Arquidiocese de Braga -
11 março 2022
Bispo baleado no Sudão do Sul regressa pronto para trabalhar pela paz
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DACS com Crux
Missionário comboniano, Carlassare, de 44 anos, será ordenado bispo no dia 25 de Março, na catedral de Rumbek.
O bispo eleito Christian Carlassare, que foi baleado num terrível ataque na sua residência logo após a sua nomeação como o novo bispo de Rumbek, recuperou e está a preparar-se para regressar à sua diocese com perdão e o desejo de trabalhar pela paz na sua conturbada nação adoptiva.
Missionário comboniano, Carlassare, de 44 anos, será ordenado bispo no dia 25 de Março, na catedral de Rumbek.
A sua ordenação foi originalmente marcada para 23 de maio de 2021. No entanto, a 26 de Abril, logo após sua chegada a Rumbek, foi atacado por dois homens armados que entraram no seu complexo logo após a meia-noite e lhe balearam as pernas.
Os ferimentos exigiram pelo menos seis cirurgias e quase um ano para cicatrizarem, recebendo o missionário tratamento em Juba, a capital queniana de Nairobi, e sua Itália natal.
Falando com a Nigrizia, a revista oficial da ordem missionária Comboniana, Carlassare disse que se reconciliou com o que aconteceu e está pronto para oferecer “o verdadeiro perdão do coração”.
“Infelizmente, o mal encontra sempre espaço. Errar é humano. Mas ninguém está condenado a permanecer no mal. Como cristãos, todos somos chamados à conversão e à santidade de vida”, disse, afirmando que olha para o futuro com confiança.
“Eu sei que não estou sozinho. E sinto profunda solidariedade com muitas pessoas que pedem um pastor que cuide das pessoas que vivem no abandono. Volto com o desejo de me colocar ao serviço desta Igreja e de fazer o caminho com as pessoas”, explicou.
Carlassare disse que viveu o ano passado como um ano sabático, dedicando-se à reabilitação e a uma reflexão sobre o que aconteceu “à luz do Evangelho e do chamamento que recebi da Igreja para a missão”.
“O ataque do ano passado fez-me reflectir sobre a fragilidade da minha própria vida, assim como a de cada estratégia e programa; e sobre o quão importante é viver o dia-a-dia com coragem e generosidade”, afirmou, dizendo que quer que o seu dia-a-dia seja passado a ouvir e servir as pessoas à sua volta.
O que aconteceu em Abril passado “ajudará a purificar e a abrir espaço para a obra de Deus”, disse, observando que a obra de Deus geralmente é mais visível quando acompanhada pela cruz. “Assim, parece-me que sou capaz de vislumbrar o cuidado e a presença de Deus no que aconteceu para o bem maior da missão e da Igreja de Rumbek”, observou.
“Será uma jornada difícil e rezo pela minha conversão e disponibilidade, bem como a de todas as pessoas de boa vontade que têm grandes esperanças, bem como por aqueles que se deixaram conduzir por uma mentalidade fechada e divisória”, disse, acrescentando: “A nossa conversão é um milagre que é sempre possível”.
Questionado sobre as preocupações que tem em voltar à sua diocese após o ataque, Carlassere disse que agora tem a consciência de que já não está no controlo da sua vida, mas que está a ser conduzido “por um povo a assumir este ministério para o bem da comunidade”.
Tendo passado 17 anos de alegrias e dificuldades como missionário no Sudão do Sul, chegando um ano após a sua ordenação sacerdotal em 2003, Carlassare disse que se sente “totalmente adoptado” pelo país com a sua nomeação como bispo.
“A minha esperança é operar como um filho humilde da Igreja e um filho digno do povo que Deus me confia, um povo que quer viver em coexistência pacífica após a independência alcançada em 2011, mas que ainda luta para alcançar a paz devido às muitas divisões”, indicou.
“Algumas pessoas vão-me ver como um bispo «branco». E eu sei que eu sou. No entanto, não me sinto diferente das minhas ovelhas: temos os mesmos olhos, as mesmas mãos, os mesmos pés e o mesmo coração”, explicou, insistindo que o que divide as pessoas “não é a cor da pele, mas a incapacidade de abrir o coração e mostrar apreço pelas diferentes culturas que não negam a humanidade de cada um”.
A unidade, afirmou, “surge quando aprendemos a definir as nossas relações com a devida consideração e aceitação mútua”.
Desde que foi atacado no ano passado, havia rumores de que o ataque tinha motivação étnica, uma vez que Rumbek é uma área pertencente principalmente à tribo Dinka, e Carlassare, antes da sua nomeação passou 10 anos a trabalhar em estreita colaboração com a tribo Nuer, que é tradicionalmente inimiga dos Dinka.
A nomeação de Carlassare atiçou as hostilidades, pois muitos membros da tribo Dinka acreditavam que o padre John Mathiang – que liderava a diocese de Rumbek como coordenador diocesano desde Dezembro de 2013, depois de o bispo anterior, também missionário comboniano, falecer – deveria ter sido nomeado bispo.
Em Junho do ano passado, a polícia prendeu seis suspeitos considerados responsáveis pelo ataque, um dos quais era Mathiang.
Um julgamento de Mathiang e outros cinco homens começou no mês passado em Juba e está a ser acompanhado de perto pelas autoridades eclesiais nacionais e regionais. As autoridades do Estado do Lago prenderam mais de 20 pessoas com ligação com o incidente desde o ano passado.
Carlassare disse que há “inúmeros” desafios que o aguardam no Sudão do Sul, a maioria dos quais ligada à violência em curso e à facilidade de acesso a armas no país.
“A população está muito polarizada, frustrada e dividida: deve haver um grande esforço para promover o relaxamento, a escuta e a reconciliação, assim como superar uma dinâmica hostil profundamente enraizada”, explicou o sacerdote.
No plano social, a pobreza também é uma grande preocupação, não porque o país careça de recursos, mas “porque a população tem acesso muito limitado a estes, bem como aos serviços básicos”, que é onde a Igreja intervém para fornecer ajuda concreta aos que “tentam erguer a cabeça”.
Elogiou o compromisso educacional da Igreja no Sudão do Sul, bem como os esforços na área da saúde, dizendo que o apoio internacional a esse respeito é generoso, mas “com o tempo será preciso trabalhar para dar base local a essas intervenções para que sejam cada vez mais sustentáveis”.
“A minha preocupação é que Cristo esteja no centro de todo o trabalho da Igreja, porque Ele é o início e a realização de um verdadeiro processo de humanização dos indivíduos e da sociedade”, disse Carlassare.
Falou ainda das muitas expressões de solidariedade que recebeu do Vaticano, dos seus colegas bispos, da Igreja local de Rumbek e do governo do Sudão do Sul após o ataque no ano passado, dizendo que continuará a contar com esse apoio no futuro, “quando será ainda mais necessário”.
Artigo de Elise Ann Allen, publicado no Crux a 11 de Março de 2022.
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