qual escuteiro em missão, à vítima e ao agressor. É preciso educar, é preciso proteger, é preciso amar.
O crime não acontece só nos outros países, só nas outras casas, só nas outras famílias. Não podemos acreditar que não é nada connosco. Como tão bem escreveu Martin Niemöller “Um dia vieram e levaram o meu vizinho que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei. No dia seguinte, vieram e levaram o meu outro vizinho que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei. No terceiro dia vieram e levaram o meu vizinho católico. Como não sou católico, não me incomodei. No quarto dia, vieram e levaram-me; já não havia mais ninguém para reclamar...”
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