Arquidiocese de Braga -

17 abril 2025

Presbítero, figura de esperança

Fotografia DACS

Homilia do Arcebispo, D. José Cordeiro, na Missa crismal, 17 de abril de 2025

1. Repletos da grande esperança

Decorrido um ano pastoral que teve como centro da nossa vida diocesana o V Congresso Eucarístico Nacional e nos demandámos como presbitério eucarístico, agradeço de inteiro coração o vosso precioso empenho e consciência diocesana na formação, celebração e adoração. Seguimos agora o nosso caminho de Páscoa sob o tema da Esperança, o mote do Jubileu que celebramos este ano em toda a Igreja Universal. 

Infelizmente, a esperança sempre foi o “parente pobre” das três virtudes teologais, pois a tradição da Igreja sempre se focou mais na fé e na caridade, “esquecendo-se” em certa medida da virtude da esperança. Daqui surgiu também um certo “prejuízo na vida presbiteral”: sobrevalorizou-se a identidade do presbítero enquanto figura de fé e de caridade, ou seja, do presbítero como mestre em doutrina e do presbítero hábil nas obras de misericórdia, e quase se ignorou a sua identidade enquanto “figura de esperança”. Por esta razão, o Jubileu surge como uma oportunidade de recuperarmos este equilíbrio presbiteral, meditando sobre este terceiro aspeto da vida presbiteral.

2. Esperança sólida

Das muitas definições técnicas e poéticas da esperança, São Paulo, ao cruzar a sua formação hebraica com a cultura grega que habitava, decretou o significado cristão desta palavra: a nossa esperança é Jesus Cristo (1Tm 1,1). Se a esperança grega era uma esperança antropológica e incerta, a esperança cristã, na continuidade da esperança hebraica, não é um prognóstico otimista, mas uma relação com Cristo. Sendo Ele a fonte da nossa esperança, podemos agora estar tranquilos, porque esta «esperança não engana» (Rm 5,5).

Se a fé é um convite de Deus endereçado ao ser humano e a caridade é a resposta a esse convite enquanto ação direcionada em prol dos outros (1Jo 4,20), a esperança é, por sua vez, o movimento individual do humano em direção a Deus. Por isso, ser peregrino de esperança não é outra coisa senão o caminhar em direção a Deus e com Deus, como escutávamos e cantávamos no salmo responsorial. 

Caso contrário, podemos cair no mesmo erro daquele que é uma das referências principais do nosso ministério: o apóstolo Pedro. Como nos relata uma antiga tradição cristã, após o início da perseguição aos cristãos no ano 64, Pedro foge apavorado de Roma pela Via Ápia e eis que a certa altura encontra Jesus que vem em sentido contrário. Ao vê-lo, Pedro pergunta: “para onde vais, Senhor?”. E Jesus responde: “vou para Roma para ser crucificado novamente”. Pedro percebe então um princípio estruturante da vida espiritual: às vezes, até podemos estar na estrada certa, mas na direção errada. 

É por isso que um presbítero precisa de alimentar a sua esperança. Só uma esperança sólida faz uma fé e uma caridade sólidas, e vice-versa. Com efeito, assim se expressou o nosso santo arcebispo Bartolomeu dos Mártires: «a boa consciência nada toda ela em esperança; a má consciência afasta a esperança». E daqui uma pergunta espiritual para as nossas vidas: se eu não saboreio a esperança, como posso comunicar esta esperança aos outros?

3. Na escola da Esperança

O programa pastoral que Jesus apresenta no Evangelho de hoje (Lc 4,18-19), lido pelo primeiro leitor da Igreja [Jesus], na continuidade da profecia da primeira leitura, é um pequeno “tratado de esperança”. A sua ação não é outra coisa senão o devolver a esperança àqueles que estão aprisionados na sua doença, na sua escravidão, na sua pobreza ou na sua tristeza. Em boa verdade, a esperança cristã não consiste em “ver coisas novas”, mas “ver as coisas de um modo novo”. É esta sabedoria existencial que somos chamados a viver e a anunciar! 

A Missa do crisma ou da unção confirma-nos no caminho de Páscoa que juntos realizamos em Jesus Cristo com o sonho de O levar a todos. Este é um exercício permanente: sermos “contemplativos na ação” e não “consumidos pela ação” (P. Kolvenbach). A paciência é a esperança quotidiana.

Na nossa ação pastoral, vários são os areópagos e momentos em que somos chamados diariamente a valorizar esta virtude (cf. Spe salvi 32-48). Recordo apenas alguns: sempre que visitamos um doente no hospital, passamos num velório para confortar a família enlutada, preparamos com ardor a homilia de um funeral (bem como, todas as outras homilias), rezamos a Palavra de Deus e as orações da piedade popular com elementos de esperança, acolhemos com alegria e mestria aqueles que somente vêm “pedir papéis” ao cartório paroquial, celebramos com arte e beleza a liturgia da Igreja, realizamos com frequência o precioso sacramento da santa unção, acompanhamos os pobres e os excluídos com gestos de amor, sentamo-nos sem medo e sem pressa num confessionário para escutar as biografias feridas… no fundo, estamos a ser um farol de esperança para tanta gente desesperada, mesmo sem nos darmos conta disso. 

Por esta razão, talvez devamos concordar com J. Moltmann (+2024), conhecido pelo “teólogo da esperança”: a atual crise de fé deriva de uma crise de esperança. Logo, eis o cerne da ação pastoral contemporânea: se anunciarmos e testemunharmos a esperança (1Pe 3,15), é muito provável que a fé se reacenda. 

4. Testemunho original

Para concluir, o jovem Carlo Acutis, que será canonizado na próxima semana, deixava-nos esta curiosa metáfora citada na exortação apostólica pós-sinodal Christus vivit, 106: «todos nascem como originais, mas muitos morrem como fotocópias» e acrescenta o Papa Francisco: «não permitas que isso te aconteça». Na mesma lógica poderíamos reformular: Deus deseja presbíteros originais, não presbíteros que sejam fotocópias. 

Como sabem, nós só temos um modelo: Cristo-sacerdote (Hb 5,5-6), o nosso Alfa e Ômega, Aquele que é, que era e que há de vir, o Senhor do Universo (cf. 2.ª leitura, Ap 1, 5-8). E a nossa “originalidade” consiste em deixar que Deus molde a nossa vida, de modo que, como descreve a espiritualidade paulina: «já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim» (Gl 2,20). A esperança é este espaço intermédio que impede que Deus seja absorvido pelo humano ou que o humano seja anulado por Deus. Sem a esperança, a qual nos direciona para o autêntico horizonte da nossa estrada, que é Cristo (Tt 2,13), facilmente perdemos a fonte da nossa originalidade, porque passamos a ser “fotocópias” daquilo que o mundo quer, em vez de sermos aquilo que Deus quer. 

Que o Tríduo Pascal que iniciaremos esta tarde nas nossas comunidades paroquiais seja vivido com este propósito: celebrarmos o mistério da nossa esperança! E quanto a vós, caros presbíteros: obrigado por serdes um profícuo testemunho de esperança para o Povo de Deus!

 

+ José Manuel Cordeiro