Arquidiocese de Braga -
10 julho 2025
Amor, Missão e Caridade são as marcas no caminho de D. Nélio Pita

DACS
“Quero aprender com o povo, quero ouvir o povo. E quero aprender também amando. Quero amar esta comunidade” afirmou o novo Bispo Auxiliar de Braga, D. Nélio Pereira Pita, com quem estivemos à conversa, a falar sobre vocação, sobre o lema escolhido e sobre o carisma vicentino, entre outras coisas.
O Departamento Arquidiocesano da Comunicação Social (DACS) procurou conhecer um pouco mais da pessoa e da vida de D. Nélio, que será ordenado no dia 27 de julho, às 16h, na Sé de Braga. A entrevista está disponível também em vídeo.
DACS - Queria começar justamente falando sobre vocação. Eu li um artigo do D. Nélio que diz isso, que há um momento da nossa vida que há um Kairós, que há um encontro, uma coisa que marca a nossa vocação. Como é que foi a descoberta da sua vocação, qual foi este momento que Deus lhe chamou assim e disse, agora é a hora?
D. Nélio - Eu nasci na Madeira, nasci no contexto de uma família católica. A minha mãe, em especial, era e é uma mulher muito devota. Cresci participando na Eucaristia, os sacramentos, até a adolescência em que comecei a abrir os olhos por uma nova realidade, a ter uma nova leitura também daquilo que eram os acontecimentos da história. E isso fez com que eu, de alguma forma, rejeitasse aquilo que tinha aprendido. Acho que a adolescência é uma época de contestação e eu passei por essa contestação.
Então vivi um período de talvez 3, 4 anos de um certo distanciamento da Igreja e da prática religiosa. Mas vivia inquieto, mesmo atribulado e triste, porque não encontrava sentido para a existência.
Lembro-me que houve um episódio que foi marcante, que foi uma altura em que a minha mãe, porque sabia que eu já não ia à igreja, já não me confessava, que insistiu muito que eu fosse me confessar, porque era a altura da Semana Santa. Eu era um adolescente zangado, porque tinha sido “enganado”, de alguma forma, pela Igreja, pensava eu. Fui-me confessar e estava com vontade de dizer ao padre que não concordo com a Igreja, porque a Igreja diz, por exemplo, sobre Adão e Eva, a Inquisição… E quando eu falei sobre isso com esse sacerdote, o colega sacerdote compreendeu-me e disse-me que eu tinha razão em muitos pontos de vista. E o facto de sentir que me entendiam, que me compreendiam, fez com que eu me acalmasse.
Depois o sacerdote convidou-me a conversarmos outros dias, mantermos um diálogo, e de alguma forma mantive esse diálogo. Até o dia em que o sacerdote propôs-me a vida sacerdotal, eu achei que isto era um disparate. A verdade é que, depois de me reencontrar com Deus, eu acho que a vida ganhou outro sentido, uma luz, uma paz, que eu não tinha quando vivia sem Deus.
E percebi: quero isso para mim. Quero viver e quero propor esta vida, esta vida em plenitude, às pessoas. E por que não? Senti que Deus me chamava. Também senti que tinha medo de dizer aos meus pais, aos meus amigos. Tinha 17 anos, nessa altura estudava Música, estudei Música no Conservatório.
Depois de superar estas resistências, de encontrar coragem suficiente, disse aos meus pais. E claro, minha mãe, os meus pais apoiaram-me. E entrei no seminário já aqui no Porto, vim para o Porto com 18, 19 anos. Comecei assim o percurso para um dia tornar-me sacerdote.
DACS - Como é que os vicentinos entraram nessa história?
D. Nélio - Muito bem, porque o que por vezes há uma mera coincidência, e as coincidências para nós são previdências, é Deus. O sacerdote com quem eu falei é vicentino. Foi esse sacerdote que me acompanhou, que me ouviu, que me fez desabrochar para uma nova vida, abrir os olhos para uma nova realidade. Foi fundamentalmente esse colega.
Por outro lado, o carisma Vicentino, depois percebi mais tarde, na medida em que fazemos uma opção também de atenção, em especial aos pobres, porque os pobres são os nossos mestres e senhores. Essa é também uma espiritualidade que me enche, é profundamente evangélica, é o coração do evangelho. Acreditamos que Jesus está realmente presente na Eucaristia, que deve ser adorado, mas esse Deus também está na pessoa do pobre, daquele que é marginalizado, também ele é a presença real. Não podemos separar uma dimensão da outra. Essa espiritualidade, essa proposta espiritual agradou-me, e é por isso que entrei no seminário dentro da Escola Vicentina.
DACS - Queria que o senhor falasse para nós um pouco do seu percurso. O senhor foi ordenado aonde e quando?
D. Nélio - Portanto sou natural da Madeira, por isso fui ordenado na Madeira. Agora terei a alegria de ser ordenado aqui, em Braga. Esta é a minha cidade agora, mas na altura, depois de acabar os estudos, fui viver para a Madeira durante dois anos e fui ordenado na Madeira. Logo a seguir fui enviado para Madrid, onde fiz dois anos numa especialidade que é a teologia espiritual, na Pontifícia de Comillas.
Pediram-me para ficar na formação dos nossos, e fiquei como responsável da formação dos novos candidatos, e durante esse período, cinco, seis anos, fiz também aquilo que é os estudos de psicologia na área clínica, em um instituto em Lisboa, o ISPA.
Depois, entretanto, os seminaristas escassearam e os meus superiores pediram-me para trabalhar numa paróquia em São Tomás de Aquino, Lisboa. Eu nunca tinha trabalhado numa paróquia, não tinha motivação, nunca tinha pensado nisso, mas claro, também por obediência, aceitei ser pároco. Na verdade foi uma experiência extraordinária, de 12 anos, e aprendi a ser padre. Conheci pessoas extraordinárias, pessoas que eu considero até um exemplo de vida cristã, santos, irmãos santos, que me inspiram a viver o cristianismo.
No final desses 12 anos, fui eleito Provincial dos Vicentinos em Portugal, a nível nacional, e no final do segundo ano, numa Assembleia Geral da Congregação em Roma (temos assembleias de 6 em 6 anos), os meus confrades, que são representantes das 97 províncias que há no mundo, províncias e regiões, elegeram-me assistente-geral, conselheiro do superior-geral.
Nestes últimos três anos, eu era conselheiro-geral, e estava encarregado de acompanhar as províncias, por exemplo, do Brasil (temos três províncias no Brasil), temos uma vice-província em Moçambique, temos uma comunidade em Angola, era encarregado do México, Costa Rica, Honduras, Espanha, Áustria e Alemanha. Portanto, o meu trabalho era acompanhar, visitar essas províncias, essas comunidades, e depois fazer o relatório, apresentar, no fundo, as informações sobre essa realidade.
Foi uma experiência muito rica para mim, porque deu-me uma visão do que é a Igreja. Como sabe, às vezes tendemos a absolutizar aquilo que é a Igreja no nosso lugar, na nossa paróquia, achamos que a Igreja é isto, e quando fazemos uma experiência dessas, percebemos que a Igreja não é só isto, é muito mais, é outra coisa, que por vezes eu desconheço totalmente. Portanto, foi uma experiência muito rica.
DACS - Tem duas coisas que o senhor falou, uma delas que eu fiquei curiosa foi a Teologia Espiritual, e também o fato de o senhor ter sido pároco. Acha que isso traz uma experiência de pastor que é diferente?
D. Nélio - Sim, considero que foi um tempo abençoado de crescimento, porque uma coisa é estudarmos nos livros, mas ficarmos mais ou menos protegidos nas nossas rotinas, nas nossas casas. Outra é estar como pároco, porque um pároco depende das comunidades, evidentemente, mas numa comunidade em geral, nós temos contacto desde crianças até idosos, pobres, muito pobres, até ricos, pessoas que estão bem preparadas do ponto de vista intelectual, doutores, médicos, engenheiros, até pessoas que não sabem ler nem escrever. E um padre tem que ser tudo para todos, isso é extraordinário.
Um padre tem que falar todas as línguas e estar ao lado de todos. Eu diria até, em especial, como vicentino, daqueles que são excluídos. Ter uma atenção em relação a eles, que podem ser imigrantes, pelo facto de serem imigrantes, que podem ser pessoas simples e pobres.
Nós tendemos, de alguma forma, a pôr de lado aquilo que não são pessoas iguais a nós, que são dissonantes, e eu compreendo isso. Mas o mais belo da comunidade, e criar uma comunidade, potenciar uma comunidade assim, para mim foi um sonho, foi criar uma comunidade onde não há essas divisões, onde somos realmente irmãos, realmente irmãos.
Porque a condição de filhos de Deus dá-nos essa dignidade. Todos partilhamos essa condição. Não há superiores nem inferiores, todos somos filhos de Deus. E até pelo facto de eu ser sacerdote, e agora vou ser bispo, não me dá, digamos, o direito de pensar que eu sou mais santo do que a senhora, que não sabe ler nem escrever, e que o trabalho dela é limpar o chão. Ela pode ser uma santa, e muitas pessoas são muito mais santas do que, às vezes, as pessoas que trabalham na igreja. Portanto, essa experiência, essa abertura, foi muito rica para mim.
DACS - O senhor escolheu como lema “para que tenham vida”, e o Evangelho diz para que tenham-na em abundância. Isso está de alguma forma relacionado ao seu carisma vicentino?
D. Nélio - Sim, de alguma forma. Sabe que eu acho extraordinário, e acredito profundamente nisso, isto é, que Deus fez-se homem na pessoa de Jesus Cristo, e que veio oferecer-nos uma proposta de vida, de vida em plenitude, veio dar vida à vida. Porque às vezes vivemos vidas muito limitadas, muito pobres, muito insuficientes.
Mesmo tendo bens materiais, mesmo sendo realizados do ponto de vista profissional, nós sabemos que dentre nós há uma insatisfação, não estamos realizados. E Deus, só Deus, pode corresponder a estas aspirações mais profundas do espírito humano, quando, precisamente, sintonizamos com a vontade de Deus e procuramos cumprir com a vontade de Deus.
A Igreja, como instrumento de Deus, que não vive para si mesma, mas vive para anunciar a boa nova, deve estar constantemente a fazer uma proposta de vida em plenitude. Mais do que moralismos, coisas assim que nos oprimem, que quase... Não, é uma proposta de vida. É por isso que, para além das questões que são evidentes, como as questões do aborto, da eutanásia, que a Igreja claramente se opõe, a Igreja também se opõe, por exemplo, a uma economia, como dizia o Papa Francisco, uma economia que mata.
Uma economia baseada na especulação, que impede, por exemplo, que as pessoas tenham acesso à habitação digna. A Igreja deve se opor a esse capitalismo selvagem. E outras expressões.
Portanto, tudo o que seja movimentos, ideologias que ferem a vida, ferem a mensagem de Jesus. E a Igreja não deve cansar-se de propor a boa nova, que é precisamente para que o homem tenha vida. Que encontre sentido na sua existência. E isso só encontra em comunhão com Deus.
DACS - Vamos do seu lema, então, para as suas armas. Digo, tem uma pombinha, uma conchinha e um trigo… E porquê esses símbolos?
D. Nélio - Para que tenham vida, primeiro, a pomba, o Espírito Santo, remete para o Senhor que dá vida. Sem o Espírito Santo, não existe vida. Por outro lado, a minha nomeação como bispo surgiu no contexto do Pentecostes. Foi no dia 6. E no dia 7, sábado e domingo, celebrávamos o Pentecostes. Portanto, é o Espírito Santo.
O trigo, que remete para o sacramento da Eucaristia. O pão da vida. Sem o pão da vida, nós não vivemos. Não é algo opcional. É indispensável e estruturante da nossa vida cristã, o sacramento da Eucaristia. Por isso, é o Santíssimo Sacramento. E, finalmente, a concha, a dimensão peregrina, neste Jubileu, Peregrinos da Esperança. Portanto, nós, como peregrinos, que estamos a caminho da casa do Pai.
Por outro lado, para terminar, um colega meu, chamou-me a atenção para isso, que, na verdade, não tinha pensado, mas faz sentido, estes três elementos, tendo o fundo azul, que é a cor do infinito, da eternidade, representam aquilo que são os sacramentos de iniciação cristã.
A concha, de alguma forma, o batismo. O trigo, a Eucaristia. A pomba, o Crisma. Portanto, são os sacramentos que introduzem na vida adulta de qualquer pessoa na Igreja.
DACS - O que D. Nélio espera espera encontrar na Arquidiocese de Braga, o que espera oferecer para a Arquidiocese de Braga? Como é está o seu coração para este tempo, numa Arquidiocese que é grande, que tem uma vivacidade, tem um caminho já bem interessante?
D. Nélio - Não tenho nenhum truque, não tenho nenhum segredo, não venho com nenhum plano na cabeça. Em primeiro lugar, quero aprender com os meus colegas, e acho que tenho excelentes mestres, D. José e D. Delfim, o Clero, quero aprender com eles.
Quero aprender com o povo, quero ouvir o povo. E quero aprender também amando. Quero amar esta comunidade, porque se não amarmos, tudo isto será uma experiência penosa para mim e para eles. Querem amar, e sinto-me já encantado por esta realidade.
Depois, colocar-me ao serviço. Se me pedirem para trabalhar ali, ou nesta área, não tenho a pretensão de fazer seleção. Ah, eu só vou trabalhar nesta área, ou quero fazer isto, ou quero dizer isto. Não, estarei disponível. Este é o meu sentido de missão, completamente disponível, para que a Igreja, através dos meus colegas, sacerdotes, bispos, faça o discernimento, em que eu também possa de alguma forma participar nesse discernimento, e dar o meu contributo.
Evidentemente que não deixarei de ser missionário. Sou de uma congregação missionária, e existe essa inquietação em mim. E preocupa-me que uma igreja que seja muito instalada, uma igreja que seja apenas uma espécie de fotocopiadora, que repete rotinas. Estou interessado, de alguma forma, em introduzir ou dar um contributo para este dinamismo missionário da Diocese, que acho que é necessário.
Por outro lado, um olhar, como já falámos, em relação às periferias, como vicentino. Procurarei dar esse contributo de uma forma concreta, na medida do possível, em coordenação com aquilo que é o programa que vai ser estabelecido por toda a Diocese.
DACS - É uma realidade muito premente no mundo todo, na Diocese de Braga, mas no mundo inteiro. Justamente a questão dos mais pobres, a questão dos imigrantes, a questão dos menos favorecidos, que acho que São Vicente de Paulo justamente coloca a mão sobre essa questão de uma forma muito especial.
D. Nélio - Sim, absolutamente. A Igreja que não cuida dessa dimensão da caridade, ela atraiçoa-se a si mesma. Acaba por viver uma hipocrisia, porque dizemos do amor ao próximo, o serviço aos irmãos, acreditamos num Cristo, um Deus que se deixou crucificar.
O Cristo crucificado está nas pessoas dos pobres, e é esse Cristo que nós temos que servir hoje. Não quer dizer que seja fácil, não é fácil. Não podemos também ser ingénuos, mas temos que ter essa inquietação de uma forma muito clara das nossas vidas.
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