Arquidiocese de Braga -

18 março 2022

Luis Carlos Fernández, no resgate de crianças que não podem nascer se forem doentes

Fotografia DR

DACS com Vida Nueva

O missionário colombiano partilha a vida com a tribo Samburu no deserto queniano.

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O colombiano Luis Carlos Fernández, missionário de Yarumal, está no Quénia desde 1982. Uma vida inteira que partilha com um povo tantas vezes agredido e na qual, desde 2013, entrou numa nova dimensão de dedicação. Foi então que passou a conviver com os Samburu, “povo que vive no norte do país, em território semidesértico, com pouca chuva. Na sua maioria, dedicam-se ao gado, são pastores e cuidam principalmente de cabras e ovelhas”.

Além do clima extremamente seco, o isolamento marca o dia-a-dia: “As pessoas moram em casas pequenas e muito distantes umas das outras; não há electricidade, água nos canos e nem mesmo uma latrina; ainda menos internet ou rádio”.

 

Os que estão pior

Sem dúvida, a sua visão deve ter-se adaptado aos seus costumes, em que as crianças carregam o peso: ali é frequente o casamento infantil de raparigas com homens de todas as idades, a mutilação genital feminina ainda é praticada e é habitual que, no próprio momento do parto, procurem acabar com a vida dos bebés que podem nascer com algum tipo de malformação ou doença visível.

Assim, como diz Luis Carlos Fernández, “nascer com problemas físicos em Samburu é um risco muito grande”. Algo que vivenciou num caso que muito o impressionou e que, apesar da dor, partilha com uma chave de esperança: “Quando Francisca Laikipiani nasceu, corria o risco de ser morta com tabaco para não respirar. Naquele primeiro momento, o seu pai tomou a decisão de encurtar a sua vida. A mãe ouviu e fugiu com a menina para a casa da avó”.

 

Pelo amor de Deus

O destino sorriu-lhes: “Deus amava-a, como a sua mãe e a sua avó, e teve-a como sinal do seu amor para muitas pessoas. Quando cresceu, Francisca pôde estudar Aconselhamento e hoje ajuda muitas pessoas a superar problemas que não são tão importantes como quando nasceu, com espinha bífida e malformação dos membros inferiores. Muitas pessoas cruzaram o seu caminho e colocaram-na no lugar onde ela deveria estar”.

Como o missionário colombiano partilha com orgulho, “hoje, Francisca é uma bênção para todos os seus irmãos, para a sua família e para todos aqueles que sofrem de deficiências, especialmente as crianças”. Na sua história, ele encontra uma forte ressonância bíblica: “José, o hebreu, filho de Jacó, foi condenado à morte por causa do ódio e da inveja dos seus irmãos, mas Deus teve-o para grandes coisas e colocou-o no Egipto para ser a salvação dos seus irmãos, não pelos seus méritos, mas pelo amor de Deus e pelas qualidades humanas de José”.

 

Com a língua colada ao palato

Agora, o padre está muito agarrado a “Lpenesi, um menino de Nonkek. Move-se com dificuldade. Ouve bem, mas não pode falar porque a sua língua está presa no céu da boca. Estamos a descobrir onde é que ele pode fazer uma operação que vai soltar a língua e permitir -lhe falar. Além disso, estamos a tentar conseguir uma cadeira de rodas para lhe proporcionar qualidade de vida. Em Samburu costumam esconder crianças com limitações físicas e, se descobrem a limitação ao nascer, não as deixam viver. Os pais geralmente não têm a oportunidade de procurar ajuda profissional para essas crianças e preferem mantê-las isoladas nos seus lares. No Quénia existem várias instituições que atendem crianças com limitações, mas os lugares são muito reduzidos”.

Outro caso é o de Samuel Leparmorijo: “Outro dia fomos buscá-lo à escola para crianças com deficiência em Naromoru, a 231 quilómetros. Foi surpreendente vê-lo a andar. Antigamente, só gatinhava e agora está fortalecido e os médicos italianos dirão se o operam ou não. Não o fizeram antes porque ele era muito fraco. Aqui, com a ajuda de África Rafiki, está a fazer terapia e, se necessário, vão operá-lo”.

 

O amor da mãe

No entanto, ele sabe que não há medicina maior que o amor dentro da família: “Quando o encontramos em casa, ele estava feliz, mas quando se encontrou com a sua mãe e os vizinhos, vieram-lhe as lágrimas aos olhos. A criança está sempre feliz. Chegamos de Naromoru, almoçamos e depois levei-o para casa de mota. Lembro-me do lema do hospital infantil de Medellín onde trabalhei antes de vir para cá: «Uma vida pela vida». Chegamos cansados, mas felizes com o progresso de Samuel e a alegria da sua família e vizinhos ao vê-lo andar. A sua irmãzinha e as outras crianças tiraram as pedras da estrada para que ele não tropeçasse e disseram-lhe: «Shomo, shomo» (vai em frente, vai em frente). Que alegria é estar a família unida!”.

Artigo de Miguel Ángel Malavia, publicado em Vida Nueva Digital a 18 de Março de 2022.