Arquidiocese de Braga -

22 novembro 2021

“A Europa deve reconhecer que agora é território de missão”

Fotografia DR

DACS com La Croix International

Entrevista exclusiva do La Croix International com o responsável da Ordem Dominicana.

\n

O nome oficial é Ordem dos Pregadores, mas a maioria das pessoas conhece esta congregação religiosa internacional como os Dominicanos.

Fundada no século XIII por um padre espanhol chamado Dominic Guzman, esta ordem mendicante inclui hoje frades (padres e irmãos), freiras de clausura, irmãs apostólicas e leigos associados.

O actual Mestre da Ordem é Frei Gerard Francisco Timoner, um sacerdote e teólogo filipino de 53 anos.

Eleito para o cargo em Julho de 2019, é o primeiro asiático a servir como sucessor de São Domingos

Nesta entrevista exclusiva com o correspondente de La Croix em Roma, Loup Besmond de Senneville, Frei Gerard Francisco fala sobre os desafios que a Igreja e a Ordem dos Pregadores enfrentam.

 

É Mestre da ordem Dominicana desde Julho de 2019, sucedendo ao francês Bruno Cadoré. Como é que decidiu ser Dominicano?

É uma longa história... Sou um filho das províncias das Filipinas. No fim do ensino secundário, queria entrar no Seminário, mas os meus pais, apoiados pelo padre da minha paróquia, acharam que eu era muito jovem. Algum tempo depois, mudei-me para Manila, a capital, com a ideia de ingressar nos Jesuítas. A minha avó e a sua irmã foram contra, porque temiam que eu fosse enviado como missionário para o outro lado do mundo. Quando elas recusaram, decidi ir para a Universidade Santo Tomas, onde seminaristas de várias dioceses se juntam em Manila. Para isso, precisava de uma carta de apoio do meu bispo. Só que, na carta, o secretário do bispo não escreveu à Universidade de “Santo Tomas”, mas sim aos dominicanos de “São Domingos”. Eu tinha 17 anos, não sabia de nada. Às vezes diz-se que Deus escreve direito por linhas tortas. No meu caso, Deus cometeu um erro tipográfico! Assim, foi quando entrei nos dominicanos que realmente os conheci. E foi então que disse a mim mesmo: é este o tipo de vida que quero.

 

É o responsável máximo da Ordem dos Pregadores. O que é que isso significa num mundo que vive uma espécie de crise da palavra?

O nosso carisma é participar, como queria São Domingos, na mística Igreja de Cristo, pregando a Boa Nova. Isto não significa que sejamos os únicos a fazê-lo. Alguns padres diocesanos são melhores pregadores do que os dominicanos! Mas sublinha que a pregação é um dos carismas da Igreja.

 

Significa isto que os Dominicanos fazem boas homilias?

Não. Não somos uma ordem de “homilistas”, mas de pregadores. A homilia é uma pregação litúrgica, mas existem muitas outras formas de pregação. Fra Angelico, quando pintou, pregou à sua maneira. O mesmo é válido para todos aqueles no terreno que oferecem pregação através das suas obras de caridade. Este foi também o caso dos nossos mártires na China, Japão e Vietname. E é o caso dos nossos alunos na Escola Bíblica de Jerusalém, e dos nossos irmãos que estão envolvidos nas fronteiras existenciais, como aqueles que estudam árabe e o Alcorão para dialogar com os muçulmanos.

 

Às vezes, tem-se a impressão de que os Dominicanos são uma colecção de personalidades muito brilhantes, mas também independentes, para não dizer individualistas. O que dá unidade à Ordem?

É claro que se um vídeo mostrasse sucessivamente Yves Congar a escrever, São Martinho de Porres a alimentar os pobres, Bartolomé de las Casas a defender os direitos dos povos indígenas e Santa Catarina de Sena a falar com o Papa, seria de nos perguntarmos o que é que eles têm em comum. No entanto, o que os une é que todos eles descobriram a sua vocação nas pegadas de São Domingos e usaram os seus talentos para pregar as Boas Novas de Jesus Cristo à sua maneira. Venho de um país, as Filipinas, composto por muitas, muitas ilhas. Se olharmos para elas, parecem estar separadas umas das outras. Mas se formos ao fundo do mar, iremos vê-las ligadas umas às outras no fundo. Os Dominicanos são um pouco como isto. O que nos une é a nossa profissão de fé segundo São Domingos e o nosso carisma de pregadores. A nossa vida também é conduzida pela oração comum e pelo estilo de governo sinodal e comunitário.

 

Quem são os jovens que desejam entrar na Ordem?

Depende de onde vêm. Nos Estados Unidos, muitos conhecem a Ordem através da Internet. Alguns vêm de famílias não praticantes e estão a redescobrir a Igreja. Na África e na Ásia, muitas vezes procuram-nos depois de terem conhecido uma comunidade Dominicana. É difícil generalizar, mas o que podemos notar é que alguns jovens sentem uma nostalgia por uma espécie de passado glorioso. Alguns preferem, por exemplo, a forma extraordinária do rito ou o antigo rito Dominicano. Isto pode causar, por vezes, tensão com as gerações mais velhas, sobretudo aqueles que viveram o Vaticano II e as suas reformas. Dito isto, é normal que haja alguma tensão entre uma geração e a anterior. Isto não é mau em si mesmo, porque cada geração tem algo específico e válido a dizer. Mas torna-se prejudicial quando uma geração pensa que é a melhor sem levar em conta o resto.

 

Como é que lida com isto?

Estamos todos no mesmo caminho para Deus. Mas uns andam do lado esquerdo do caminho, outros do direito. A polémica não nos ajuda a perceber que o caminho é muito largo e que há espaço para diferenças. A dificuldade é fazer quem está de um lado admitir que estão no mesmo caminho que os do outro lado.

 

Acha que esse será o desafio do processo sinodal lançado pelo Papa?

Sim, como disse o Papa, o objectivo da sinodalidade é realmente a comunhão e a superação das oposições que possam existir, inclusive entre cardeais ou bispos que às vezes se criticam abertamente.

 

Que conselho pode dar para o sucesso deste processo sinodal?

O importante é ouvir os outros. Frequentemente, as pessoas não concordam porque apenas se ouvem a si próprias. E para estarem disponíveis para se ouvirem umas às outras, é preciso admitir que às vezes são um pouco diferentes umas das outras. Isso só é possível entre pessoas que estão reconciliadas entre si. Temos esta progressão em cada missa: primeiro perdão, depois ouvir a Palavra de Deus, depois enviar em missão. Ouvimos realmente a Palavra de Deus antes de ouvirmos os outros? Retemos apenas o que nos convém ou retemos realmente as palavras de Deus? Estar no sínodo não é apenas unir-nos por nós mesmos, é fazê-lo para que possamos ser melhor enviados ao mundo.

 

Como se encontraa Ordem na luta contra o abuso sexual?

Em primeiro lugar, gostaria de dizer, que por iniciativa de Frei Bruno, o meu antecessor, todas as nossas províncias têm agora uma política de “salvaguarda” e um protocolo de luta contra os abusos sexuais. Alguns foram adaptados tendo em conta o país, e levam em conta os imperativos dos bispos locais ou as regras das jurisdições civis. Quando esses eventos ocorrem, são levados muito a sério. No passado, talvez tenhamos visto o abuso de crianças como um pecado perdoável. Erramos: é um crime que deve ser levado aos tribunais civis.

 

Como vê o futuro da Ordem e, de forma mais ampla, da Igreja? Ainda está na Europa?

O futuro da Igreja está onde quer que o Evangelho precise de ser anunciado. Quanto à Europa, que tem sido Igreja missionária, provavelmente deve reconhecer que agora é território de missão. Venho de um país que este ano está celebrando o 500º aniversário do primeiro batismo e da primeira missa. Isto foi possível graças aos missionários que cruzaram os oceanos. Muitos morreram, muitos sofreram. Não percebemos tudo aquilo por que passaram. Somos gratos, mas também devemos perceber que as terras de onde vieram são agora terras de missão. A maioria dos Católicos já não está na Europa. O mesmo padrão é verdadeiro na Ordem: quase metade dos 4.800 sacerdotes da Ordem são europeus, mas dos 752 alunos em formação para serem sacerdotes a proporção de europeus é de 32%. Quanto aos 165 noviços, apenas 48, ou 29%, nasceram na Europa.

 

Entrevista de Loup Besmond, publicada no La Croix International a 20 de Novembro de 2021.