Arquidiocese de Braga -
18 abril 2025
A Cruz permanece firme

Homilia do Arcebispo, D. José Cordeiro, na Sexta-Feira Santa, 18 abril 2025
1. Encarnação e redenção
Ao comemorar o Ano Santo Jubilar dos 2025 anos do mistério da encarnação do nosso Redentor: «dificilmente se pode encontrar uma outra afirmação teológica, na qual o Oriente é assim tão concordante com o Ocidente, como aquela segundo a qual a encarnação aconteceu em vista da redenção da humanidade na cruz» (H. U. von Balthasar).
Toda a vida terrena de Jesus tende para a cruz. Com o tema fundamental da hora de Jesus, o texto passa dos gregos aos crentes. Este termo é essencial na teologia Joanina e indica diversas coisas, mas, a hora derradeira da cruz é o grande mistério de todo o mistério. A hora de Jesus é a grande passagem – a Páscoa. É a grande hora do amor. É ainda a hora de ver o invisível no visível da cruz pascal. E este é o enorme risco da fé.
A porta da fé faz-nos entrar na justiça, na paz e na alegria do Espírito Santo (cf. Rom 14,17) e liberta-nos na suavidade da Graça: «Ubi fides, ibi libertas», assim afirmou Santo Ambrósio (340-397). Todavia, nunca esqueçamos que a cruz e a Páscoa são inseparáveis. Em Cristo, não há Páscoa sem cruz e não existe cruz sem Páscoa.
O Cristianismo fundamenta-se numa experiência tocante, qualificante, que muda gente desesperada em testemunhas de uma vida transformada.
2. Caminho pascal
A dimensão contemplativa na Igreja segue um caminho pascal. A vida cristã só tem sentido como vida em Cristo.
Antes de tudo, como declara São Bento na Regra: «Nada, absolutamente nada antepor a Cristo». Não antepor o urgente sobre o importante. Tal ensinamento vital é reafirmado por Nicolau Cabasilas: «Só Ele, de facto, nos inicia nos mistérios e é os mistérios, também só Ele preserva em nós o dom que nos fez e nos dispõe a perseverar naquilo que recebemos, “porque – diz – sem Mim nada podeis fazer” (Jo 15,5)».
Como é que Jesus se dá a conhecer pela Cruz?
A cruz é a manifestação máxima do amor de Deus. Os escritos joaninos oferecem um testemunho abundante, como este «não há maior prova de amor que dar a vida pelos amigos» (Jo 15,13).
Hoje a liturgia reveste-se da cor vermelha, para significar que Jesus Cristo é vencedor, conforme escutamos na narração da paixão segundo o evangelho de São João. Jesus fala da cruz em termos gloriosos. A cruz é glória do amor. Na cruz contemplamos um amor forte. O poder, a fama e a riqueza não entram nesta glória. Só o serviço, a pobreza e a humildade são caminho do amor, do grão de trigo que morre. Deus entregou-se à liberdade dos seres humanos. Todos esperavam um Deus que se impusesse a todos. Deus escolheu o caminho do amor que respeita a liberdade.
3. Impedimentos à Esperança
Há pessoas que já não têm lágrimas para chorar a sua pobreza e os seus sofrimentos.
“Não podemos aceitar que mais de 70% dos doentes continue sem acesso a cuidados paliativos”. Precisamos de elevar mais alto o apelo porque no Portugal de 2025, a maior parte dos adultos e crianças em situação paliativa estão a ser abandonados à sua sorte, ano após ano! Atravessemos – comunidades e governos - a fronteira das justificações que, ano após ano, impedem a esperança e as lícitas expetativas dos doentes e suas famílias.
O Pe. Júlio Fragata S. J., (1920-1985), que foi professor universitário em Braga e Superior Provincial da Província Portuguesa da Companhia de Jesus, era um homem de grande erudição, associada a modéstia e discrição. Antes de ser operado de um cancro no estômago, registou no seu Diário Espiritual: «Na expectativa de tudo o que me pode acontecer, desejo evitar esbanjar aquilo que mais se esbanja neste mundo, que é o sofrimento. Porque o sofrimento sem amor é um esbanjamento».
Na sua morte, Jesus associa a si todas as pessoas, tornando-as filhas de Deus. Um Padre da Igreja, Clemente de Alexandria, repetia muitas vezes: «viste o teu irmão? Então viste Deus».
Queremos ver Jesus? Queremos conhecê-Lo, amá-Lo, segui-Lo, anunciá-lo e testemunha-Lo com a vida toda? «Estamos ligados por um laço radical e indestrutível a todos os que sofrem e são excluídos; todos somos chamados a trabalhar para que a salvação chegue a eles em especial. Anunciar significa aqui “dar de comer”, “dar de beber”, “reunir”, “vestir” e “visitar” (Mt 25,34-40), irradiar a glória humilde da fé, da esperança e da caridade para aquele em quem não se acredita, em quem ninguém espera e que não é amado pelo mundo. Anunciar significa fazer resplandecer estas virtudes teologais através da humilhação e do sofrimento, o que só pode vir de Cristo Salvador, e, por conseguinte, dar testemunho dele e ajudar a encontrá-lo. Mas não nos enganemos: estes crucificados da história são Cristo entre nós, no sentido mais forte possível: “foi a mim que o fizestes” (Mt 25,40). O Crucificado-Ressuscitado conhece intimamente os sofrimentos deles, e eles conhecem os seus» (CTI 2025, 123).
Que a Igreja de Cristo que vive em Braga depois de O ver, possa levar Jesus aos homens e mulheres nossos contemporâneos e conterrâneos.
A cruz é caminho de Páscoa. Esta ideia está bem sublinhada no lema da Ordem Cartuxa: stat crux dum volvitur orbis (a cruz permanece firme enquanto o mundo gira). Assim, o compromisso cristão com o mundo tem um paradigma firme e intacto.
Sebastião Alba (1940-2000), um escritor de Braga que nasceu e morreu em Braga, tendo atravessado a cruz da vida e, por fim, optado por viver na rua na nossa cidade (capela de santo Adrião) e peregrino da cidade e do mundo, acompanhado por esferográfica, papel e rádio, escreveu: «Tudo quanto fizermos de bom é preciso fazê-lo tão bem como se o fizéssemos pela última vez, e nunca mais, na vida, houvesse tempo».
+ José Manuel Cordeiro
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