Arquidiocese de Braga -

30 maio 2022

Pedro Zafra, o único padre espanhol na Ucrânia, proclama ao seu povo “amar o inimigo”

Fotografia DR

DACS com Vida Nueva Digital

A sua paróquia em Kyiv, onde muitas famílias inicialmente se refugiaram, hoje cuida de pessoas deslocadas do Leste.

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Há três meses, quando Vladimir Putin invadiu a Ucrânia, a embaixada espanhola evacuou de emergência os compatriotas que se encontravam no país. Neste momento, Pedro Zafra, de Córdoba, que está no país há dez anos como missionário do Caminho Neocatecumenal e foi ordenado sacerdote em Junho do ano passado, tomou a decisão mais importante de sua vida: ficar com os seus.

Depois de optar por ficar, abriu a sua paróquia em Kyiv para todos aqueles “que estavam sozinhos ou que queriam passar esta provação acompanhados”. Naquelas duras semanas, com as tropas russas a sitiar a capital ucraniana, idosos, mulheres e crianças reuniam-se no templo, levando uma vida comunitária de oração e, quando as sirenes soavam, refugiavam-se no bunker.

 

A situação está mais calma

Em conversa com o Vida Nueva, o único padre espanhol na Ucrânia congratula-se porque, dentro das enormes dificuldades que ainda marcam o seu dia-a-dia, “a situação em Kyiv está mais calma. Há mais movimento na rua e é possível ver ver como as pessoas estão a voltar. Pequenos estabelecimentos estão a abrir e carros e pessoas são vistas a andar. Temos que continuar a rezar, porque não sabemos o que pode acontecer, mas agora está tudo a começar a normalizar”.

Um parênteses no meio do horror em que Zafra aproveita para mobilizar a paróquia: “Estamos a abrir as nossas portas a muitas pessoas que vêm para Kyiv fugidas de outras regiões onde a situação é muito pior, especialmente do Leste, há muitas pessoas a vir de Mariupol, Kharkov, Donetsk ou Luhansk”.

 

Pastoral da escuta

Um abraço que vai muito além da ajuda material: “Damos comida e tudo o que eles precisam com mais urgência, mas também aproveitamos para conversar com eles. Contam-nos a sua experiência e nós escutamo-los, o que é muito importante num momento como este”, já que tentar acompanhar a dor abrindo os corações “é também uma forma de cumprir a missão”.

A nível pessoal, Zafra salienta que, “apesar da situação, este está a ser um tempo de graça”. Entre outras coisas, por saber adaptar-se à incerteza: “Assim como as pessoas tinham o seu projecto de vida, na paróquia tínhamos o nosso projecto pastoral. Agora nenhum de nós tem um plano, vivemos dia-a-dia.”

 

A missão não cessa

Uma caminhada rumo ao inesperado e que, em plena guerra, este missionário não perde de vista a missão: “Domingo passado saímos para uma praça próxima para anunciar, cantando, a Boa Nova”. Assim, sente que “o Senhor está presente no meio de tudo isso e consola-nos constantemente. Sustenta-nos através da oração, da Palavra e da ajuda humanitária e económica que vem de toda a Europa”.

“Sentimos que não estamos sozinhos. Como Jesus na cruz, que a primeira coisa que fez foi interceder diante do Pai pelos seus inimigos, a nossa missão é anunciar o amor ao próximo, também ao inimigo. Um trabalho que não podemos realizar com as nossas próprias forças, porque às vezes surgem pensamentos de ódio e incompreensão, mas é uma graça que o Senhor nos dá”, conclui.

 

O dom da própria vida

Algo que ele mesmo interioriza: “Hoje, para mim, amar significa dar a vida. Significa deixar os meus planos, os meus pensamentos e não viver mais para mim, mas para o meu povo. Jesus venceu a morte e eu experimento-a todos os dias, quando me levanto e posso agradecer a Deus pelo dom da vida”.

Uma experiência que se reflectiu numa história muito próxima: “Há um casal mais velho, com cinco filhos. Perderam dois deles em menos de um mês e meio; um na frente e outro, que por sua vez era pai de seis filhos, após sofrer uma trombose. No meio do sofrimento, deram testemunho da sua fé e, com muita paz, asseguram aos outros que Jesus derrotou a morte e que perdoam os seus inimigos”.

Nesta família vê “resumido o sofrimento de que todo o povo ucraniano está a padecer e que, no meio de tantas perdas, lhes dá sentido a partir da fé. Sem Jesus, em qualquer sofrimento podemos ver o inferno. Com Ele, vemos o Céu.”

Artigo de Miguel Ángel Malavia, publicado no Vida Nueva Digital a 29 de Maio de 2022.