Arquidiocese de Braga -
2 setembro 2021
Desafios das mulheres na Igreja
DACS com Vida Nueva Digital
O pontificado do Papa Francisco, seguindo as intuições dos seus predecessores, incentiva a uma participação mais profunda e activa das mulheres na vida da Igreja.
Esta consciência eclesial não está separada da crescente liderança feminina na sociedade civil, são antes realidades que se complementam, criando um círculo virtuoso de maior abertura à contribuição que o “génio feminino” proporciona, expressão utilizada pela primeira vez por São João Paulo II na Mulieris Dignitatem, em vários âmbitos eclesiais e seculares.
Presença crescente da mulher na vida eclesial
Esta realidade permite que as mulheres se encontrem em ambientes diversos, visto que é cada vez mais comum que existam grupos e equipas dirigidas e compostas por um número significativo de mulheres, podendo em alguns casos até serem a maioria. Esta realidade leva-nos a questionar se o neologismo “sororidade”, incorporado na Real Academia Espanhola em 2018, é aplicável e relevante para a vida eclesial.
O neologismo deriva de sor (irmã) e tem o desejo de expressar amizade ou afecto entre as mulheres, procurando evidenciar as relações de solidariedade e companheirismo que ocorrem na irmandade feminina. A segunda onda do feminismo, especialmente na sua vertente norte-americana, tem um papel fundamental na difusão deste conceito para se referir a um vínculo de proximidade relacional e cooperação prática entre as mulheres, a fim de alcançarem o cumprimento das exigências sociais, políticas, raciais e laborais que lhes são comuns.
A própria vida cristã é baseada na fraternidade ou na irmandade, um belo vínculo humano que vai para além do sangue e nasce do reconhecimento de que todos somos filhos do mesmo Pai que nos une em Cristo. Nesse sentido, alguns poderiam dizer que existe uma expressão para se referir unicamente à irmandade na fé entre as mulheres, ou até que é um termo perigoso, podendo criar alianças que excluem os homens e geram divisões.
Pontos de encontro
O uso indevido ou o exagero de qualquer conceito está sempre à espreita; diante disso, tanto o cuidado excessivo quanto o medo costumam ser maus conselheiros. Vale a pena ousar procurar pontos de encontro e de diálogo, na esperança de encontrar luzes que possam enriquecer a experiência de fé e de compromisso cristão.
A própria experiência mostra que as mulheres que estão a estabelecer relações na vida da Igreja têm muito em comum. Elas partilham alegrias e dores, preocupações e esperanças, sonhos missionários e frustrações acumuladas na sua jornada.
São mães, filhas, viúvas, solteiras, religiosas ou consagradas. Umas com maior formação teológica, outras com a sabedoria e o bom senso que dá a pastoral de todos os dias. Todas unidas pelo mesmo amor a Cristo e convencidas da urgência em comprometerem-se profundamente com cada pessoa, especialmente com os menores e mais abandonados da sociedade.
Exemplos nas Sagradas Escrituras
Os livros sagrados são uma escola segura, testemunham a vida do Povo de Deus e oferecem critérios de discernimento para os desafios actuais. E é aí que encontramos testemunhos poderosos como a amizade e a fidelidade entre a jovem Rute e a anciã Noemi, e o encontro alegre entre Maria, portadora da Boa Nova, e a sua prima Isabel. Encontramos também, nas entrelinhas que se podem perceber na contemplação das Escrituras, a solidariedade e a compaixão das mulheres que estavam ao pé da cruz e a sua alegria ao serem agradavelmente surpreendidas pela inimaginável notícia da Ressurreição
Rute e Noemi dão-nos um testemunho do poder da lealdade em tempos de provação. A jovem abraça a fé de Israel e não abandona Noemiquando o infortúnio atinge as suas vidas. Ela fica ao lado da anciã, caminha com ela longos quilómetros e, vencendo as dificuldades do caminho, chega à sua terra natal com a esperança de começar uma nova etapa de vida.
Maria corre para encontrar a sua prima. Elas partilham a alegria da maternidade e o cumprimento da expectativa de todo Israel. A cumplicidade delas é enorme porque perceberam que para Deus nada é impossível. São mulheres simples que, no momento em que se olham, podem entender o grande trabalho que se opera nos seus ventres. Uma é a “bem-aventurada entre todas as mulheres”, a outra é a mãe daquela voz que gritaria no deserto, preparando os caminhos do Messias.
A solidariedade que se pode imaginar entre aquelas mulheres que estiveram ao pé do Calvário também é forte. Sofrem juntas e em silêncio, nada podem fazer para deter a tremenda injustiça, só têm compaixão e depois a alegria indescritível de serem testemunhas da vitória de Cristo sobre a morte.
Sororidade sem exclusões
Esses testemunhos bíblicos permitem compreender que é possível uma sororidade sem exclusões ou tendências ideológicas que fracturam a comunhão e a complementaridade entre homens e mulheres. É que os seus vínculos fundam-se em experiências religiosas autênticas, a partir das quais o encontro humano se torna íntimo e ao mesmo tempo aberto aos outros.
Nas suas pegadas, permanece uma tarefa para cada mulher que hoje compromete a sua vida na missão da Igreja. É a tarefa de reconhecer-se, olhar-se e partilhar experiências pessoais para construir comunidade.
Há muito vivido e muito para viver. Experiências comuns e diversas que, quando partilhadas, permitem-nos sentir o sopro do Espírito que guia o Povo de Deus, ajuda a reconhecer por onde caminhar na evangelização e é fonte de conforto e renovação nos momentos de dificuldade.
É hora de promover espaços dentro da Igreja onde as mulheres possam partilhar as suas experiências, a partir da singularidade da condição feminina. Promover a criação de redes de interesses comuns, diálogo e ajuda mútua, instâncias onde desde a amizade se concebam sonhos de missão para o bem das comunidades de fé e da sociedade. Seria, sem dúvida, uma expressão da sinodalidade que hoje ressoa fortemente na nossa Igreja.
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