Arquidiocese de Braga -

26 janeiro 2025

Servidores de Esperança a tempo pleno

Fotografia Francisco de Assis

I Encontro de Pastoral Litúrgica, 25 janeiro 2025

1. Hodie

«Cumpriu-se hoje mesmo esta passagem da Escritura que acabais de ouvir» (Lc 1, 21). O hoje histórico de Jesus, torna-se o hoje da Liturgia, o hoje de cada Eucaristia.

Segundo o Ordenamento das Leituras da Missa, neste III Domingo do Tempo Comum encetamos a leitura semi-contínua do Evangelho do Ano C – S. Lucas: «A partir do III Domingo, começa a leitura semi-contínua dos três evangelhos sinópticos; esta leitura esta ordenada de modo a apresentar a doutrina própria de cada Evangelho, à medida que se vai desenrolando a vida e a pregação do Senhor. Além disso, com esta distribuição, consegue-se uma certa harmonia entre o sentido de cada Evangelho e o desenrolar do Ano litúrgico. Com efeito, depois da Epifania, lêem-se os inícios da pregação do Senhor, que se ligam muito bem com o Batismo e as primeiras manifestações de Cristo» (OLM, 105).

O texto bíblico do Evangelho de Lucas é constituído por duas partes, ligadas pelas clássicas palavras iniciais do texto bíblico-litúrgico “Naquele tempo”, ou seja, pelo prólogo do Evangelho (Lc 1,1-14) e pelo que se refere ao ministério de Jesus na Galileia, a inauguração da sua pregação na sinagoga de Nazaré (Lc 4,14-21).

    Lucas dedica o seu escrito a um certo Teófilo (=amigo de Deus), talvez um nome simbólico. Antes de começar a narrar a vida de Jesus, o evangelista explica os critérios orientadores, assegurando a referência de factos oculares e uma investigação cuidadosa, para se obter um conhecimento seguro do que transmite no Evangelho.

Na sinagoga em Nazaré, Jesus abre o livro da Palavra de Deus diante dos seus conterrâneos, que tinham os olhos fixos em Jesus, e lê uma passagem de Isaías, o grande poeta de Deus: «O Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me ungiu para anunciar a boa nova aos pobres. [...] e a proclamar o ano da graça do senhor». Jesus não vê a culpa, vê o sofrimento. Ele veio dar pleno cumprimento das Escrituras com a sua vida, operando, pela sua encarnação, uma leitura ampla e correta das palavras do Antigo Testamento, superando as mesmas palavras de Isaías, ao declarar: «Cumpriu-se hoje mesmo esta passagem da Escritura que acabais de ouvir».

2. Escutar para servir melhor

Os judeus, quando regressaram do exílio da Babilónia, reorganizaram a sua vida de fé e de culto a Deus. A vida religiosa renasce à volta da Bíblia, o Livro da Lei, que o sacerdote Esdras proclama «perante a assembleia de homens e mulheres e todos os que eram capazes de compreender». Mediante a escuta atenta da leitura, o povo relê a sua história passada como uma história de fé e de aliança com Deus e, em contemporâneo, uma história de culpa e de pecado.

Esdras lê, solenemente, o Livro da Lei, a partir de um estrado em plano elevado (ana-baino= “subir”, etimologia de Ambão, lugar elevado, fixo, dotado de conveniente disposição e nobreza, que corresponda à dignidade da Palavra de Deus) bem como os levitas, que liam clara e distintamente, o Livro da Lei de Deus, explicando o seu sentido, causa de grande emoção no povo. Seguidamente, o governador Neemias, Esdras e os levitas propõem ao povo a cessação do choro, motivando o início da festa «Hoje é um dia consagrado ao Senhor, vosso Deus. Não vos entristeçais nem choreis».

O Salmo 18 é um hino a Deus criador e autor da Lei, manifestando, assim, a natureza, a Lei e as perfeições do Senhor. Este Salmo responsorial, também, cantado na Vigília pascal, une as temáticas do Evangelho e da primeira leitura, ao afirmar: «A lei do Senhor é perfeita, ela reconforta a alma», sublinhando que a lei é o mesmo Senhor que não veio abolir, mas dar pleno cumprimento da Lei. A escuta da sua palavra conduz os crentes ao louvor e à ação de graças, porque a sua Palavra é fonte de vida «As vossas palavras, Senhor, são espírito e vida».

Por isso, «Não há liturgia cristã se, aos gestos que fazemos, não corresponde uma vida de fé, esperança, caridade» (Papa Francisco).

3. Um só Corpo

A unidade na diversidade dos carismas (dom concedido a cada um para o serviço de todos) é descrita por Paulo, a partir de um tema conhecido na cultura helénica, o corpo humano como imagem do corpo social, induzindo ao respeito pela diversidade dos seus membros em ordem a uma finalidade comum. Neste texto, Paulo integra uma explicação escatológica, um elemento referente ao Batismo e à Eucaristia: «Na verdade, todos nós – judeus e gregos, escravos e homens livres – fomos batizados num só Espírito, para constituirmos um só corpo, e a todos nos foi dado a beber um só Espírito». Aos Coríntios, que estavam longe de viverem segundo o Espírito Santo, visto existirem entre eles divisões e tentativas de domínio de alguns sobre os outros, o Apóstolo indica o caminho do corpo harmonioso, no qual cada um descobre o seu lugar para o bem de todos. O primado é da ação do Espírito Santo que distribui os seus dons. Porém, não se descuida o valor da edificação da comunidade.

A Oração Coleta deste III Domingo do Tempo Comum ou Domingo da Palavra de Deus é uma composição concisa, no sentido da obediência filial à Palavra do Pai, «dirigi a nossa vida segundo a vossa vontade», e à fecundidade espiritual da Igreja em Cristo, «para que mereçamos produzir frutos de boas obras, em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho».

4. Ministérios na Igreja sinodal missionária

Juntos, no caminho de Páscoa, podemos perguntar: no contexto de uma liderança pastoral partilhada / liderança pastoral sinodal, o que é específico de cada um? Qual o papel dos leigos e qual o papel dos clérigos e de uns em relação para com os outros?

O documento final da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, na segunda sessão de 2 a 27 de outubro de 2024, salienta: «em resposta às necessidades da comunidade e da missão, ao longo da sua história a Igreja deu origem a alguns ministérios, distintos dos ordenados. Estes ministérios são a forma que os carismas assumem quando são reconhecidos publicamente pela comunidade e por aqueles que têm a responsabilidade de os orientar, e são colocados de forma estável ao serviço da missão. Alguns estão especificamente mais voltados para o serviço da comunidade cristã. De particular relevância são os ministérios instituídos, que são conferidos pelo bispo, uma vez na vida, com um rito específico, depois de um discernimento apropriado e de uma formação adequada dos candidatos. Não se trata de um simples mandato ou de uma atribuição de tarefas; a atribuição do ministério é um sacramental que molda a pessoa e define o seu modo de participar na vida e na missão da Igreja. Na Igreja latina, trata-se do ministério do leitor e do acólito (cf. Carta Apostólica sob a forma de Motu proprio Spiritus Domini, 10 de janeiro de 2021), e do ministério do catequista (cf. Carta Apostólica sob a forma de Motu proprio Antiquum ministerium, 10 de maio de 2021)» (n. 75).

A Conferência Episcopal Portuguesa no documento: Ministérios laicais para uma Igreja ministerial, aprovado em junho de 2022 e publicado em setembro de 2022, mostra, de forma sintética, as notas características dos ministérios instituídos: vocacional, laical, necessário, eclesial e estável. Sublinhamos a dimensão Vocacional: o ministério brota de uma “vocação” que é dom e graça do Espírito Santo, e é um “carisma” que reconduz à fonte de todos os carismas; daí a invocação da bênção de Deus na celebração da instituição.  Os ministérios devem ser considerados uma verdadeira vocação, isto é, um chamamento da Igreja que reconhece em tal pessoa um projeto divino sobre ela, a fim de servir o Povo de Deus e a sua missão.  

«Para muitos fiéis, a Eucaristia dominical é o único contacto com a Igreja: cuidar da sua celebração do melhor modo, com particular atenção à homilia e à “participação ativa” (SC, 14) de todos, é decisivo para a sinodalidade. Na Missa, de facto, ela acontece como uma graça concedida do alto, antes de ser o resultado dos nossos esforços: sob a presidência de um e graças ao ministério de alguns, todos podem participar na dupla mesa da Palavra e do Pão. O dom da comunhão, da missão e da participação – os três eixos portadores da sinodalidade – realiza-se e renova-se em cada Eucaristia» (Doc. Final 142).

Estamos confiantes que também a nossa nota pastoral – Ministérios laicais na Igreja sinodal missionária – pode orientar os passos da ministerialidade na vida da nossa Arquidiocese, proporcionando uma caminhada em conjunto. É preciso dar cidadania à vitalidade criativa do Espírito Santo, que não deixa de tornar fecunda a sua Igreja.
    
Juntos, servidores do Servidor, no caminho de Páscoa, sob o olhar da Virgem Santa Maria, Mãe da Esperança.


+ José Manuel Cordeiro
Arcebispo Metropolita