Arquidiocese de Braga -

27 março 2023

Nova Ágora desafia à paciência no diálogo para escutar o próximo

Fotografia DM

DM - Francisco de Assis

Última conferência do Ciclo Nova Ágora 2023 lançou olhar sobre “Escuta do Outro: Religiões em Diálogo”

\n

O Auditório Vita, em Braga, recebeu na sexta-feira, dia 24, a última conferência do 7.º Ciclo Nova Ágora, iniciativa da Pastoral da Cultura da Arquidiocese de Braga. Na sessão de ontem, “Olhares sobre a escuta do outro: Religiões em diálogo”, o cónego Eduardo Duque, responsável pela organização do evento, desafiou pessoas e religiões a ouvirem com o coração e afeto, bem como darem tempo para escutar o próximo.

Pedro Gil, consultor de comunicação da Igreja e diretor do Gabinete de imprensa do Opus Dei; Isaac Assor, líder da comunidade judaica em Portugal; e Khalid Jamal, dirigente da Comunidade Islâmica de Lisboa, foram os conferencistas convidados para debater o tema “Olhares sobre a escuta do outro: Religiões em diálogo”. A moderação da conversa esteve a cargo de Carmo Rodeia, diretora do Gabinete de Comunicação do Santuário de Fátima

Na abertura da sessão, e já em jeito de despedida, o cónego Eduardo Duque, coordenador do Nova Ágora, deu as boas-vindas e agradeceu a todos: ao Arcebispo de Braga, sempre presente; aos que participaram nas três sessões, agradecendo-lhes por terem feito o caminho com a organização; mas também aos que entraram a meio do caminho. 

“Recordamos que ninguém se salva sozinho; só é possível salvar-nos juntos, por isso, o princípio é o de que todos precisamos de todos, tal como lembrou o Papa Francisco, na Encíclica Fratelli Tutti, ao evocar o Grande Imã Ahmad Al-Tayyeb, com quem se encontrou, em Abu Dhabi, para lembrar que Deus criou todos os seres humanos iguais e os chamou a conviver entre si como irmãos”, disse.

“Será que há tempo para escutar o silêncio interior?”

Na sua intervenção, o cónego Eduardo questiona se numa sociedade tão acelerada como a que vivemos, se há tempo para escutar o silêncio interior.

“Sim, a resposta só pode ser afirmativa; até no caos é possível escutar a voz de Deus. Ponhamos os olhos em Etty Hillesum, judia que foi assassinada, na força da sua juventude, pelos nazis em Auschwitz”. Ela que levava uma vida desbandada em paixões, depois apercebeu-se do chamamento de Deus.

Segundo o cónego Eduardo Duque, já todos perceberam que o caminho da escuta exige treino, porque, como refere o Papa Francisco na Fratelli Tutti, “o mundo de hoje, na sua maioria, é um mundo surdo (…). Às vezes a velocidade do mundo moderno, o frenesi impede-nos de escutar bem o que outro diz. Quando está a meio do seu diálogo, já o interrompemos e queremos replicar quando ele ainda não acabou de falar. Não devemos perder a capacidade de escuta”, referiu, em jeito de ensinamento. 

Por fim, o coordenador da Nova Ágora quis deixar três ideias. “A primeira é deixar morrer o nosso ego à fome, como fez Etty Hillesum, que lhe permitiu mudar de vida; a segunda é distanciar-nos dos jogos estratégicos, do calculismo que tantas vezes estão nas nossas opções e deixar-nos ir pela força do Espírito, como ensina o mestre do arqueiro; e a terceira é não termos medo de encostar os nossos ouvidos ao chão e ouvirmos o que Deus tem a dizer-nos! Sabemos que, se for o caso, Ele pega em nós ao colo!”, concluiu, perante muitos aplausos do plateia.

“Olhares sobre a escuta do outro: Religiões em diálogo”

Naquela que foi a mais participada de todas, em todos os sentidos, os oradores apontaram a liberdade, a aceitação das diferenças, a escuta do outro e a verdade como fatores-chave para um diálogo interreligioso eficaz.   

O Coro Académico da Universidade do Minho deu o mote para uma sessão que seria viva do princípio ao fim, como reconheceu o próprio Arcebispo de Braga, D. José Cordeiro.

Durante as intervenções, os conferencistas expuseram os seus pontos de vista ou das religiões que representam, Católica, Judaica e Muçulmana. Apesar das divergências, em alguns casos insanáveis, os oradores concordaram que só a verdade, a aceitação do outro, a escuta paciente do próximo e das suas diferenças, sem abdicar da liberdade, é possível um diálogo interreligioso eficaz, capaz de por fim à violência e às guerras religiosas.

O primeiro a intervir foi Pedro Gil, da Igreja Católica. Com liberdade, assumiu dúvidas, pôs dedo nas feridas em que a Igreja está envolvida, mas, acima de tudo, também mostrou convicção na sua fé num Deus, que é sobretudo “bondade”.

Contou que, para participar no programa “E Deus criou o Mundo”, teve que exercitar outros “músculos” intelectuais para falar da fé católica, mas também da muçulmana e judaica. Tanto mais que, referiu, falar da ciência é mais fácil de provar em laboratórios, ao contrário de Deus ou de conceitos como o sentido da vida ou as questões do bem e do mal. Por outro lado, admitiu, os cristãos estão “destreinados” de falar sobre Deus.   

Por isso, no entender de Pedro Gil, diretor do Gabinete de Imprensa do Opus Dei, é urgente recuperar a arte de falar de Deus e lamenta a ausência de conversas sobre de Deus dentro da própria Igreja.

Sobre o diálogo interreligioso tem como finalidade o encontro de pessoas em primeiro lugar. Ou seja, antes de pensar em “apertar o pescoço” ao interlocutor, é fundamental acentuar a capacidade de diálogo. E a verdade tem que estar sempre presente. “Se uma religião não for verdadeira não vale nada. A verdade que anunciamos sobre Deus pode assustar. Mas as grandes verdades não têm de ser assustadoras. Não a que ter medo de Deus. Ele é sobretudo bondade. É o ser mais bondoso que possamos imaginar. E tem um coração frágil e quente como um coração de mãe”, comparou.

“O maior antídoto contra a violência é o diálogo” 

Isaac Assor, líder da comunidade judaica em Portugal, começou por mostrar-se agradavelmente surpreendido por tanta gente a querer ouvir falar de Deus numa sexta-feira à noite, lembrando que recentemente, também foi convidado para um Encontro das Equipas de Nossa Senhora, onde estiveram 800 jovens.

Ele descreveu o diálogo interreligioso como uma forma de contribuir para a pacificação no mundo. No entanto, entende que, apesar dos avanços significativos nesse campo, os resultados palpáveis no terreno estão aquém das expectativas.

Até porque, admite, sobretudo os líderes religiosos judaicos têm ainda muita dificuldade em reconhecer o rosto de Deus num cristão ou num muçulmano.

Isaac Assor recordou a longa experiência do judaísmo como minoria, obrigado a dispersar para manter a sua identidade.

Isaac Assor saudou a evolução das terminologias da Igreja Católica, que já não fala em conversão dos judeus. Para este religioso, "o maior antídoto para a violência é o diálogo”.

Khalid Jamal, entre outras considerações, deixou 10 ideias para alcançar o diálogo e, por conseguinte, a paz. Aliás, começou a sua intervenção com a tradicional saudação muçulmana, ou seja, "que a paz esteja sobre vós".  

Reconhece que é mais fácil o diálogo entre crentes: não ter medo de expor a identidade, conhecer o interlocutor, falar numa linguagem compreensível, simpatia, clareza, que é compatível com delicadeza; verdade, simpatia, não omitir os temas difíceis.

A fraternidade, a salvação, a ciência e as religiões, ou seja, como é que as religiões encaram a ciência foram algumas das muitas perguntas feitas pelo público, que esteve muito participativo.

O muçulmano admitiu que nos países de religião islâmica, não há liberdade religiosa e os líderes são incapazes de ver no líder de uma outra religião, um irmão. Mas garantiu estar a trabalhar para que haja mudanças.

Khalid Jamal defendeu os méritos do rigor no cumprimento dos horários de oração. Quanto às divergências sobre Deus, este líder entende que Deus é um só. Mas há várias maneiras de olhar para Ele. E é aí que surgem as diferenças, que muitas vezes levam à violência.

Este debate, franco, sem esconder as diferenças, mostrou que é possível o diálogo. Afinal, como disse a moderadora, Carmo Rodeia, Deus não criou cristão, muçulmano ou judeu. Criou o homem à sua imagem e semelhança.

D. José agradece contributos da "Nova Ágora" para o cuidado, acolhimento, diálogo e escuta

O Arcebispo de Braga foi o último a intervir. Visivelmente satisfeito pela forma como decorreu a iniciativa, da responsabilidade dA Arquidiocese, D. José Cordeiro elogiou e agradeceu não só a presença, mas sobretudo o contributo que estas conferências têm dado para a cultura do cuidado, do acolhimento e da escuta do próximo, mas também para o diálogo como caminho para a paz universal.

O prelado bracarense recordou que estas conferências, cumprindo, aliás, os propósitos da sua criação, não se limitam a abordar questões religiosas, mas sim questões transversais e universais à humanidade.

Elogiou os conferencistas pela forma aberta, pela cumplicidade como trataram o tema, com elevação e respeito. “Obrigado pelo vosso testemunho. Porque, como diz o Papa Francisco, e já dizia o Papa Bento XVI, sobre a fé e a religião, o que liga o homem a Deus e Deus ao homem não é uma questão de proselitismo, mas sim uma questão de contágio, de relação de amizade. Por isso, ouso ainda citar o Papa Francisco e dizer que é em nome de Deus que declaramos adotar a cultura do diálogo como caminho comum. A colaboração como conduta, o conhecimento mútuo como método, como critério. Este é o maior desafio para a cultura do diálogo e do encontro. Porque a vida é a arte do encontro. E a fé é reconhecer Deus na escuta uns dos outros. A escuta é muito mais do que um exercício de ouvir. É uma atitude espiritual”, disse D. José Cordeiro