Arquidiocese de Braga -

11 maio 2022

D. Scicluna: cada diocese deve ter um gabinete de denúncia de abusos

Fotografia DR

DACS com La Croix International

Entrevista exclusiva do La Croix International com o arcebispo Charles Scicluna, o oficial mais respeitado do Vaticano na luta contra o abuso sexual de menores e pessoas vulneráveis ​​por parte do clero.

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Já se passaram três anos desde que o Papa Francisco emitiu o “motu proprio” Vos estis lux mundi (“Tu és a luz do mundo”), a sua carta apostólica sobre a prevenção dos “crimes” de abuso sexual contra menores e pessoas vulneráveis.

O documento – que foi publicado a 7 de Maio de 2019 e entrou em vigor a 1 de Junho seguinte – foi dirigido principalmente aos bispos católicos do mundo. Mas nem todos implementaram as disposições do texto como o Papa os instou a fazer, o que preocupa o arcebispo Charles Scicluna.

O advogado canónico de 63 anos dirige a Arquidiocese de Malta desde 2014, mas trabalhou por vários anos na Congregação para a Doutrina da Fé (CDF), onde se estabeleceu como o funcionário mais respeitado do Vaticano no que diz respeito ao tratamento de casos de abuso por parte do clero.

Além das suas responsabilidades pastorais em Malta, o arcebispo Scicluna também é o secretário adjunto da CDF responsável pela luta contra a pedocriminalidade desde 2018.

Nesta entrevista exclusiva com o correspondente permanente do La Croix em Roma, Loup Besmond de Senneville, aponta que o “motu proprio” estipula que todo o bispo é obrigado a estabelecer um gabinete de assistência às vítimas na sua própria diocese.

 

La Croix: Três anos depois da sua publicação, o “motu proprio” Vos estis lux mundi, sobre a pedocriminalidade, mostrou-se eficaz?

Arcebispo Charles Scicluna: Esta é uma pergunta legítima. Hoje em dia não temos uma pesquisa global ou números exaustivos. Mas aquilo que sabemos é que esta lei do Papa Francisco foi amplamente implementada e que muitas dioceses e jurisdições já estabeleceram gabinetes onde podem ser denunciados casos de abuso sexual de menores. Em alguns casos, esse processo pode ter sido atrasado pela pandemia, algumas dioceses ainda não o fizeram. Estamos fora da emergência sanitária: agora cabe aos núncios, que representam o Papa nos países, lembrar aos bispos as obrigações decorrentes de Vos estis lux mundi, incluindo o facto de criarem este espaço onde as vítimas podem ser ouvidas e a que têm direito.

 

O que diz aos bispos que não criaram um gabinete de recepção às vítimas?

Acho que os bispos precisam de ser lembrados que esta é uma obrigação legal, imposta pelo Papa. A criação de um gabinete de denúncias em cada diocese é uma obrigação não negociável que deve ser honrada. Não depende da vontade pessoal de cada bispo. Além das obrigações puramente legais, há também um movimento mais profundo no terreno que também devemos levar em conta. Os fiéis esperam que a Igreja assuma as suas responsabilidades a nível local. Alguns jornais – é o que vocês fazem no La Croix – também fazem um bom trabalho ao trazer à luz este assunto. As próprias comunidades estão à espera que as exigências do Papa sejam colocadas em prática.

 

Algumas pessoas ainda precisam de ser convencidas dos méritos desta luta?

Não acho que haja falta de vontade. O que falta, talvez, entre alguns, é a consciência da importância deste tema, por isso é importante o trabalho da escuta. Não devemos esperar até que sejamos confrontados com problemas de abuso para criar um gabinete para receber potenciais vítimas. Desde o início do seu pontificado que Francisco quer uma Igreja que escute o povo de Deus, e isto faz parte desse processo. Neste caso, os bispos não têm desculpa para não implementar este “motu proprio”. Consigo entender que em alguns países de missão, especialmente aqueles que estão a passar por crises, fomes, guerras ou desastres naturais, é difícil. Mas penso que, a nível nacional, é sempre possível acumular competências, no âmbito da Conferência Episcopal. Esta é também uma área em que as discussões podem ocorrer entre os bispos de vários países.

 

Em alguns países, o “motu proprio” não foi traduzido para o idioma local. Isso é um problema?

Sim. Neste ponto, os núncios devem desempenhar plenamente o seu papel e oferecer a ajuda das pessoas locais que colaboram com eles. É importante que estes documentos estejam disponíveis nos idiomas locais. Não acho que seja um problema insuperável. Pelo menos não deve ser apresentado como tal.

 

Este “motu proprio” foi publicado ad experimentum, por três anos. Será renovado?

A decisão final cabe ao Papa. Pela minha parte, espero que assim seja, estou convencido de que estas medidas são irreversíveis e que não devemos dar o menor sinal de retrocesso. Várias opções estão abertas ao Papa, incluindo renovar a experiência por três anos ou estendê-lo às comunidades religiosas.

 

Entrevista de Loup Besmond de Senneville, publicada no La Croix International a 10 de Maio de 2022.