Arquidiocese de Braga -

17 março 2023

“Tenho fome!''

Fotografia Salama!

O Conquistador

Fátima Castro, Equipa Missionária Salama!

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Moçambique é dos países que mais sofre com o problema da fome. As razões são diversas e não são só climatéricas. A desigualdade social, a pobreza, a má distribuição de alimentos, o inadequado aproveitamento dos recursos naturais e os conflitos e guerras são algumas das causas. Na zona onde nos encontramos continua a aumentar a instabilidade e a insegurança. Há uma mobilidade muito grande das pessoas que faz com que não se fixem nas terras e, por isso, também não conseguem produzir. Por sua vez, há famílias a acolherem muitas outras famílias que fogem das zonas de conflito... Vivendo este povo de uma agricultura de subsistência, que muitas vezes é parca, assistimos impotentes não só à falta de alimento disponível, mas à impossibilidade das famílias terem dinheiro para comprar alimentos. Simplesmente não há... e os que há estão a ser vendidos a preços exorbitantes!

O ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural disse, a semana passada, durante um encontro que teve com o director-geral da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), Qu Dongyu, que, em Moçambique, "90 por cento da população tem alimentação segura, ou seja, já consegue ter três refeições por dia, o que, no entender dele, coloca o país fora dos países em risco de fome. Mas essa não é, de todo, a realidade de Moçambique e muito menos, de Cabo Delgado! Muitas instituições se distanciaram destas declarações e pediram justificação!

Na paróquia de Santa Cecília de Ocua todos os dias ouvimos esta expressão: "estamos a sofrer''. Ou então: "tenho fome É frequente, nos últimos tempos, chegarem à missão bebés que são alimentados com chima (farinha de milho), nos primeiros meses de vida, porque as mamãs não conseguem amamentar porque também não têm o que comer. Uma das mamãs já não comia há dois dias! Os papás vão apanhando todo o tipo de folhas para conseguir (sobre)viver e alimentar a família porque a chima, que é um alimento básico na alimentação das famílias, já terminou. Muitas crianças enganam a fome roendo pau de mandioca seca ou chupando cana-de-açúcar. Isso não é uma refeição!

O Papa Francisco, num encontro sobre sistemas alimentares da ONU no ano de 2021 em Roma, disse que garantir "o direito fundamental a um padrão devida adequado, ou seja, para alcançar a Fome Zero até 2030, "não basta produzir alimentos mas é preciso uma nova mentalidade e uma nova abordagem integral e projetar sistemas alimentares que protejam a Terra e mantenham a dignidade da pessoa humana no centro; que garantam alimentos suficientes globalmente e promovam o trabalho digno em nível local; e que alimentem o mundo de hoje, sem comprometer o futuro". Continuamos a alimentar o sonho de um mundo onde o pão, a água, os remédios e o trabalho não sejam uma miragem e cheguem (primeiro) aqueles que mais necessitem. Talvez assim deixemos de ter tantas famílias (em Ocua e no mundo!) que, ainda hoje, vão dormir com a angústia de não ter, no dia seguinte, chima suficiente que possa alimentar os seus filhos!

Artigo publicado no Jornal O Conquistador de 17 de março de 2023.


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