Arquidiocese de Braga -

22 julho 2021

D. Mario Grech: a Igreja é sinodal porque é uma comunhão

Fotografia DR

DACS com Vatican News

Entrevista com o Secretário do Sínodo: “A sinodalidade é a forma que possibilita a participação de todo o povo de Deus na missão”

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Mesmo durante o Verão, os dicastérios do Vaticano continuam o serviço. Mas há um grupo de trabalho que está no centro da tempestade há semanas. É o do Secretariado Geral do Sínodo dos Bispos, chamado a redigir o documento preparatório e a ajudar as Igrejas locais num novo caminho, que o Papa Francisco desejava realmente que fosse participado de baixo para cima. Conversamos sobre o assunto com o Cardeal Mario Grech, Secretário do Sínodo.

 

Eminência, como está o trabalho preparatório?

Para fazer um sínodo, é preciso ser um sínodo! Antes da publicação do documento sobre o processo sinodal, ouvimos os presidentes de todas as assembleias das Conferências Episcopais continentais, juntamente com o presidente da Conferência Episcopal dos Estados Unidos da América e o presidente da Conferência Episcopal Canadiana. De seguida, imediatamente após a publicação do documento, enviámos um convite aos presidentes de todas as Conferências Episcopais, aos seus Conselhos Permanentes e aos secretários gerais para um diálogo fraterno, durante o qual tiveram a oportunidade de comentar, fazer sugestões e até mesmo colocar questões. Ao todo, realizámos oito encontros divididos por idiomas. Dois outros momentos de consulta foram um com os Patriarcas do Oriente e outro com os Arcebispos Maiores. Além disso, acolhemos o convite das Conferências Episcopais do Brasil, de Burundi e das Antilhas, que nos solicitaram um encontro específico com elas.

 

Como foram esses primeiros encontros?

Devo dizer que este foi um exercício de colegialidade episcopal muito proveitoso e fecundo. Com essa abordagem queríamos comunicar a mensagem de que o envolvimento sinodal de todos também é importante nesta fase de lançamento do projecto. Também adoptámos uma abordagem semelhante com a Cúria, através de conversas com vários dicastérios. Criámos quatro comissões de apoio para o trabalho com o Sínodo em vista: uma para o estudo teológico, outra para nos ajudar a crescer como Igreja na espiritualidade da comunhão, uma terceira para a metodologia e finalmente uma quarta que se irá dedicar ao aspecto da comunicação.

 

O que nos pode dizer sobre o estado do trabalho em relação ao tema específico do próximo Sínodo?

Conheço o mar e sei que para uma longa viagem de barco é preciso preparar tudo com cuidado. A atenção que estamos a colocar na redacção do documento preparatório faz parte dessa preparação cuidadosa. Claro, também devemos concordar com o motivo da viagem. O Santo Padre atribuiu o tema da sinodalidade à XVI Assembleia Ordinária. Certamente um tema complexo, porque fala de comunhão, participação e missão: mas estes são aspectos da sinodalidade e de uma “Igreja constitutivamente sinodal”, como afirmou no seu discurso por ocasião do 50º aniversário da instituição do Sínodo. “Rumo a uma Igreja sinodal”: é nessa direcção que devemos ir, ou melhor, que o Espírito nos pede para ir.

 

O Papa sublinhou várias vezes a importância da sinodalidade. Porquê?

Gostaria de esclarecer um mal-entendido. Muitos pensam que a sinodalidade é uma “ideia fixa” do Papa. Espero que nenhum de nós partilhe deste pensamento! Nos vários encontros preparatórios, ficou claro que a sinodalidade era a forma e o estilo da Igreja primitiva: o documento preparatório destaca isso claramente; e destaca como o Vaticano II, com o movimento de “regresso às fontes” – o Ressourcement – quis resgatar aquele modelo de Igreja, sem renunciar a nenhuma das grandes aquisições da Igreja no segundo milénio.

Se quisermos ser fiéis à Tradição – e o Concílio deve ser considerado como a etapa mais recente da Tradição – devemos trilhar com coragem este caminho da Igreja sinodal. A sinodalidade é a categoria que melhor compõe todos os temas conciliares que no período pós-conciliar muitas vezes foram contrapostos entre si. Refiro-me sobretudo à categoria eclesiológica do povo de Deus, que infelizmente foi contraposta à de hierarquia, insistindo numa Igreja “de baixo para cima”, democrática, e instrumentalizando a participação como reivindicação, não muito longe da sindical.

 

Na sua opinião, quais são os riscos dessa interpretação?

Esta interpretação assusta muitas pessoas. Mas não devemos olhar para as interpretações, especialmente se têm como objectivo dividir: devemos olhar para o Concílio e para os ganhos que trouxe, recompondo o aspecto apenas jurídico, hierárquico e institucional da eclesiologia com o mais espiritual, teológico, histórico-salvífico. O povo de Deus do Vaticano II é o povo peregrino do Reino. Essa categoria permitiu recuperar todos os baptizados como sujeitos activos na vida da Igreja! E não o fez negando a função dos pastores, ou do Papa, mas colocando estes como princípio da unidade dos baptizados: o bispo na sua Igreja, o Papa na Igreja universal.

A Igreja é comunhão, reafirmou o Sínodo de 1985, lançando a conhecida eclesiologia da comunhão. A Igreja é constitutivamente sinodal, somos chamados a dizer “nós”. As duas afirmações não são contraditórias, mas uma completa a outra: a Igreja-comunhão, se tem por sujeito – e não pode ter outro! – o povo de Deus, é uma Igreja sinodal. Porque a sinodalidade é a forma que realiza a participação de todo o povo de Deus e de todos no povo de Deus, cada um segundo o seu estado e a sua função, na vida e na missão da Igreja. E realiza isso através da relação entre o sensus fidei do povo de Deus – como forma de participação na função profética de Cristo, assim como indicado na Lumen Gentium 12 – e a função de discernimento dos pastores.

 

A centralidade do Povo de Deus parece às vezes ter dificuldade em ser compreendida e partilhada na experiência concreta. Porquê?

Talvez devamos confessar que temos clara – e talvez até cara, no sentido de que a afirmamos e defendemos voluntariamente – a função hierárquica e magisterial. Não da mesma forma que o sensus fidei. Mas, para compreender a sua importância, basta sublinhar o tema do baptismo e como o sacramento do renascimento não só nos habilita a viver em Cristo, mas imediatamente nos insere na Igreja, como membros do corpo. O documento preparatório sublinha bem tudo isso. Se formos capazes de reconhecer o valor do sensus fidei e formos capazes de levar o povo de Deus a tomar consciência dessa capacidade conferida no baptismo, teremos iniciado o verdadeiro caminho da sinodalidade. Porque teremos colocado, além da semente da comunhão, também a da participação. Para o baptismo, todos os baptizados participam da função profética, sacerdotal e régia de Cristo. Por isso, ouvindo o povo de Deus – para isso serve a consulta nas Igrejas particulares – sabemos que podemos ouvir o que o Espírito diz à Igreja. Isso não significa que seja o povo de Deus quem determina o caminho da Igreja. À função profética de todo o povo de Deus (incluindo os pastores) corresponde a tarefa do discernimento dos pastores: do que diz o povo de Deus, os pastores devem captar o que o Espírito quer dizer à Igreja. Mas é da escuta do povo de Deus que o discernimento deve começar.

 

Há quem se diga assustado com a dimensão do empenho que o caminho sinodal comportará para as Igrejas locais. Não teme que possa complicar a vida ordinária da Igreja?

Na verdade, tudo isto não é um processo que complica a vida da Igreja. Porque sem saber o que o Espírito diz à Igreja, poderíamos agir em vão e, até, sem saber, contra o Espírito. Uma vez redescoberta a dimensão “pneumatológica” da Igreja, só podemos adoptar o dinamismo da profecia-discernimento, que está na base do processo sinodal. Isto é válido sobretudo quando se considera o terceiro dos termos em jogo: a missão.

O Sínodo dos Jovens falou da sinodalidade missionária. A sinodalidade é para a missão, é a escuta de como a Igreja se torna ela mesma vivendo, testemunhando e transportando o Evangelho. Todos os termos propostos pelo título estão ligados: ficam ou caem juntos! Também nós pedimos para sermos convertidos profundamente à sinodalidade: significa converter-nos a Cristo e ao seu Espírito, deixando a Deus o primado.

 

Entrevista de Andrea Tornielli, publicada no Vatican News a 21 de Julho de 2021.