Arquidiocese de Braga -

5 outubro 2023

Pôr-se a caminho: Porquê?

Fotografia Pe. Alberto Vieira

CMAB

Pe. Alberto Vieira, mccj

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Ao comunicar aos demais membros do CMAB (Centro Missionário da Arquidiocese de Braga) que, depois de 8 anos de presença, deixaria os Missionários Combonianos de Famalicão recebi deles uma missão: porque se põe a caminho, mais uma vez, um missionário com coração ardente?

Já aqui em Florença (Itália) tive a alegria de ouvir o Papa Francisco falar de Comboni na audiência geral de 20 de setembro. Foi um empurrão para dizer a força que nos apressa na disponibilidade para repartir em missão. Quando em 2006 voltei à missão em Moçambique foi este o lema: repartir em missão. Tal como se reparte o pão antes de ser alimento exclusivo de apenas um, pode-se repartir o pão e também a missão, com todos, sempre e em todo o lugar. Mas, fisicamente, os pés a caminho com o Senhor levam-te mais longe, como nos recorda o hino: Se Tu me dás a mão, Senhor, meus passos serão firmes no andar. Leva-me mais longe!

Foram oito anos a aquecer os motores em Famalicão. Agora, de coração ardente, é tempo de… pés a caminho. Porquê?

O Papa recorda-nos na Mensagem do dia mundial das missões 2023 (DMM 2023): A imagem de pôr os «pés ao caminho» recorda-nos mais uma vez a validade perene da missio ad gentes, a missão confiada pelo Senhor ressuscitado à Igreja: evangelizar toda a pessoa e todos os povos até aos confins da terra. Todos têm o direito de receber o Evangelho. Os cristãos têm o dever de o anunciar sem excluir ninguém como quem partilha uma alegria, indica um horizonte estupendo porque a ação missionária é o paradigma de toda a obra da Igreja.

Foi esta herança que nos deixou S. Daniel Comboni como diz o Papa (21/9/2023): Enquanto outros abandonavam a África, Comboni sentiu que o Senhor lhe inspirava um novo caminho de evangelização, que ele resumiu com as seguintes palavras: «Salvar a África com a África» (Escritos, 2741 s.). Não há colonialismo algum nisto: é uma intuição poderosa que contribuiu para renovar o compromisso missionário: as pessoas evangelizadas não eram apenas “objetos”, mas “sujeitos” da missão. E São Daniel Comboni desejava tornar todos os cristãos protagonistas da ação evangelizadora. E com este espírito, pensou e agiu de modo integral, envolvendo o clero local e promovendo o serviço laical dos catequistas. Os catequistas são um tesouro da Igreja: os catequistas são aqueles que vão na frente na evangelização. Assim concebia também o desenvolvimento humano, interessando-se pelas artes e profissões, favorecendo o papel da família e da mulher na transformação da cultura e da sociedade. E como é importante, ainda hoje, fazer progredir a fé e o desenvolvimento humano a partir do interior dos contextos de missão!

Todos nós conhecemos a história famosa do cristão Samir e do muçulmano Mohammad, dois amigos inseparáveis que viveram na Síria nos finais do século XIX. Samir era um anão paralítico e Muhammad um cego.

Sem a luz dos olhos de Samir, Muhammad não teria maneira de se mover sozinho pelas labirínticas ruas da antiga Damasco, ao passo que o paralítico Samir não chegava a lado nenhum sem os pés de Muhammad. Um dependia do outro: a sua extraordinária amizade literalmente os completava.
Quando Samir morreu, Muhammad teria chorado durante sete dias por ter perdido a sua metade. Por fim, ele próprio acabaria morrendo de tristeza pela morte do amigo – que era também a morte dos seus olhos.

Quando cheguei a primeira vez a Moçambique em 1989 ainda se falava como viver a evangelização unida à justiça e paz e desenvolvimento, os ministérios laicais e o papel da mulher. Todos estes elementos fazem parte da evangelização e São Daniel Comboni soube muito bem harmonizar e valorizar cada um deles. Tudo, todos e sempre em Missão. Ninguém fica de fora. Como evangelizar sem construir fraternidade na justiça e na paz atentos aos mais pobres e abandonados? Todos somos necessários. Quem salva é sempre o Senhor e é por Ele e por nós que somos missão. Todos nos completamos: quem parte e quem fica; leigos, consagrados e ordenados.

Não se é cristão se não se sair de si mesmo para se pôr a caminho e levar o anúncio. Não há anúncio sem movimento, sem caminho. Não se anuncia o Evangelho parado, fechado num escritório, na escrivaninha ou no computador, fazendo polémicas como “leões do teclado” e substituindo a criatividade da proclamação com o copia-e-cola de ideias tiradas aqui e ali. Anuncia-se o Evangelho movendo-se, caminhando, indo (Papa Francisco 12-4-2023).

Artigo publicado no Suplemento Igreja Viva de 05 de outubro de 2023.


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