Arquidiocese de Braga -

18 outubro 2021

"Temos que escutar e falar sobre tudo, ou não será um Sínodo"

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DACS

Apesar da resistência e cepticismo de alguns membros da Igreja, especialistas católicos acreditam que o Sínodo irá traduzir-se em mudanças... se houver escuta orante e possibilidade de todo o Povo de Deus intervir.

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O Papa Francisco já iniciou o processo de dois anos que é tido por muitos como “o mais ambicioso processo de reforma católica em 60 anos” e que se dispõe a “reformar as estruturas de poder na Igreja” e a dar “uma voz mais forte aos crentes comuns”.

A descrição é do “Religion Media Centre” (RMC), uma organização independente que tem como objectivo “aumentar ainda mais a coesão e compreensão na sociedade, ajudando os média a relatarem e compreenderem a religião e as crenças”.

Um dos últimos debates propostos pelo RMC teve como oradores Phyllis Zagano, da Universidade de Hofstra, em Nova Iorque, Brenden Thompson, CEO das “Catholic Voices”, D. John Arnold, Bispo Católico Romano de Salford, Alana Harris, da Kings College e a Professora Tina Beattie, Diretora da Universidade de Catarina de Siena.

Christopher Lamb, colaborador do “The Tablet”, começou por pedir a Phyllis Zagano que explicasse em termos simples em que consiste o processo e quais são as expectativas que estão em cima da mesa.

“O processo consiste em cada diocese ter cada uma das paróquias a realizar uma espécie de debate. O resultado final da fase diocesana deve ser um relatório de dez páginas com o que for compilado. É um discernimento, não é uma discussão política! Em alguns países o processo está a avançar muito bem e rapidamente, enquanto noutros não está a acontecer nada. Sobre o que poderá surgir, claramente que o papel da mulher na Igreja e o lugar de homens casados na Igreja serão assuntos discutidos. Mas o que é certo é que não será uma discussão doutrinal”, sublinhou.

Christopher Lamb completou as declarações afirmando que o sínodo “consiste numa discussão aberta, com todos a participar”, o que acaba por ser uma novidade para a Igreja, habituada a debater assuntos em termos de “estrutura hierárquica”. A grande mudança que poderá advir deste Sínodo, arriscou o moderador, também poderá passar por “uma mudança na governação”.

“Sim, pode ser, mas também depende da Igreja a que pertenceres. Por exemplo, se pertenceres à Igreja na Austrália, há coisas muito excitantes a acontecerem por aqui com o Plenário. Na Alemanha, o Sínodo terminou, mas é suposto recomeçar de novo. Nos Estados Unidos não está a acontecer muita coisa, parece que 50% dos bispos nem respondeu a Roma sobre qual era o seu representante para liderar o processo sinodal. E desses 50%, só um terço é que tem algum plano para o sínodo. Em termos de governação: para ter governação e jurisdição, é preciso ser um membro do clero, por isso se alguém está a falar de coisas como a ordenação de mulheres ou homens casados, então sim, provavelmente mais pessoas vão ter um papel de governação”, respondeu Phyllis.

 

Não sabemos o que pode unir a Igreja até termos tido um diálogo. Por exemplo, na ordenação das mulheres ao sacerdócio, aquilo que pode parecer união na Igreja Católica Romana é, ecumenicamente, desunião, porque grande parte das outras confissões já ordena mulheres. Não podemos encarar o Sínodo com o pensamento de «ou é isto, ou vou embora».

 

Christopher questionou de seguida a professora Tina, perguntando-lhe se assistimos actualmente a uma “democratização da Igreja católica” e se o Sínodo poderá ser o início dessa democracia.

“É-nos dito repetidamente que a Igreja não é uma democracia e, em alguns casos, penso que isso é positivo, porque já vimos como a democracia algumas vezes pode ser subvertida para populismo. Por isso depende do tipo de democracia de que estamos a falar. Mas certamente que é um processo consultivo mais colaborativo. Podemos pensar que no Concílio Vaticano II sabiam o que iam debater e discutir e depois quase tiveram que deitar a agenda fora quando alguns bispos de todo o mundo começaram a falar”, respondeu a docente.

 

Tina Beattie argumentou que, se as pessoas estiverem dispostas a escutar, a Igreja poderá estar perante um “processo igualmente entusiasmante, não propriamente sobre democratização, mas de consulta”.

“Temos que nos lembrar que somos uma Igreja, não somos uma corporação, por isso este tem de ser um processo de oração, discernimento e reflexão, mas também tem de ser um processo dialógico. E se o Papa Francisco nos permite seguir a sua sábia orientação sobre a forma como o diálogo acontece, com honestidade, candura, com espaço para erros, permitindo ao outro falar e ouvindo-o realmente, este processo pode ser realmente entusiasmante”, defendeu a responsável, adiantando que, a existir mudanças, só através de consenso e como algo “muito mais profundo do que uma mera contagem de votos”.

A professora alertou ainda para a necessidade de existir uma autoridade capaz de “impedir as dioceses e países mais poderosos de dominarem a agenda” para existir uma democratização no sentido de todos serem ouvidos.

“Isto é desafiante. Não creio que seja possível afastar a ordenação das mulheres da agenda; se isto é um diálogo, temos de ouvir a todos. E não é só os progressistas, mas os conservadores e radicais que existem em todo o mundo também. É diferente dizer que estamos a ouvir e estarmos realmente a ouvir. Temos de esperar e ver o que acontece, o que é ouvido e quem tem permissão para falar e, mais importante ainda, quem é representado, quem fala e quem vota em 2023”, justificou.

 

“O Espírito é mais forte do que a opinião de umas quantas pessoas. Se estamos a pedir ao espírito que nos guie, tenho a certeza que o fará.”

 

Alana Harris, por sua vez, afirmou que este é um processo diferente de todos os que já aconteceram até agora, até porque a linguagem dos documentos preparatórios, que fala sobre a necessidade de chegar até às periferias e que “reconhece as diversidades do Povo de Deus”, faz imediatamente deste mais do que um processo de produção de documentos.

Para Brenden Thompson, o Sínodo acontece no momento certo, sendo um “processo de liderança com escuta activa” na esteira do que já tem sido o pontificado de Francisco.

“Palavras como «acompanhamento» e «discernimento» não são meras palavras repetidas, mas através do processo sinodal há uma mudança cultural geral que acontece na Igreja. Já vejo isso acontecer com sacerdotes e dioceses. E esta mudança é um processo desafiante para alguns! O Sínodo não é só sobre governação, ou sobre restabelecer a credibilidade da Igreja, convém não o encarar assim porque só trará frustração e desilusão. Não é sobre democratizar a Igreja, mas sobre criar uma Igreja discernidora”, adiantou.

Brenden considera que ainda há muita “resistência e cepticismo” em relação ao Sínodo e que é necessário converter as pessoas à ideia de que o processo de escuta é crucial.

“Acho que quando escutamos, as coisas mudam. Quando és confrontado com as experiências das pessoas nas paróquias ou, especialmente, daquelas que estão longe da Igreja, o teu coração é tocado, a não ser que sejas uma pessoa muito fria. Mas há um trabalho real a ser feito para convencer as pessoas disto”, explicou.

Questionada sobre a possibilidade de o Sínodo ser uma espécie de “barómetro” sobre como os bispos de todo o mundo vêem o Papa Francisco, Phyllis Zagano enfatizou as outras modalidades de participação no Sínodo para além do papel dos bispos católicos.

 

“Quando houve discussões muito negativas sobre o Papa e as suas acções, via-se perfeitamente que pesavam muito nele. Mas Francisco tem um grande sentido de paz, mesmo perante a adversidade e a discórdia. E confia no Espírito Santo, que é precisamente o que temos todos de fazer!”

 

“Vai haver de tudo um pouco, desde os bispos que ignoram aos que participam. Ainda hoje recebi um email porque o Sínodo na minha diocese parece estar a ser ignorado e as mulheres na minha diocese querem começar o seu próprio Sínodo. Se olharmos para os documentos peparatórios vemos que há a possibilidade de outras organizações se dirigirem directamente à Secretaria do Sínodo com os resultados do seu processo sinodal. Depois há também os bispos que vão reunir os suspeitos do costume e apresentar relatórios ao seu gosto…”, advertiu.

A responsável lembrou que as tecnologias digitais podem ser ferramentas muito úteis para a participação no Sínodo e frisou que, apesar de os bispos serem importantes e as formas oficiais de participação também, é conveniente não esquecer as outras modalidades.

“O caminho sinodal desenvolve-se num contexto histórico, marcado por mudanças epocais na sociedade e por uma passagem crucial na vida da Igreja, que não é possível ignorar: é nas dobras da complexidade deste contexto, nas suas tensões e contradições, que somos chamados a investigar os sinais dos tempos e a interpretá-los à luz do Evangelho”, lembrou.

Sobre a questão da ordenação das mulheres ao diaconado, Phyllis, que foi nomeada pelo Papa Francisco para a Comissão de Estudos a esse respeito, recordou que nem todos os bispos têm a mesma visão, até porque exercem o seu ministério em contextos muito diferentes.

“Os Bispos do Camboja e da Tailândia disseram-me que gostariam muito de ter mulheres diáconas, homens diáconos… mas não têm população com educação para tal! De qualquer forma, acho que estamos a olhar para um período de uns cinco anos antes que qualquer mudança seja implementada a nível local no que diz respeito às mulheres. E daqui a cinco anos pode ser demasiado tarde, porque a cada dia mais mulheres se afastam da Igreja”, advertiu.

Tina Beattie é da opinião que a Igreja não só “pode ajudar a restaurar a democracia”, como também necessita de ser vista por quem “está fora dela”, lembrando os documentos preparatórios do Sínodo que sublinham “importância do ecumenismo e diálogo interreligioso”. A agenda “comum a todas as confissões” também foi recordada por Alana Harris.

 

"Como podemos persuadir qualquer um dos lados de que há legitimidade para haver esta discussão se só um dos lados é que pode falar? Não podemos discernir o assunto se não falarmos sobre ele. Temos que falar sobre todas estas coisas: ordenação de mulheres, matrimónio, uniões homossexuais, contracepção… ou não será um Sínodo!"

 

“Não estamos a ser chamados para uma reunião à porta fechada, mas sim para lermos os sinais dos tempos, abrindo as portas, janelas e tudo o resto que houver para abrir”, afirmou Tina.

Christopher Lamb perguntou ainda à Diretora da Universidade de Santa Catarina de Siena se a ordem pela qual os temas são abordados no Sínodo importa e se não seria mais fácil começar o debate com temas que unem os católicos.

“Não sabemos o que pode unir a Igreja até termos tido um diálogo. Por exemplo, na ordenação das mulheres ao sacerdócio, aquilo que pode parecer união na Igreja Católica Romana é, ecumenicamente, desunião, porque grande parte das outras confissões já ordena mulheres. Não podemos encarar o Sínodo com o pensamento de «ou é isto, ou vou embora». Ainda não houve discussão teológica sobre a ordenação das mulheres porque o assunto tem sido banido. E como podemos persuadir qualquer um dos lados de que há legitimidade para haver esta discussão se só um dos lados é que pode falar? Não podemos discernir o assunto se não falarmos sobre ele. Temos que falar sobre todas estas coisas: ordenação de mulheres, matrimónio, uniões homossexuais, contracepção… ou não será um Sínodo”, vincou.

Phyllis Zagano afirmou ainda que, apesar de todas as críticas e julgamentos, o Papa não tem “medo de nada”, estando “muito interessado em saber como é que as pessoas que não estão necessariamente na linha da frente” pensam sobre qualquer assunto.

“Quando houve discussões muito negativas sobre o Papa e as suas acções, via-se perfeitamente que pesavam muito nele. Mas Francisco tem um grande sentido de paz, mesmo perante a adversidade e a discórdia. E confia no Espírito Santo, que é precisamente o que temos todos de fazer!”, explicou.

O Bispo John Arnold, que só participou nos últimos minutos do debate, é da opinião que o processo sinodal “vale sempre a pena” e lamentou que não tenha acontecido mais vezes com as gerações mais recentes.

“Como Igreja, temos que falar e agir muito claramente e espero que o Sínodo seja uma boa ocasião para a escuta orante e para o discernimento que o Papa Francisco propõe. Acho que conseguimos encontrar melhores soluções para o futuro e para os problemas de hoje e temos que nos permitir, de certa forma, a sermos críticos. Podes ser crítico de forma positiva! Penso que vamos ter as questões difíceis a serem levantadas e quem desejar, responderá. Não quero estabelecer uma agenda, é um convite aberto a toda a gente. Temos que deixar para o Espírito guiar quem precisa de falar”, afirmou.

D. John defendeu um regresso “aos valores do Evangelho” e à sua interpretação de acordo com os tempos actuais, de “um mundo secular em rápida transformação”. Sobre a resistência e “boicote” de algumas pessoas ao Sínodo ou às questões fracturantes, o Bispo não hesitou em aludir ao Espírito Santo.

“O Espírito é mais forte do que a opinião de umas quantas pessoas. Se estamos a pedir ao espírito que nos guie, tenho a certeza que o fará”, concluiu.