Arquidiocese de Braga -
18 abril 2025
Palavras de Jesus na Cruz

Laudes na Sexta-feira Santa - D. José Cordeiro - A crise da Cruz
As sete palavras de Jesus na Cruz
Uma enorme piedade envolve as sete últimas palavras de Jesus proferidas na cruz e que são palavras da única Palavra de Vida dada na Ressurreição:
- «Perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem» (Lc 23,34)
- «Hoje estarás comigo no Paraíso» (Lc 23,43)
- «Mulher, eis o teu filho! Filho, eis a tua mãe!» (Jo 19,26-27)
- «Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?» (Mc 15,34)
- «Tenho sede!» (Jo 19,28)
- «Tudo está consumado» (Jo 19,30)
- «Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito (Lc 23,46)
As primeiras e últimas das sete palavras dirigem-se ao Pai, bem como a quarta palavra, colocada no centro da equação setenária, como grito de abandono e de confiança. Contemplar estas palavras derradeiras juntamente com Maria, Mãe e filha da Igreja é viver o mistério da Cruz com Aquela que é Mãe e Filha do Seu próprio Filho. A via-sacra é uma expressão da piedade popular que nasceu no século XIV e continua muito bem acolhida na vida da Igreja.
1. «Perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem» (Lc 23,34)
Lucas é o evangelista da misericórdia e do perdão. Aqui narra-se a oração de Jesus ao Pai na hora da crucificação.
O perdão é para o futuro, não só para o que passou. O perdão não é um mero sentimento, mas uma decisão e, sobretudo, uma atitude. O perdão constitui um bem mais forte que um mal.
A atitude fundamental é: “eu quero a paz”; “eu quero perdoar”.
Na verdade, «O perdão dá a vida aos mortos e enche de beleza os feios. O perdão significa que a cruz é a nossa arvore da vida». Recomeçar sempre é o caminho feliz da vida, porque a própria vida é feita de recomeços constantes.
Precisamos de olhar para o futuro com esperança num compromisso com uma educação integral, o que significa também saber formar para a justiça e a paz. É necessário ajudar as crianças, os adolescentes e os jovens a desenvolverem uma personalidade de paz, no respeito pela sacralidade da outra pessoa, com a força interior de construir o bem comum, mesmo quando isso custa sacrifício e diálogo, com a reconciliação e o perdão.
Não basta constatar, é necessário e urgente agir e dar memória ao futuro!
Os jovens não podem ficar na varanda ou à janela a olhar para a vida que passa na rua. O Papa Francisco tem repetido que os jovens não podem viver sentados num sofá ou nas bancadas.
Neste mesmo espírito da inteligência da paz, aos embaixadores dos países junto da Santa Sé, o Papa Francisco augurou no dia 8 de janeiro de 2024: «Por fim, o caminho da paz passa pela educação, que é o principal investimento no futuro e nas gerações jovens. Permanece viva em mim a recordação da Jornada Mundial da Juventude realizada em Portugal no passado mês de agosto. Ao mesmo tempo que volto a agradecer às Autoridades portuguesas, civis e religiosas, o empenho posto na organização, conservo no coração aquele encontro com mais de um milhão de jovens, provenientes de todas as partes do mundo, cheios de entusiasmo e vontade de viver. A sua presença foi um grande hino à paz e o testemunho de que “a unidade é superior ao conflito” e que é “possível desenvolver uma comunhão nas diferenças”».
A paz nasce de um coração amado e perdoado. Em cada celebração manifesta-se o dom da paz e por isso na sua conclusão somos enviados em missão como edificadores da paz: «Ide em paz e o Senhor vos acompanhe».
Uma educação e uma cultura para a paz exige o perdão, como sintetizou lapidarmente o bispo anglicano Desmond Tutu: «não há paz sem perdão».
«No meio da humanidade dilacerada por divisões e discórdias, reconhecemos os sinais da vossa misericórdia, quando dobrais a dureza dos homens e os preparais para a reconciliação. Com a força do Espírito Santo moveis os corações, para que os inimigos procurem entender-se, os adversários se deem as mãos e os povos se encontrem na paz e concórdia. Pelo poder da vossa graça, o desejo da paz põe fim à guerra, o amor vence o ódio e a vingança dá lugar ao perdão» (Oração eucarística da Reconciliação II).
2. «Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito (Lc 23,46)
A cruz é o sinal máximo da Misericórdia! É o próprio Senhor Crucificado e Ressuscitado que nos diz da capacidade de fazer misericórdia. Cada um faça o que pode fazer para o bem de todos e de cada pessoa que mais precisa.
Jesus vence na cruz a desolação e entrega-a ao Pai.
O Papa Francisco adverte-nos: «O caráter social da misericórdia exige que não permaneçamos inertes, mas afugentemos a indiferença e a hipocrisia para que os planos e os projetos não fiquem letra morta. Que o Espírito Santo nos ajude a estar sempre prontos a prestar de forma efetiva e desinteressada a nossa contribuição, para que a justiça e uma vida digna não permaneçam meras palavras de circunstância, mas sejam o compromisso concreto de quem pretende testemunhar a presença do Reino de Deus».
Podemos, em cada dia, ao cair da noite, fazer um exame de consciência e interrogar-nos sobre o futuro do que fizemos nesse dia. «Certamente não tem futuro as nossas mesquinhices, as nossas ambições, as nossas durezas, as nossas mentiras, as nossas hipocrisias, as nossas cobiças, as nossas superficialidades, os nossos arbítrios. Tem futuro aquilo que conforta a esperança, aquilo que faz estremecer o coração, aquilo que aproxima de Deus, da verdade, da justiça, aquilo que nos torna interiormente livres e transparentes, aquilo que abre os olhos e o coração, aquilo que dilata a visão» (S. Chialà, monge de Bose).
Fazer misericórdia é construir a paz. «Não existe cristianismo, nem humanidade sem paz. Ou tu és homem [pessoa] de paz, ou não és sequer um homem [pessoa]. Sem paz não é concebível a própria vida: se por vida entendemos um estado harmonioso, um estado de alegria. Tu serás sempre um ser à defesa; quando não te vem de pensar que a melhor defesa é o ataque. É quanto está exposto na clássica fórmula do homo homini lupus [o homem é lobo do homem], à qual se deve contrapor o homo homini deus [o homem é deus do homem] De facto, só quando tu concebes este valor de humanidade como absoluto, esta intangibilidade e sacralidade do homem, tu podes pensar numa possibilidade de paz» (D. M. Turoldo).
O Papa Francisco na exortação apostólica pós-sinodal Amoris Laetitiae escreveu assim: «Compreendo a angústia de quem perdeu uma pessoa muito amada, um cônjuge com quem se partilhou tantas coisas. O próprio Jesus Se comoveu e chorou no velório dum amigo (cf. Jo 11, 33.35). E como não compreender o lamento de quem perdeu um filho? Com efeito, «é como se o tempo parasse: abre-se um abismo que engole o passado e também o futuro. (...) E às vezes chega-se até a dar a culpa a Deus! Quantas pessoas – compreendo-as – se chateiam com Deus». «A viuvez é uma experiência particularmente difícil (...). Alguns, quando têm de viver esta experiência, mostram que sabem fazer convergir as suas energias para uma dedicação ainda maior aos filhos e netos, encontrando nesta experiência de amor uma nova missão educativa. (...) Aqueles que já não podem contar com a presença de familiares a quem se dedicar e de quem receber carinho e proximidade, a comunidade cristã deve sustentá-los com particular atenção e disponibilidade, sobretudo se vivem em condições de indigência» (n.º 254).
(...) «De forma muito bela, assim se exprime o prefácio da Missa dos Defuntos: «Se a certeza da morte nos entristece, conforta-nos a promessa da imortalidade. Para os que creem em Vós, Senhor, a vida não acaba, apenas se transforma». Com efeito, «os nossos entes queridos não desapareceram nas trevas do nada: a esperança assegura-nos que eles estão nas mãos bondosas e vigorosas de Deus» (n.º 256).
«Nós adoramos a cruz como símbolo, como sinal dos mistérios, sinal que reenvia ao mistério da salvação. É o próprio Cristo crucificado que na cruz se torna cruz, é o Sumo Sacerdote de braços abertos que nós adoramos e invocamos na cruz» (Odo Casel).
A fé na Cruz é a arte de servir na Esperança com o amor que até é mais forte que a morte!
+ José Manuel Cordeiro
1 Cf. A. M. Cànopi, Le sette parole di Gesù in croce, Meditazione e preghiera, Milano 2009, 19.
2 T. Radcliffe, As sete últimas palavras, Prior Velho 2010, 23.
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