Arquidiocese de Braga -
19 março 2023
Ciclo de conferências Nova Ágora lançou olhar sobre os “Caminhos de Acolhimento”
DM - José Carlos Ferreira
Próxima sexta-feira há mais! A Nova Ágora encerra na próxima sexta-feira, dia 24, às 21h, com o tema “Escuta do outro: Religiões em Diálogo”.
Um olhar sobre os “Caminhos de Acolhimento” preencheu ontem, à noite, toda a segunda sessão do Ciclo de Conferências Nova Ágora, que está a decorrer no Auditório Vita.
Na abertura, o coordenador do “Nova Ágora”, Cónego Eduardo Duque, – traçando a sua visão sobre a temática – salientou que o assunto em debate “assenta na questão da dignidade da pessoa” e que “esta dignidade corresponde por igual a todas as pessoas, independentemente do credo, cor ou proveniência e outorga-lhes uma série de liberdades e de direitos inalienáveis”.
Perante D. José Cordeiro, os convidados para o painel da noite – o médico Tomás Bandeira e o Chefe de Missão da Organização Internacional para as Migrações em Portugal, Vasco Malta, com moderação do Professor Moisés Martins, e diante de um auditório praticamente lotado –, Eduardo Duque defendeu que “só o cristianismo reconhece que a dignidade da pessoa é irredutível, ou seja, não há pessoa sem dignidade, pelo que não se lhe pode ser arrebatada por ninguém, nem por qualquer instituição”.
“Filhos do mesmo pai”
Reforçando a sua posição, Eduardo Duque sustentou que “Cristo, quando veio ao mundo, revelou-nos que todos somos filhos do mesmo Pai, quer dizer que Deus é o Deus de todas as pessoas, dos que fogem das guerras, dos que lutam por uma vida mais digna, dos que procuram noutras paisagens o melhor para os seus filhos, dos que galgam montanhas e mares à procura de paz, etc., Deus é o Deus de quem se põe a caminho”.
“Ora, se somos filhos do mesmo Pai, somos todos irmãos e, ao partilhar a mesma filiação, revela-se que somos companheiros da mesma viagem. Desde logo, de Cristo. Jesus, ao ensinar o ‘Pai nosso’ aos discípulos, diz ‘Pai nosso’, como que a revelar o mistério de comunhão que nos traz unidos a Ele. Ele mostra-nos que partilhamos a mesma ossatura interior; o mesmo barro e a mesma dureza; as mesmas alegrias, mas também as mesmas angústias; que partilhamos o mesmo desejo de luz, de liberdade, de sonhar com uma vida melhor”, afirmou.
No seu entender, “sem esta compreensão da dignidade da pessoa, assente nesta fraternidade que a todos nos une e que, como refere o Papa Francisco, ‘é a âncora de salvação para a humanidade’, não teremos capacidade suficiente para uma autêntica união de povos e rapidamente brotarão os nacionalismos, que é uma das armas mais poderosas para desfazer a fraternidade”.
Falar de acolhimento é falar de integração e ter consciência do caminho do outro
Sob a moderação do professor Moisés Martins, o médico Tomás Bandeira apresentou o seu testemunho depois da exibição de um pequeno depoimento do jornalista da RTP, António Mateus, que não pôde estar presente na conferência.
Tomás Bandeira começou por sustentar que, para se acolher é preciso, em primeiro lugar, ser-se acolhido. “Quando falamos de acolher o outro, precisamente da interação com o outro, isso tem que passar, antes de mais, por ser acolhido. Da mesma forma que, quando somos crianças, para falar, primeiro ouvimos; antes de caminhar, primeiro observamos; para acolher teremos necessariamente de passar por um processo de ser acolhido”, disse.
Contudo, para o médico bracarense, o acolhimento tem ainda um segundo pilar fundamental. “Esse segundo patamar é o da consciência”, ou seja, “ter consciência do outro, ter a consciência que o caminho do outro, o processo de crescimento e experiência de vida do outro não é, necessariamente, igual ao nosso”, defendeu.
Assim, salientou Tomás Bandeira, se um dia somos nós que acolhemos o outro, a verdade é que nunca sabemos se, mais tarde, não seremos nós a ter que ser acolhidos. “Esta consciência parte, não só de um processo de reflexão interior, mas precisamente de um contacto com o mundo exterior”, salientou, contando à plateia do Auditório do Espaço Vita a sua própria experiência que passou por Moçambique, pelo México e a Grécia, onde trabalhou com migrantes, e por missões dos Médicos Sem Fronteiras em campos de refugiados no Sudão e no seu envolvimento como ativista social no Sahara Ocidental.
Para Tomás Bandeira, perante esta experiência, o acolhimento apresenta um terceiro pilar, “a luta contra a indiferença”. “Ensinar o acolhimento é projetar no futuro, é semear em alguém a capacidade de esse outro um dia mais tarde acolher”, concluiu.
Acolhimento e integração
Para o chefe de Missão OIM Portugal, “falar de acolhimento é falar de integração”. Segundo defendeu Vasco Malta, a integração da população migrante ocorre a vários níveis. “Eu vejo muitas vezes as pessoas a dizerem que essa é uma responsabilidade do Estado, essa é uma responsabilidade das autoridades públicas. Pois, meus caros, a integração e acolhimento começa aqui ao meu lado, começa em todos nós. Essa responsabilidade é individual, é familiar, e é comunitária, envolve, não apenas, os migrantes e as comunidades, mas também as autoridades, o setor privado e a sociedade civil”, acrescentou.
O chefe de Missão OIM Portugal chamou ainda a atenção para a importância das políticas de acolhimento e integração. Segundo explicou, “elas abordam a necessidade de gerir a presença dos migrantes que já residem nos países de forma permanente”, depois “porque as intervenções para promover a integração, a inclusão e coesão social beneficiam a todos”, e, por fim, a falta de apoio à integração de pessoas migrantes e refugiadas “pode ter uma série de consequências negativas, como a marginalização, a pobreza intergeracional”.
Na sua intervenção Vasco Malta avançou com alguns dados que surpreenderam o auditório. Segundo revelou, existem 218 milhões de pessoas migrantes no mundo, que representam 3,6 por cento da população mundial.
Acolher bem é excelente, mas isso não basta
Esta foi a mensagem que D. José Cordeiro, Arcebispo de Braga, deixou no encerramento da segunda conferência.
“Acolher bem é excelente, mas não basta. É preciso ir ao encontro, é preciso buscar e as voas experiências de vida (disse referindo-se aos oradores da noite) traduzem isso mesmo”, salientou.
Após a sua intervenção e falando à margem da conferência em declarações ao Diário do Minho, o prelado explicou que “buscar, cuidar, acolher, acompanhar são estes verbos ativos que nos fazem o outro como nosso irmão, mas nunca esquecendo que o outro é sempre o outro, porque é sempre diferente de mim e não posso projetar nele aquilo que considero ser para mim o mais importante”.
Para o arcebispo, é preciso respeitar na inteireza e na humildade a cultura, a língua o modo de ser, de estar, de pensar, de agir dos outros. “Só aí é que nós nos revemos como humanidade inteira, todos criados à imagem e semelhança de Deus, e não mais eu do que o outro, seja de que raça, religião, cultura, a língua for”, acrescentou.
Para D. José Cordeiro, dentro de um mundo onde a globalização da indiferença predomina, referindo-se ao que Papa Francisco tem vindo a sublinhar, a reflexões e os testemunhos que foram apresentados nesta última conferência da Nova Ágora “provocam em nós atitudes novas de fraternidade, de amizade porque o acolhimento acontece nos caminhos da vida”.
Para D. José Cordeiro, acolher não é apenas uma atitude passiva, tem de ser uma atitude pro-ativa, ou seja, ir ao encontro, de não ficar indiferente a tudo o que nos rodeia, no fundo, não ser indiferente ao outro. O Arcebispo acredita que aqueles que fizeram a experiência da emigração podem entender melhor os migrantes que vivem no meio de nós e, concretamente, na cidade de Braga. “É preciso ter uma atitude de um acolhimento responsável, que a todos envolve, ou seja, as pessoas, as autoridades políticas, sociais, económicas, religiosas, a toda a comunidade, para que possamos crescer de uma maneira responsável e, sobretudo, humana, para que dê gosto viver nos tempos que nos tocam”, afirmou.
Jornalista António Mateus enviou testemunho em vídeo
O jornalista da RTP, António Mateus, estava anunciado no painel da conferência sobre os “Caminhos de Acolhimento”, mas a doença de um familiar impediu-o de estar presente.
Mesmo assim, António Mateus fez-se presente com o envio de um pequeno depoimento de cerca de quatro minutos em vídeo sobre a temática em reflexão que foi reproduzido no ecrá do Auditório do Espaço Vita.
O jornalista da RTP sustentou que “acreditar ou defender que uma qualquer raça contém menos racismo ou xenofobia que outra é, em si, na melhor das hipóteses, um sinal de ignorância”. António Mateus, lembrando as suas recentes rotações na Ucrânia como enviado da RTP, disse tê-lo feito para perceber o impacto das decisões políticas, para lá da intenção. Segundo salientou, “governar é muito mais que ter boas intenções, é testar antes o impacto das mesmas, cancelá-las ou modificá-las perante evidências negativas”.
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