Arquidiocese de Braga -
23 junho 2022
Teólogos devem ouvir as famílias, diz D. Philippe Bordeyne
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DACS com La Croix International
Entrevista exclusiva com D. Philippe Bordeyne, presidente do Pontifício Instituto Teológico João Paulo II para o Matrimónio e as Ciências da Família.
O Papa Francisco abriu o 10º Encontro Mundial das Famílias na noite de quarta-feira no Vaticano. O evento, que João Paulo II criou em 1994 e acontece a cada três anos, decorre até Domingo. O tema deste ano é “Amor de família: uma vocação e um caminho para a santidade”.
Delegados das Conferências Episcopais do mundo e representantes de movimentos internacionais que estão envolvidos na pastoral da família estarão presentes no encontro principal em Roma.
Mas o Vaticano também encorajou as dioceses de todo o mundo a organizar eventos locais. Este encontro mundial deveria ter acontecido no ano passado, mas foi forçado a ser adiado por causa da pandemia de COVID-19.
O Papa pediu que o formato deste ano seja “multicêntrico e estendido”, pois está convencido de que a mudança no contexto global devido à situação da saúde não pode ser ignorada.
E a teologia em torno das questões que afectam mais directamente as famílias de hoje?
D. Philippe Bordeyne, presidente do Pontifício Instituto Teológico João Paulo II para Ciências do Matrimónio e da Família, com sede em Roma, disse a Loup Besmond de Senneville, do La Croix, que os teólogos devem ouvir mais as famílias para melhor poderem acompanhá-las.
A Igreja precisa de rever a sua doutrina sobre a família?
A questão não é colocada nestes termos. A Igreja faz um trabalho considerável para acolher as famílias como elas são. Por exemplo, em França, hoje em dia, mais de 60% das crianças nascem fora do casamento e muitas dessas famílias vêm pedir o baptismo, assim como no resto da Europa, assim como na África e na América Latina, onde esse fenómeno é enorme, mesmo que não falemos sobre isso. A Igreja acolhe estas famílias, em diversas situações. Mas isso não basta, deve acompanhá-las.
O que é que isso significa?
Hoje, acolhemos as famílias, mas não as acompanhamos de verdade. Por exemplo, casais não casados ou recasados são acolhidos em nome da misericórdia, mas não abordamos a sua vida como casal. Sem dúvida por medo de fazermos a coisa errada. Mas o baptismo de uma criança é uma oportunidade de nos dirigirmos aos pais, porque um nascimento muda muitas coisas num casal. O próprio facto de pedir o batismo às vezes é uma concessão de um pai ao outro. É uma oportunidade para falar sobre a família e começar uma jornada. Há também situações para as quais não há proposta: estou a pensar em casais em processo de separação ou divórcio. Isso não é pensado nas nossas propostas.
Como podemos acompanhar melhor essas pessoas?
Devemos começar de onde eles estão – começar por ouvi-las. O trabalho teológico deve começar por aí: compreendendo a realidade e, em particular, estes fiéis “que muitas vezes respondem da melhor maneira possível ao Evangelho no meio das suas limitações e são capazes de realizar seu próprio discernimento em situações complexas”, como escreve o Papa Francisco na Amoris laetitia. Precisamos de ouvir a sua forma de estar em casal, por que querem ou não querem um filho. Devemos também estar atentos a como a graça de Deus está a operar nas pessoas. Porque se elas vêm à Igreja para o baptismo ou preparação para o casamento, isso significa que essas pessoas têm um desejo por Deus, por menor que seja esse desejo. Para isso, precisamos da sociologia, mas também devemos entrar numa compreensão mais propriamente teológica: como é que o Espírito Santo actua nos batizados? Como alcançar o desejo de Deus ligado a este desejo de família? O caminho sinodal que o Papa Francisco lançou é uma boa maneira de ouvir as famílias. As questões que hoje enfrentam os que acompanham as famílias são: como se adaptam ao contexto actual? À pobreza? À pressão exercida sobre as famílias? À relação com a vida profissional? Para fazer todo esse trabalho de escuta, os organizadores do Encontro Mundial das Famílias trazem casais durante vários dias. Nós, teólogos, devemos ouvi-los. Isso criará uma interacção entre a Igreja e as famílias.
Nesse contexto, o que devemos fazer com o legado de João Paulo II?
Devemos quatro mudanças muito importantes a João Paulo II. A primeira é a mudança cristológica na antropologia, ou seja, não perder de vista Cristo Salvador na nossa compreensão do ser humano. O segundo aspecto é o deslocamento místico e social da moral conjugal, que inclui a teologia do corpo e o papel social da família. Em terceiro lugar, há a maior valorização do laicado, que João Paulo II liderou na esteira do Concílio Vaticano II e que continua com Francisco. E, finalmente, a mudança cultural na evangelização, ou seja, a percepção de que não fazemos a mesma coisa na Europa e na Ásia. Esta herança é preciosa e devemos continuar a cultivá-la.
Entrevista de Loup Besmond de Senneville, publicada no La Croix International a 22 de Junho de 2022.
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