Arquidiocese de Braga -

11 maio 2022

Notas pessoais de João Paulo I serão reveladas

Fotografia DR

DACS com La Croix International

O Vaticano irá publicar pela primeira vez as notas pessoais do homem que teve o pontificado mais curto da história contemporânea da Igreja Católica.

\n

A Editora do Vaticano está a lançar esta semana uma colecção de textos e documentos sobretudo privados do pontificado de João Paulo I, o homem que foi papa por apenas 33 dias.

Além dos discursos oficiais de Albino Luciani – o ex-patriarca de Veneza que foi eleito Bispo de Roma a 26 de Agosto de 1978 – o robusto volume de 470 páginas fornece aos leitores o diário da vida curta do Papa.

Também inclui também as anotações que ele fez todos os dias durante o seu breve pontificado até à sua morte inesperada a 28 de Setembro de 1978. Todos esses escritos serão o foco de um simpósio a ser realizado na quarta-feira em Roma.

A nova colecção existe para já apenas em italiano.

Os curadores do volume – que inclui Stefania Falasca, jornalista que é vice-presidente do Instituto João Paulo I – optaram por publicar os discursos e pronunciamentos que o falecido Papa realmente proferiu, bem como as versões editadas que o Vaticano divulgou posteriormente. As diferenças entre as duas versões estão longe de ser anedóticas, pois reflectem as escolhas muito pessoais de um Papa e a adopção de um estilo que não teve tempo de se desdobrar.

 

Abandonar o “nós” real

“A primeira coisa que fiz, assim que fui eleito Papa – tive um bocado de tempo – foi pegar no directório em mãos, estudar um pouco... os corpos da Santa Sé, tão ignorante sou e tão longe estou de conhecer o funcionamento interno da Santa Sé. Espero que vocês me ajudem”, disse o Papa Luciani no seu primeiro encontro com o Colégio dos Cardeais a 30 de Agosto, apenas algumas horas após a sua eleição.

“Tenham piedade do pobre novo Papa, que realmente não esperava encontrar-se nesta posição”, continuou.

É uma passagem que simplesmente desapareceu da transcrição oficial. Outra marca do estilo de João Paulo I foi o abandono da o “nós” real usado pelos Papas até então. Mas os funcionários da Cúria Romana sistematicamente “corrigiram” isso na versão oficial dos textos.

“Estou feliz por já ter recebido durante a primeira semana do meu pontificado uma representação qualificada e ampla do mundo das comunicações sociais”, disse João Paulo a jornalistas a 1 de Setembro.

Mas na versão oficial lia-se: “Estamos felizes” e “o nosso pontificado”.

 

Um papa profundamente preocupado com o estado do mundo

Os 42 documentos apresentados no novo livro levam-nos ao pontificado muito breve de João Paulo I, que acabou a ser apenas uma sucessão de “primeiros”, desde as habituais audiências semanais até às primeiras cartas de nomeação.

Também incluem um discurso sobre o encontro de Camp David em 1978 com o presidente dos EUA, Jimmy Carter, o presidente egípcio, Anwar Sadat, e o primeiro-ministro israelense, Menachem Begin.

Há também as notas de João Paulo I sobre a morte do metropolita ortodoxo russo Nikodim de Leningrado e Novgorod, que morreu no Vaticano durante um encontro com o Papa.

E o volume inclui a carta do Papa a nomear oficialmente um certo cardeal Joseph Ratzinger para ser o seu legado na missa de encerramento do Congresso Mariano em Guayaquil, Equador.

Mas além dos discursos e cartas, cujas versões oficiais já eram conhecidas, a Editora Vaticana está agora a publicar muito mais material pessoal.

Isto deve ajudar a revelar melhor o modo como pensava e trabalhava João Paulo I. Por exemplo, mantinha uma agenda que também usava como caderno para ajudar a preparar as suas reuniões e audiências.

E nestas páginas descobrimos um Papa profundamente preocupado com o estado do mundo, ansioso por preparar discursos que entrelaçassem os acontecimentos actuais com a teologia e a espiritualidade.

 

Uma testemunha importante do método de trabalho de um Papa

O novo livro também inclui fac-símiles das notas originais que foram escritas à mão em tinta azul ou preta. E há cópias de textos elaborados mostrando como João Paulo I apagaria, acrescentaria, sublinharia ou reveria os seus escritos com o uso de muitas setas, parênteses, diagramas, etc..

“O Papa também se alegra que (os membros da) reunião estejam a orar com tantos outros pelo sucesso da reunião”, lemos numa nota.

“Carter, Xtien (cristão) lê o E. (Evangelho)”, escreveu a 10 de Setembro de 1978, quando a reunião de Camp David foi aberta.

A reprodução do caderno, que usava para anotar as suas impressões de várias reuniões ou escrever o seu programa de trabalho, também é um testemunho importante do método de trabalho do falecido Papa.

Aqui vemos João Paulo a perguntar-se sobre a implementação do Vaticano II, com inúmeras referências a João XXIII, e a elaborar listas de assuntos a serem tratados.

Aparecem também questões, como estas poucas palavras, que testemunham a preparação do encontro com o Presidente de Roma, Giulio Carlo Argan: “Posso citar-me?”.

E há também uma nota para o lembrar a si mesmo de um próximo encontro com o Padre Geral dos Jesuítas, Pedro Arrupe: “Pe. Arrupe = preparar para 1 de Outubro”.

Mas essa reunião nunca aconteceu. João Paulo I foi encontrado morto a 29 de Setembro, às 05h20.

 

Artigo de Loup Besmond de Seneville, publicado no La Croix International a 10 de Maio de 2022.