Arquidiocese de Braga -

19 maio 2022

Comissão da Verdade da Colômbia: conflito “rasgou a nossa dignidade como nação em pedaços”

Fotografia VWPics / Alamy

DACS com The Tablet

“Como podemos viver à vontade como um corpo quando há esta dor entre nós?”

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“Rasgamos a nossa dignidade em pedaços”, diz o padre Francisco de Roux SJ, descrevendo a sua visão sobre o conflito armado colombiano de 60 anos que investiga nos últimos quatro como presidente da Comissão da Verdade do país.

O Pe. Roux, ex-provincial dos jesuítas colombianos, falou com o jornal madrileno El País ao concluir o seu relatório, que deve ser publicado a 28 de Junho.

Questionado sobre como lidou com as histórias de horror que ouviu, o padre Roux disse: “Como colombiano, não poderia viver de outra maneira. Somos um corpo como nação e não temos outra forma de sermos livres e ganhar dignidade se não compreendermos a totalidade do corpo. É um corpo que teve o rosto despedaçado em Machuca, o coração partido no Chocó, as pernas queimadas em El Salado, os braços dilacerados no Magdalena Medio, o estômago e o fígado queimados em Nariño, a vagina destruída em Terralta, o espírito e a alma de um povo devastado entre os indígenas dos Vaupés e os indígenas Embera”.

“Como podemos viver à vontade como um corpo quando há esta dor entre nós? E é um país tão bonito, um país de tambores, de tantos tipos de música, mas tudo isto foi invadido muito profundamente pelo medo, pela dor, pela incerteza. É por isso que a Colômbia, depois de 60 anos, continua num conflito armado interno no qual muitos meninos morreram em batalhas como guerrilheiros ou paramilitares sem nenhuma ideia daquilo pelo qual estavam a lutar”.

O padre Roux disse ter ficado surpreendido com a forma como a Colômbia se tornou “dessensibilizada” à violência.

“Tornou-se normal viver no meio de tanto sofrimento humano. Em 2001 ligaríamos a televisão e o primeiro item seria o massacre daquele dia. Ainda hoje há pequenos massacres, mas naquela época eram 100 pessoas, 80 pessoas. E o país continuou como se nada estivesse a acontecer, é incrível”.

“Os vendedores ambulantes continuaram a vender as suas coisas, os empresários continuaram com os seus negócios, os académicos continuaram a ensinar, os padres a presidir à eucaristia. Brutal. Porque é que a Colômbia não reagiu? Mais de 80% dos mortos eram civis desarmados – não eram combatentes. E isto continuou por cinquenta anos. Rasgamos a nossa própria dignidade em pedaços. Por isso fico impressionado com a atitude de Greta Thunberg em relação ao aquecimento global – porque sinto a mesma raiva – quando ela diz: «Como é que se atrevem? Como podem ousar pensar que são seres humano se permitem que isto aconteça?».”

Questionado sobre o que significava para si o relatório final da comissão, o Pe. Roux disse ao El País: “Significa uma experiência muito dura, de ser confrontado com a verdade. E ao mesmo tempo um apelo à esperança. Duro porque passamos por coisas muito profundas. Atravessamos o país mais uma vez e encontramos muitas mulheres violadas e abusadas”.

“As mais de 30.000 crianças levadas para a guerra e que agora estão a descrever como foram arrastadas, como foram violadas, como foram forçadas a fazer abortos. Encontramos muitas pessoas que foram sequestradas, de um total de mais de 27.000 sequestros. Mais de 1.000 famílias cujos filhos foram vestidos de guerrilheiros pelo exército e assassinados. Estivemos nas aldeias onde ocorreram massacres. Poderia continuar. Essa é a realidade do sofrimento. E os soldados que perderam as pernas, com os rostos queimados pelas minas. Dor enorme em todos os lados. A Colômbia tem de parar e pensar sobre isto e seguir em frente”.

O verdadeiro desafio do trabalho da comissão, diz o Pe. Roux, é a reconciliação.

“As pessoas querem que a verdade seja dita. E a um nível mais profundo, acreditamos na reconciliação”.

“Primeiro, baseiem-se na verdade, segundo, tomem a decisão de que não vamos começar a matar-nos novamente, terceiro, façam as outras pessoas sentirem: «Eu entendo-te, coloco-me no teu lugar e respeito-te». Quarto, caminhem em conjunto, mesmo que as coisas tenham sido tão difíceis. Mas não vamos esquecer, justamente para que não volte a acontecer. Vamos encher este país de lugares de memória para salvar a dignidade das pessoas que morreram”.

O sacerdote não considera que aquilo que está a fazer seja um ponto final.

“Queremos reunir o país numa conversa, aprofundar o que descobrimos. Não tenho medo de ser estigmatizado. O que me dá medo é não conseguir fazer o país entender o que aconteceu connosco e reconstruir as nossas diferenças. É tão difícil que não sei se estaremos à altura”, concluiu.

Artigo de Francis McDonagh, publicado no The Tablet a 18 de Maio de 2022.