Arquidiocese de Braga -

10 maio 2022

Teóloga Inogés Sanz: Os leigos ficaram entorpecidos na Igreja, devem saber que a sua voz é importante

Fotografia Remo Casilli/Reuters via CNS

DACS com Crux

De acordo com uma das teólogas que aconselham o gabinete do Vaticano que organiza o sínodo dos bispos, os leigos ficaram entorpecidos depois de séculos simplesmente a dizerem “amém”.

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O processo sinodal começou em Outubro passado e continuará até Outubro de 2023, quando um encontro dos bispos será realizado em Roma. A teóloga espanhola Cristina Inogés Sanz disse que, para muitos membros leigos da Igreja, “esta é a primeira vez que estão cientes de que a sua voz é importante”.

“Uma Igreja sinodal é aquela que está ciente de que precisa assumir uma diversidade de vozes”, disse ao Crux. “Como uma sinfonia, todos sabemos que cada instrumento toca no momento que lhe corresponde. Mas numa sinfonia também pode haver uma nota assimptótica, e nada acontece. Devemos ser capazes de integrar isso na nossa vida eclesial: a unidade pode ter uma pluralidade de vozes e também algumas discrepâncias”.

A seguir, passagens da conversa de Inogés Sanz com o Crux.

 

Como está o processo sinodal na sua diocese?

A minha diocese, Zaragoza, está a mexer-se muito. Há mais de 400 grupos a trabalhar no sínodo. Para muitos, esta é a primeira vez que estão cientes de que a sua voz é importante. Estamos acostumados a dizer amém, sem nunca dizer nada. O processo teve um grande impacto nos leigos, que estão a perceber que a sua opinião e a sua voz são importantes. E eles também já têm consciência de que isto não vai acabar em 2023. Tem que haver um encerramento administrativo, sim, mas estamos no caminho, a começar a trilhar. E aqueles que vierem depois de nós continuarão a jornada. É um processo evolutivo. E sabemos que estamos a dar os primeiros passos.

 

O que significa para a Igreja ser sinodal?

Leiga e sinodal. São palavras que não usamos, mesmo que a Igreja tenha nascido sinodal e leiga. E essas são duas características de que não nos conseguimos lembrar porque a Igreja deixou de ser leiga no primeiro século, e sinodal há mil anos. Uma Igreja sinodal é aquela que está consciente de que deve assumir uma diversidade de vozes. Como uma sinfonia, todos sabemos que cada instrumento toca no momento que lhe corresponde. Mas numa sinfonia também pode haver uma nota assimptótica, e nada acontece. Devemos ser capazes de integrar isso na nossa vida eclesial: a unidade pode ter uma pluralidade de vozes e também algumas discrepâncias…

 

Como é que a Igreja trabalha com discórdia, com vozes dissonantes?

Através do diálogo. Como estamos habituados apenas a dizer amém, isso é difícil para nós. O diálogo é um exercício que nunca praticamos verdadeiramente. Ouvir o outro, integrar a experiência dessa pessoa, contextualizá-la no momento em que a viveu, colocar-se no lugar do outro e caminhar com ele. Dessa forma, pode compreender-se o outro e a sua experiência dissonante, e essa experiência pode ser má, mas também boa. Compreender o contexto vital do outro, tudo o que engloba a vida da pessoa, permite-nos integrar essa dissonância.

 

A integração é confundida com a mudança?

Acho que, mais do que mudar, temos que falar de processos de cura. Um aspecto da sinodalidade é aprendermos a relacionar-nos de uma maneira diferente na Igreja. Em muito poucas ocasiões esses relacionamentos não terão que passar por um processo de cura. A Igreja fez, faz e fará muitas coisas bem. Uma pessoa interessada em saber o que fizemos correctamente pode encontrar essa informação, pois está prontamente disponível. Mas fizemos coisas erradas e precisamos de assumir isso. Temos que aprender a relacionar-nos de maneira diferente com esse lado humano e de falha da Igreja, esperançosamente de uma maneira muito mais curativa do que aquilo que temos feito até agora.

 

Quanto do que precisa ser curado vem de se ter reduzido a Igreja aos sacramentos?

Nós tornamo-nos uma Igreja muito pontual. E agora estamos numa mudança de época. Antigamente, uma pessoa era considerada católica por ser baptizada, por ir à missa e cumprir uma série de exigências. Mas hoje percebe-se que há quase mais cristãos fora da Igreja do que nos bancos dela. E é um paradoxo, mas há muitos crentes que não praticam, e também praticantes que não são normativamente crentes, pessoas que, sem terem formação cristã, têm um comportamento mais de acordo com o cristianismo do que com uma filosofia. Há muitas pessoas que têm uma experiência fora do quadro institucional, porque a instituição as sobrecarrega, mas estão a construir o reino de Deus fora da instituição. E isto deve ser levado em conta, e também devemos saber dialogar com estas pessoas. Em Espanha, dizemos que às vezes as árvores não permitem ver a floresta, e encontramos pessoas que admiram a floresta porque têm uma perspectiva que nos falta. É benéfico para todos nós que nos consideramos membros de “dentro” da Igreja dialogar com eles.

 

Qual é a voz das mulheres no processo sinodal?

Muitas vezes o subconsciente prega-nos partidas, mas precisamos de perceber que existem muitos rostos e vozes de mulheres em vez de reduzi-los a apenas um. Além disso, a situação das mulheres não é a mesma num país ou noutro, ou numa cultura ou noutra. Há mulheres que encontraram o caminho para participar e outras que não. Dito isto, acredito que a voz das mulheres neste sínodo pode ser profética ao revelar situações pouco conhecidas, mas que existem, bem como aprofundar situações que, sendo anormais, foram normalizadas.

 

Mais alguma coisa que gostaria de dizer?

Sim, gostaria de sugerir a todos que participem no sínodo, mas, ao mesmo tempo, participem com expectativas reais: não teremos uma Igreja sinodal em Outubro de 2023, mas é muito importante ter em mente que o facto de estarmos em sínodo – não num sínodo – o simples facto de estar a acontecer, é uma realidade que nos deve fazer pensar que a mudança é possível. A Igreja é uma instituição que tem muito a oferecer. E não importa quantos problemas a Igreja tenha, este sínodo é a esperança de que muito também pode mudar, entendendo que estamos num processo e que a mudança não virá da noite para o dia. Mas temos que ter esperança que a Igreja possa, e irá, mudar para melhor.

Entrevista de Inés San Martín, publicada no Crux a 6 de Maio de 2022.