Arquidiocese de Braga -

25 julho 2022

Irmã Roberta Tremarelli: “As missões afastam-nos do individualismo para vivermos plenamente a nossa condição de baptizados”

Fotografia OMP España

DACS com Omnes

A Irmã Roberta Tremarelli, AMSS, Secretária Geral da Infância Missionária em Roma, afirma que “o mundo missionário de hoje mostra a universalidade da Igreja, a abertura e o acolhimento, a circularidade da solidariedade na oração e na caridade”.

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Nesta entrevista concedida à Omnes, a Irmã Roberta Tremarelli, AMSS, Secretária Geral da Obra da Santa Infância de Roma, relata o passado e o presente de uma organização cujas missões estão centradas nas crianças, um alerta a todos os baptizados.

 

Irmã Roberta, no grande conjunto de obras missionárias da Igreja há uma que talvez não seja muito conhecida, mas que tem raízes muito interessantes que remontam à evangelização da China já em meados do século XIX, a Obra da Santa Infância. Como surgiu este grande projecto de evangelização?

A época propícia para a fundação da Obra da Santa Infância foi a do Papa Gregório XVI, ex-prefeito da Congregação da Propaganda Fide, em cujo pontificado nasceram muitas congregações sacerdotais e congregações femininas missionárias ad gentes, bem como numerosas associações leigas, incluindo a Obra de Propagação da Fé de Pauline Jaricot. A Obra da Santa Infância nasceu na França a 19 de Maio de 1843, após um longo período de reflexão durante o qual o fundador, Charles de Forbin-Janson, se preocupou e se interessou pela salvação das crianças chinesas destinadas, por pobreza e ignorância, a morrer sem serem baptizadas. O desejo do fundador era ir como missionário para a China, mas nunca teve essa oportunidade. E assim continuou a alimentar a sua paixão missionária através dos testemunhos e cartas que lhe chegavam dos missionários franceses que partiram para a China.

 

Que notícias chegavam?

Graças a eles, conheceu as condições das crianças pertencentes a famílias pobres ou com dificuldades. Os bebés, assim que nasciam, eram eliminados, principalmente se fossem meninas e se tivessem algum defeito. Os missionários pediram ajuda para salvá-los, para acolhê-los nas missões onde foram baptizados e educados de forma cristã. O bispo levou o problema a sério e começou a sensibilizar a população.

 

Podemos imaginar que não foi uma coisa fácil de fazer…

Desde o início, Forbin-Janson teve muitas dificuldades para que se aceitasse a ideia de criar uma nova Obra Missionária, porque havia inúmeras fundações de Institutos Missionários em curso na França, e a de Forbin-Janson poderia parecer uma competição. Os próprios membros da Obra da Propagação da Fé opuseram-se seriamente à proposta do bispo. Mas a novidade da instituição se dirigir directamente a crianças superou qualquer perplexidade. Como a China parecia muito distante para os adultos, o bispo chamou a atenção das crianças para a situação das crianças chinesas e pediu-lhes disponibilidade para ajudarem a Igreja a salvar os pequeninos que morrem sem receber o baptismo com dois simples compromissos: uma Avé Maria um dia e um cêntimo por mês. Os meninos concordaram e, através da oração, sacrifício e gestos de solidariedade, iniciaram uma corrente de fraternidade universal que continua até hoje para salvar crianças de todos os continentes.

 

Com que objectivos nasceu esta Obra?

Os objectivos da Obra ficaram imediatamente claros, tanto para o Fundador, quanto para os seus colaboradores: resgatar da morte uma multidão de crianças e abrir o Céu ao maior número possível de crianças através do Baptismo; fazer destas crianças um instrumento de salvação como professores, catequistas, médicos, sacerdotes, missionários. O trabalho missionário infantil não era uma via de sentido único; as orações, os sacrifícios e a vontade das crianças europeias foram correspondidas pelas orações, os sacrifícios, a alegria e, por vezes, o testemunho de martírio das crianças chinesas.

 

E qual é o elemento característico?

O elemento característico é a participação activa das crianças e dos jovens na obra evangelizadora da Igreja. O Fundador dá às crianças o papel de protagonistas missionários na história da salvação. Pela primeira vez, os pequeninos actuaram na Igreja como actores pastorais e logo passaram a fazer parte da corrente de solidariedade universal: iniciou-se uma verdadeira cooperação espiritual e material entre as Igrejas, realizada pelas crianças, para a santificação e salvação.

 

Como se difunde no mundo de hoje?

Hoje a Obra da Santa Infância ou Infância Missionária estende-se a mais de 120 países do mundo e o lema inicial “as crianças ajudam as crianças” foi enriquecido para “as crianças evangelizam as crianças, as crianças rezam pelas crianças, as crianças ajudam as crianças de todo o mundo”. Fiel ao carisma inicial e ao desejo do Fundador, continua a procurar ajudar as crianças a desenvolver o espírito e o papel missionários, encoraja-as a partilharem a sua fé e meios materiais, e promove, encoraja e apoia as vocações missionárias ad gentes. É um instrumento de crescimento na fé, também numa perspectiva vocacional. É organizado de forma diferente, dependendo do contexto local. Oração, oferta e sacrifício são as três palavras-chave de todas as Pontifícias Obras Missionárias e também da Santa Infância, às quais se soma o testemunho, essencial para a fé cristã. A 3 de Maio de 1922, o Papa Pio XI, ciente da grande contribuição que a Obra tinha dado às missões durante cerca de oitenta anos, fê-la sua, reconhecendo-a como Pontifícia. A 4 de Dezembro de 1950, o Papa Pio XII instituiu o Dia Mundial da Criança, declarando o dia da Epifania como data de celebração, mas dando a cada nação a liberdade de adaptar a data às necessidades locais.

 

Tornou-se a Secretária Geral em 2017. Como é que o mundo das missões em geral e o cuidado com as crianças em particular mudou nos últimos anos caracterizados por muitas “emergências”?

Creio que hoje se procura promover cada vez mais consciência e responsabilidade missionária desde cedo. Há ainda aqueles que, ao falar de missão e missionários, pensam no padre de barba comprida que deixa o seu país e vai para longe para anunciar o Evangelho e ajudar outros povos e nunca mais volta. Ainda há muitos missionários ad gentes, como relatei, mas também há muitas realidades missionárias comprometidas com o anúncio missionário e a cooperação no seu contexto local, para encorajar os cristãos a viver segundo a natureza missionária que brota do Baptismo. Entre outras coisas, já não há países que recebem e outros que dão, não só ajuda económica, mas também uma presença humana prioritária. O mundo missionário de hoje, se olharmos de perto, mostra-nos a universalidade da Igreja, a abertura e acolhimento, a circularidade da solidariedade na oração e na caridade. Elementos que ainda não interiorizamos realmente para vivê-los em plenitude e profundidade. Além disso, há muitos sacerdotes e leigos fidei donum em missão, não só dos países da Europa, mas de todos os continentes; dioceses que organizam experiências missionárias no exterior para jovens. Cada proposta deve contribuir para abrir os nossos corações, mentes e olhos, ajudando-nos a sair da nossa clausura limitada. Esperemos que assim seja.

 

No dia 22 de Maio, Pauline Jaricot, fundadora da Obra para a Propagação da Fé, foi beatificada em Lyon. Uma fiel leiga que colocou toda a sua existência ao serviço das missões. Que ensinamentos a nova beata transmite aos leigos de hoje?

Pauline Jaricot foi uma mulher apaixonada por Jesus e pelas missões, atenta às necessidades dos outros, à realidade social do mundo ao seu redor e disponível para o Espírito Santo através da oração fiel e perseverante. Vivia com os pés no chão e o seu coração voltado para Deus. Muitos descrevem-na como uma mística em acção. Ela queria amar a Deus e fazê-lo amado por todos os homens e mulheres. Alimentou a sua paixão e o seu compromisso missionário na Eucaristia e com sacrifício. A sua vida é um convite para que todos os leigos e leigas cultivem uma relação com o Senhor para servir a Igreja e na Igreja. A sua criatividade no apoio às missões encoraja-nos a aproveitar as ferramentas que temos, mas também a ir mais longe, propondo os altos valores do Evangelho sem medo de ficar sozinhos. Pauline morreu pobre e sozinha, mas no seu coração tinha a alegria que só Deus pode dar.

 

Este ano também marca o 400º aniversário da Congregação Da Propaganda Fide, agora Dicastério para a Evangelização. Como tornar cativante a “paixão” e o empenho pela evangelização num mundo como o nosso, individualizado e algo “aborrecido”?

Eu diria que a resposta já está na pergunta: a paixão e o empenho missionário ajudam a sair do individualismo e do egoísmo, para descobrir que pertencemos a um mundo. Portanto, convido todos os entusiastas da missão a reintroduzirem fervorosamente a animação missionária e a informação missionária, bem feitas e com respeito pela dignidade. A paixão anima-se com estas duas, apoiada no testemunho de vida de quem as realiza, numa linguagem inclusiva e cúmplice. Cabe a cada um de nós, consagradas, sacerdotes, leigos, sair, como diz o Papa Francisco, não tanto para nos darmos a conhecer e promover as nossas iniciativas limitadas, mas para anunciar a salvação de Cristo.

 

Em que projectos está a participar actualmente como Obra da Infância Missionária?

Os projectos apoiados pelo Fundo de Solidariedade Universal (o grande mealheiro alimentado por crianças e jovens missionários de todo o mundo) da Obra da Santa Infância são diversos e a favor das Igrejas particulares da África, Ásia, Oceania e algumas da América Latina, os chamados “territórios de missão”. Mais de 15 milhões de dólares em subsídios foram aprovados no ano passado para crianças e jovens de 14 anos ou menos, distribuídos nas seguintes categorias de projectos:

– Pastoral ordinária, 16%.

– Formação e animação missionária, 16%.

– Educação escolar, 45%.

– Protecção da vida, 23%.

 

Quer fazer um apelo aos nossos leitores?

Claro que sim! Mais do que um apelo, um convite a visitar o site das Pontifícias Obras Missionárias, www.ppoomm.va para descobrir e aprofundar a realidade das POM que todo cristão deve conhecer e promover, para alimentar também a sua espiritualidade missionária. Além disso, para que aqueles que trabalham com crianças e jovens partilhem o carisma da Obra da Santa Infância e as várias propostas, a nível nacional e internacional, para integrá-los nesta rede mundial de oração e caridade ao serviço do Papa.

 

Entrevista de Giovanni Tridente, publicada em Omnes a 22 de Julho de 2022.