Arquidiocese de Braga -

3 outubro 2023

“Que passos pede o Espírito Santo à Igreja para dar?”

Fotografia Ricardo Perna

Octávio Carmo - Agência ECCLESIA

Padre Paulo Terroso, que está em Roma para o Sínodo dos Bispos, como integrante da Comissão de Comunicação do Sínodo, fala sobre o processo sinodal

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Às vésperas do início do Sínodo, que começa amanhã, dia 4 de outubro, o padre Paulo Terroso, membro da Comissão de Comunicação do Sínodo, também director do Departamento de Comunicação da Arquidiocese de Braga e administrador do Jornal Diário do Minho, destaca que este é o momento de “operacionalizar, de concretizar o que foi escutado; de ser decantado a partir do fogo, digamos assim, do Espírito Santo, perceber o que Ele está a dizer à Igreja, de facto”.

‘Para uma Igreja sinodal: comunhão, participação, missão’ é o tema da primeira sessão da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, que terá uma segunda sessão em 2024.

Padre Paulo e Leopoldina Reis Simões, assessora de imprensa, são os portugueses que integram esta Comissão. O sacerdote falou sobre a assembleia e os caminhos que se apresentam em entrevista ao jornalista da Ecclesia, Octávio Carmo.

Dois anos depois, estamos de volta ao Vaticano para dar início a uma Assembleia do Sínodo antecedida por um percurso inédito. Olhando para este período, por tudo o que ele significou em termos de mobilização, de expectativas e debate, o que podemos esperar das próximas semanas?

Olho para esta experiência com muita alegria. É muito surpreendente, por várias decisões que foram tomadas, como a possibilidade de algumas mulheres poderem votar.

Quando olho para trás, com todo o ceticismo que havia, creio que muita gente não estava a compreender o que estava a acontecer. Eu próprio, a cada passo, renovo a minha leitura, cada vez mais aprofundada, e percebo que este caminho foi preparado desde o início do pontificado do Papa Francisco. Agora, estamos no momento de dar resposta a uma pergunta, declinada de dois modos: que passos pede o Espírito Santo à Igreja para dar? Este é o momento de operacionalizar, de concretizar o que foi escutado; de ser decantado a partir do fogo, digamos assim, do Espírito Santo, perceber o que Ele está a dizer à Igreja, de facto.

Temos razões para estarmos felizes. Se o Sínodo não tivesse provocado esta escuta, de tantas vezes, de forma real, estando a acontecer, não teria provocado tensões. Elas são uma confirmação de que as pessoas foram escutadas, a Igreja pôde falar – quem quis, dentro da Igreja, pôde falar, livremente, nos diálogos ao nível dos vários grupos paroquiais, na fase continental…

Agora, a Igreja reunida, vai perceber quais são os passos que o Espírito Santo lhe está a pedir, para realizar a sua missão de anunciar o Evangelho.

 

A nível da comunicação, existe o desafio de superar a narrativa de um Sínodo com dois blocos em confronto?

Não podemos dizer que não há dois blocos, a Igreja é muito mais plural do que isso. Por outro lado, reduzir esta questão à contagem de votos é, usando uma linguagem inaciana, do mau espírito. Aqui o objetivo não é ver quem ganha, quem tem os melhores argumentos, as melhores ideias, é perceber o que é possível fazer em conjunto. Podemos não estar de acordo, mas é possível ser Igreja, mesmo não concordando com o que o outro está a dizer, como é possível, desde o início, ser Igreja com posições diferentes. Às vezes, mesmo até com compromissos que são assumidos.

Por exemplo, quando se questiona, em Jerusalém, o tema da circuncisão ou das carnes imoladas – que hoje não são questões, estão completamente superadas, mas na altura era uma questão séria e poderíamos ter estado a assistir ao primeiro grande cisma da Igreja -, se não fosse dado aquele passo, o Cristianismo arriscar-se-ia a ser apenas uma seita. Por outro, no consumo das carnes que eram oferecidas aos ídolos, houve uma solução de compromisso, com o pedido de se abster.

Não vamos chegar a esse céu limpo, claro, como se já participássemos da plenitude da vida. Vamos fazer caminho, não tenho dúvidas. É a minha perspetiva, fruto também deste trabalho que tenho tido ao longo da presença ao nível da comunicação. Vejo as coisas a acontecer e sinto uma confirmação disso, mesmo a nível espiritual. Um dos grandes momentos foi esta vigília ecuménica de oração, no dia 30 de setembro, um momento de silêncio extraordinário em que estamos unidos, porque fazemos parte deste Corpo de Cristo. Na expressão máxima da comunhão, a Igreja está, é possível ser Igreja, embora nem todos pensemos do mesmo modo.

 

É possível afirmar que a Igreja é hoje mais sinodal do que em 2021, quando o Papa lançou este processo?

Penso que sim. A Jornada Mundial da Juventude foi um grande laboratório de sinodalidade e um dos pontos altos foi a Via-Sacra, pela qualidade dos textos. Mas qual foi o processo para chegar lá? A Companhia de Jesus escutou os jovens, a nível mundial, e colocou isso diante de Deus, iluminado pelo Evangelho, para depois oferecer aquelas reflexões. As pessoas reconheceram-se, nomeadamente os jovens, fizeram aquela Via-Sacra. Ou seja, ninguém se colocou a dar respostas a perguntas que nem sequer são feitas. Portanto, esta necessidade de nos escutarmos uns aos outros é fundamental. Essa foi grande parte do sucesso da JMJ, que nos fala de uma possibilidade de ser Igreja, porque não reflete aquilo que a Igreja é em Portugal, mas uma possibilidade. No fundo, tem uma dimensão sinodal de escuta, de trabalho em conjunto, portanto, o resultado só pode ser bom. A Jornada Mundial da Juventude foi um grande laboratório de sinodalidade e funciona, com esta abertura a todos, todos, todos. E chegam todos com a sua história, com tudo o que têm.

 

Durante o retiro espiritual de preparação para o Sínodo, foi sublinhado que, para alguns, “a ideia de um acolhimento universal” “é sentida como destrutiva da identidade da Igreja”, porque acreditam que a identidade exige “limites”. Essa é uma das tensões que podemos identificar, à partida, para esta assembleia?

Sim, nesse texto da segunda meditação do padre Timothy Radcliffe, há um aspeto muito interessante, porque parte da passagem da Transfiguração: há gente que se sente muito bem na casa onde está, no modo de ser Igreja. Mas há outros modos onde Deus faz casa em nós e que são possíveis. É a ideia de que na casa do Pai há muitas moradas.

Há na Igreja quem se sente confortável, do modo que está, e há outros que procuram a sua casa, o seu espaço dentro da própria Igreja. Qual é a dificuldade? É a ideia de que alguns já chegaram à terra prometida, a ideia de que nós já vivemos essa comunhão plena em Deus. Não, nós estamos a caminho. Isso significa que, estando tudo já dito, nem tudo está compreendido. Custa-me perceber como é que é possível dizer que a Igreja não tem mudado ao longo dos tempos, isso não é verdade, a história confirma precisamente o contrário: ela tem mudado. Não a Revelação, aquilo que foi dito, mas a compreensão que nós temos da Revelação. O Deus do Antigo Testamento é o Deus do Novo Testamento, mas a novidade de Cristo ajuda-nos a compreender aquilo que Deus já estava a dizer, de forma adequada a uma cultura, a um percurso que a própria humanidade estava a fazer. Deus vem sempre ao encontro da nossa realidade, daquilo que somos capazes de compreender, com o Espírito Santo a conduzir-nos para a verdade plena. Mas ainda não a possuímos de um modo total, há coisas que não compreendemos, compreenderemos mais à frente. Isso provoca sempre uma tensão, exige uma disponibilidade interior, uma flexibilidade que alguns, com o tempo, vão perdendo.

Cristalizar uma forma de Igreja, de liturgia, dizendo “a minha Eucaristia é melhor do que a tua”, isso é de evitar a todo o custo. Falta Teologia, falta reflexão, que é importante.

O Papa distingue conservadores e tradicionalistas. Os conservadores agarram-se a algumas coisas, muitas vezes sem perceber provavelmente o que significam; os tradicionalistas têm raízes, conhecem a realidade e a história da Igreja. Francisco disse-nos, num encontro privado que tivemos depois de Frascati (redação do documento orientador para a segunda fase do processo sinodal, outubro de 2022), que o Espírito vai fazer o seu trabalho e conduzi-los ao sítio certo. Quem está dentro da tradição, percebe que ela é dinâmica, é viva, que o Evangelho significa, ele próprio, mudança. No momento certo, vão saber dar esse passo. Os conservadores vão cristalizar uma forma de pensar, de ser Igreja, e será muito mais difícil.

Penso que o Sínodo vai ajudar – no diálogo, na própria metodologia – a sair daqui com uma comunhão reforçada, sem medo de abordar as questões difíceis.

 

Pessoalmente, como tem sido esta experiência de trabalho mais próxima com a realidade do Sínodo?

É uma graça imerecida, nunca me imaginei numa situação destas. Vi o imenso amor que as pessoas têm à Igreja.

A experiência de Frascati, para mim, talvez tenha sido a mais intensa, porque aí percebi a serenidade – era uma coisa que sentia, não sei como explicar. Santo Inácio diz que quando sentimos a alegria, a paz interior, é uma confirmação de que se estão a tomar as decisões certas, o caminho correto. Pessoalmente, tenho sentido isso, desde o primeiro momento, apesar das dificuldades: serenidade e paz. Mesmo quando parece que estamos a navegar num mar tempestuoso.