Arquidiocese de Braga -

23 abril 2025

Esperança com ternura

Fotografia DACS

Homilia do Arcebispo, D. José Cordeiro, na Sé Primaz, 23 de abril de 2025

1. Tudo é graça!

Juntos, damos graças a Deus pelo dom grande da vida e do ministério petrino do Papa Francisco. Ele, como São Pedro, o apóstolo de Jesus Cristo, continua a exortar aos cristãos de todos os tempos a viverem o dom gratuito da fé em todas as circunstâncias existenciais com alegria e esperança, porque «o Deus que é todo graça e vos chamou em Jesus Cristo à sua eterna glória, há-de restabelecer-vos e consolidar-vos, tornar-vos firmes e fortes» (1Pd 5, 10). Em Deus a vida nunca morre.

Deus é todo graça e quem se sente amado por Ele vive a vida como graça recebida. O Papa Francisco usava com muita frequência nos encontros pessoais esta expressão: «tudo é graça» e tem uma ideia plural da realidade, recordando-nos que «quem crê, vê e nunca está sozinho». É a confiança de saber, como S. Paulo: «basta-te a minha graça» (2Cor 12,9). Pela graça recebida gratuitamente temos de dar profunda ação de graças. 

A alegria da esperança com ternura é um distintivo do pontificado do Papa Francisco I nos textos do seu magistério e, recordamos alguns: Evangelii Gaudium – a alegria do Evangelho (2013); Laudato Si’ (2015); Amoris Laetitia – a alegria do amor (2016); Gaudete et Exsultate – Alegrai-vos e exultai (2018); Christus vivit – Cristo vive; Fratelli Tutti (2020); Dilexit Nos – Amou-nos (2024). 

Lembramos ainda aqueles verbos que o Papa Francisco inventou e com os quais trouxe dinamismo a uma “Igreja em saída”: “primeirar” e “misericordiar”.

Como não lembrar, neste homem dos sinais, os gestos de ternura, proximidade e misericórdia até ao fim do fim: a sinodalidade; o olhar a partir das periferias existenciais; a ecologia integral, a cultura da transparência; os pobres, os migrantes, o povo santo de Deus, a formação litúrgica, o discernimento, os jovens, os presos, os idosos, os doentes, sobretudo o sofrimento oferecido a Deus «pela paz no mundo e pela fraternidade entre os povos» (testamento). 

Na praça de São Pedro apresentou-se e pediu a bênção ao povo de Deus a 13 de março de 2013 e, na mesma praça se despediu e abençoou na Páscoa comum a todas as Igrejas do Oriente e do Ocidente, a 20 de abril de 2025. 

2. Eucaristia, Páscoa sempre nova

A narrativa de Emaús acontece no dia de Páscoa. Hoje, a Liturgia da Igreja proclama este mesmo texto. A Eucaristia é o santíssimo Sacramento, isto é, o sacramento dos sacramentos. A fé que nasce e renasce da Páscoa faz todo o sentido, quando nos torna mais irmãos e cidadãos mais ativos, para se realizar a justiça e a paz, o perdão e o amor.

O 5.º Congresso Eucarístico Nacional (CEN) em Braga, de 31 de maio a 2 de junho de 2024, foi vivido sob o tema: «Partilhar o Pão, alimentar a Esperança. "Reconheceram-n'O ao partir o Pão" (Lc 24,35)». A Eucaristia é o coração do coração da Igreja em oração.

Sim, «apenas na adoração, só diante do Senhor, é que recuperamos o gosto e a paixão pela evangelização. E, curiosamente, perdemos a oração de adoração; e todos, sacerdotes, bispos, consagradas, consagrados têm de a recuperar: recuperar aquele permanecer em silêncio diante do Senhor» (Papa Francisco, Lisboa, 2 agosto 2023). 

Em Emaús, no dia de Páscoa, os apóstolos reconheceram Jesus ressuscitado, ao partir do pão. Só à luz da Páscoa podemos celebrar e viver a Eucaristia. A partir da Eucaristia a Igreja faz-se sinodal, samaritana e missionária. 

O partir do pão é o próprio Cristo que é partido no pão da Eucaristia, da caridade, no encontro com os pobres, os mais vulneráveis, mais frágeis, com todas as necessidades do mundo em que vivemos para que tenhamos este sentido de plenitude e sejamos capazes, à luz das Escrituras, reconhecê-los em todas as pessoas e situações da comunidade neste tempo tão complexo e delicado.

3. A potência da alegria de Páscoa

Na verdade, antes de «partir o pão», Cristo «começando por Moisés e seguindo por todos os Profetas, explicou-lhes, em todas as Escrituras, tudo o que lhe dizia respeito» (Lc 24,27). O sinal luminoso é a celebração da Eucaristia.

O ícone evangélico, segundo a narração lucana, atinge o seu vértice quando o desconhecido peregrino, ou melhor, Cristo peregrino que não reconheceram logo, sentando-se à mesa com os dois discípulos desiludidos com o fim trágico de Jesus de Nazaré, «tomou o pão, pronunciou a bênção e, depois de o partir, entregou-lho. Então, os seus olhos abriram-se e reconheceram-no». Jesus Cristo, o Ressuscitado, manifesta-se vivo com o mesmo gesto (fractio panis), o grande gesto que realizou na noite da instituição da Eucaristia.

Na celebração litúrgica, a Palavra torna-se presente e opera em nós, graças à abertura da fé: «Não nos ardia o coração, quando Ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?». É a alegria da Páscoa que arde no coração.

O sepulcro aberto proclama a alegria da presença viva e ressuscitada de Cristo e a Igreja pede-Lhe incessantemente: «Fica connosco, Senhor», para que seja sempre Hoje.

O tema do caminho está sempre presente na evangelização. A fé dos discípulos nasce no caminho, que não é apenas geográfico, mas é espiritual e atravessa a desilusão, o desalento, as dúvidas, o vazio, a desconfiança da sua peregrinação na história. Na verdade, a fé em Cristo ressuscitado dá origem a uma nova presença cristã, ou seja, um caminho de peregrinação no temor e na esperança, próprio de quem está fora da pátria como estrangeiro residente.

Os discípulos passaram da (de)missão à missão de evangelizar. Este continua a ser o grande desafio! Ensinar o Evangelho, significa apresentar sinais e chaves interpretativas para o viver. Ninguém o pode fazer se o não viver primeiro. 

Concluo com as palavras da última homilia do magistério do Papa Francisco no Domingo de Páscoa: «O Jubileu convida-nos a renovar em nós mesmos o dom desta esperança, a mergulhar nela os nossos sofrimentos e as nossas inquietações, a contagiar aqueles que encontramos no caminho, a confiar a esta esperança o futuro da nossa vida e o destino da humanidade. Por isso, não podemos estacionar o nosso coração nas ilusões deste mundo, nem o fechar na tristeza; temos de correr, cheios de alegria. Corramos ao encontro de Jesus, redescubramos a graça inestimável de ser seus amigos. Deixemos que a sua Palavra de vida e verdade ilumine o nosso caminho. Como dizia o grande teólogo Henri de Lubac, “bastar-nos-á compreender isto: o cristianismo é Cristo. Verdadeiramente, não há nada mais do que isso. Em Cristo temos tudo” (Les responsabilités doctrinales des catholiques dans le monde d’aujourd’hui, Paris 2010, 276)». Na verdade, o Papa Francisco afirmava a convicção da alegria da esperança: «a fé cristã ou é encontro com Ele vivo, ou não é».

Juntos, em processo sinodal dinâmico, seremos capazes de continuar a imaginar um futuro diferente para a Igreja Bracarense: alegria contagiante, escuta acolhedora, portas abertas, mãe que busca os seus filhos, centrada no Evangelho, discípula missionária, formação permanente, comunhão pastoral.

A Santa Maria de Braga, Mãe da Igreja, aos santos arcebispos e aos santos e beatos do próprio bracarense, confiamos o nosso querido Papa Francisco. 

 

+ José Manuel Cordeiro