Arquidiocese de Braga -

28 maio 2025

Uma onda que ninguém pode conter

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Homilia do Arcebispo, D. José Cordeiro, no 1º jubileu do Centro regional da UCP -Braga

1. O Evangelho da Esperança

As leituras pascais que escutamos nas missas destes dias, na proximidade da celebração da Ascensão de Cristo, apontam-nos para o Pentecostes, para a epifania do Espírito Santo, que transforma a vida dos apóstolos e discípulos, tornando-os intrépidas testemunhas do Ressuscitado.  

Os primeiros cristãos vão sendo guiados pelo Espírito Santo, o Paráclito, Aquele que ensinará a verdade plena, Aquele que permitirá que compreendamos as palavras e os gestos que Cristo nos legou, tal como ouvimos no evangelho proclamado. 

Lemos nos Atos dos Apóstolos que é a inspiração do Espírito que leva Paulo e companheiros a umas cidades e não a outras (cf. At 16,1-10). As decisões são tomadas depois de orarem e pedirem ao Espírito que lhes sugira aquilo que melhor sirva o bem comum (cf. At 1,15-26 e At 15, 22-31). Assim tem sido ao longo de mais de dois mil anos: a Igreja de Cristo, guiada pelo Espírito, com a colaboração dos homens e mulheres de cada tempo, caminha para o Pai, para o Reino dos Céus. 

Ao ler os sinais dos tempos, a Igreja vai intuindo o modo como deve propor o imutável Evangelho. O conteúdo do anúncio é sempre o mesmo, mas o modo como esse conteúdo é transmitido tem de se adaptar a cada época, a cada sociedade.

2. Novos areópagos

Neste dia, em que comemoramos os vinte e cinco anos da criação do Centro Regional de Braga da Universidade Católica Portuguesa (UCP), é sugestivo que a primeira leitura nos fale do discurso de Paulo no areópago de Atenas. 

A fé cristã foi-se espalhando como uma onda que ninguém pôde conter. Depois de se confrontar com o judaísmo, e com a necessidade de perceber se as tradições judaicas – como a circuncisão – deveriam ser mantidas ou não, a Igreja nascente voltou-se, também devido à rejeição dos judeus, para o mundo grego, o mundo da filosofia. 

Paulo, o apóstolo dos gentios, necessitou de tempo para reconfigurar a sua fé, para ver em Cristo o Messias esperado, para passar de perseguidor a portador do Evangelho.

Paulo chega a Atenas, e pelo texto hoje lido, percebemos que procurou conhecer o ambiente em que estava a entrar. Só depois de percorrer a cidade de Atenas, e perceber o modo de vida das pessoas que a habitavam, é que fala em pleno areópago. 

E ainda que os resultados do seu discurso não tenham sido os melhores – não são muitos os que aderem às suas palavras – Paulo aprendeu com este episódio. Ele, e depois dele muitos outros, encontraram na filosofia grega um veículo pelo qual foi possível difundir o Evangelho.

Estas são as nossas raízes: as culturas judaica, grega e romana, das quais a Igreja soube recolher aquilo que a ajudaria a anunciar a Boa Nova.

Nos nossos dias, o papel da UCP, e deste Centro Regional de Braga, será oferecer ao mundo o Evangelho de Cristo. Este Centro, e aqueles que nele trabalham e estudam, deve ajudar a Igreja que caminha neste território a encontrar novos modos para que o Evangelho se torne vivo e atuante numa sociedade que é cada vez mais parecida com o areópago de Atenas, pela sua multiculturalidade e grande diversidade de opiniões e ações. 

3. Jesus Cristo: verdade, caminho e vida

Lembremos que não anunciamos uma filosofia, um conjunto de normas e muito menos uma ideologia. Anunciamos Cristo vivo, verdade, caminho e vida, que quer estar em relação connosco. Como disse o Papa Leão XIV no encontro com os membros do corpo diplomático creditado junto da Santa Sé: «a Igreja nunca se pode furtar a dizer a verdade sobre o homem e sobre o mundo, mesmo recorrendo, quando necessário, a uma linguagem franca, que pode provocar alguma incompreensão inicial. A verdade, porém, nunca está separada da caridade, que tem sempre na sua raiz a preocupação pela vida e pelo bem de cada homem e mulher. Além disso, na perspetiva cristã, a verdade não é a afirmação de princípios abstratos e desencarnados, mas o encontro com a própria pessoa de Cristo, que vive na comunidade dos crentes. Assim, a verdade não nos aliena, mas permite-nos enfrentar com maior vigor os desafios do nosso tempo, como as migrações, o uso ético da inteligência artificial e a preservação da nossa querida Terra. São desafios que exigem o empenho e a cooperação de todos, pois ninguém pode pensar em enfrentá-los sozinho» (16 de maio de 2025).

No estudo, na investigação científica, no diálogo entre as diversas ciências, nos desafios da inteligência artificial, a Universidade Católica é chamada a renovar-se para continuar a proclamar que a fé cristã não é uma coisa absurda ou para pessoas fracas e pouco inteligentes; é chamada a mostrar que Jesus Cristo não é apenas um homem bom ou um líder carismático; é convidada a dizer que Igreja oferece ao mundo de hoje o verdadeiro sentido da vida, a misericórdia, a promoção da dignidade humana, o remédio para as feridas da humanidade, e que esse remédio é o próprio Deus.

Tal como Paulo no areópago de Atenas o desafio é grande e pode trazer o desprezo e indiferença. Contudo, o amor de Cristo, que nos guia pelo seu Espírito, acompanhar-nos-á sempre mostrando-nos o caminho a seguir.   

Recordamos com enorme gratidão as encorajadoras palavras do Papa Francisco, em agosto de 2023, no campus da UCP: «Estamos caminhando “para”. Somos chamados a algo mais, a uma descolagem sem a qual não há voo. Portanto, não nos alarmemos se nos encontramos intimamente sedentos, inquietos, incompletos, desejosos de sentido e de futuro, com saudade do futuro. E aqui, junto com a saudade do futuro, não vos esqueçais de manter viva a memória do futuro. Não estamos doentes, estamos vivos! Preocupemo-nos antes quando estamos prontos a substituir a estrada a fazer por uma paragem em qualquer estação de serviço que nos dê a ilusão do conforto; quando substituímos os rostos pelos ecrãs, o real pelo virtual; quando, em vez das perguntas lacerantes, preferimos as respostas fáceis que anestesiam. E podemos encontrá-las em qualquer manual de relações sociais, de bom comportamento. As respostas fáceis anestesiam».

A Universidade é lugar da busca da verdade, mantendo-se livre de qualquer instrumentalização. Hoje, num mundo de globalização e fragmentação, é ainda mais premente a missão da UCP. A teologia, o cor/cordis da UCP, como fides quarens intelectum, como a fé que procura a compreensão, deve permitir a todos de perguntar o significado do testemunho de Jesus como o Cristo (Dominus Jesus). 

Prossigamos, por isso, com viva esperança, procurando e arriscando na peregrinação sempre nova da saudade do futuro.

 

+ José Manuel Cordeiro