Arquidiocese de Braga -

27 julho 2025

Ardente missão

Fotografia Avelino Lima

Homilia de D. José Cordeiro por ocasião da ordenação episcopal de D. Nélio Pita, na Sé de Braga, a 27 de julho de 2025.

1.    O Pai, dador do Espírito Santo
A leitura continuada do Evangelho de Lucas, que a Igreja tem proclamado em cada domingo, apresenta-nos, hoje, Jesus a rezar e a ensinar a rezar. Num tempo em que rezar parece ser uma perda de tempo, a oração distintiva dos discípulos de Jesus surge como a atitude da plena confiança em Deus Pai.
Jesus é o modelo da oração. Ele estava em oração e ao pedido dos discípulos: «Senhor ensina-nos a rezar, como João batista ensinou também os seus discípulos» (Lc 11, 1), disse-lhes o que rezar. A oração aprende-se.

O mistério da fé, que a Igreja professa no Credo e celebra na Liturgia sacramental, exige que a vida dos fiéis seja configurada com Cristo no Espírito Santo para glória de Deus Pai. Esta relação com o Deus vivo e verdadeiro é a oração. O resumo do Evangelho é a oração do Pai-nosso. 

Por isso, dizer oração é, antes de mais, pronunciar o Pai-nosso, a oração dominical, porque vem do Senhor Jesus, mestre e modelo da oração, como escreveu Tertuliano: «cada um pode, portanto, dirigir ao Céu diversas orações segundo as suas necessidades, mas começando sempre pela oração do Senhor que continua a ser a oração fundamental». Nenhum Padre da Igreja falou de oração sem falar do Pai-nosso, porque Jesus Cristo reza em nós, reza por nós e reza connosco.

Em Mateus aparecem sete pedidos e em Lucas, como acabámos de escutar, surgem cinco pedidos. A tradição litúrgica reteve o de Mateus. Todavia, é uma ousadia filial ao dizer: Pai-nosso, nas três invocações em forma de desejo: nome, reino e vontade e outras três petições: pão, perdão e tentação.
Como os discípulos, é necessário voltar sempre de novo à arte de rezar, porque é «obra do Espírito Santo em nós, a oração abre-nos, por Cristo, à contemplação do rosto do Pai» (NMI 32), para que a possamos viver plenamente. «A vontade de Deus é, portanto, aquela que Cristo fez e ensinou. [...] nada recusar a Cristo, já que Ele nada nos recusou a nós» (São Cipriano, A oração dominical 15). Aqui brota o sopro vital de uma ardente missão, porque «o Pai do Céu dará o Espírito Santo àqueles que Lho pedem».

A oração é como que um apelo recíproco entre o ser humano e Deus «De todo o coração, Senhor, eu Vos dou graças, porque ouvistes as palavras da minha boca». O salmo 137 é um exemplo da oração de ação de graças, o reconhecimento na fé das maravilhas que Deus opera na vida da humanidade.

2.    O amor orante e ardente
São Bartolomeu dos Mártires, Arcebispo Primaz, a partir de pensamentos escolhidos de alguns Padres da Igreja, sem chegar a afirmar a sacramentalidade episcopal, deu-lhe um enorme impulso. No tão atual Stimulus Pastorum, que se pode traduzir no sentido de aguilhão dos pastores, escreveu: «O bispo é um sol que ilumina a sua diocese pregando sempre pelo exemplo e frequentemente pela palavra. (...) ficai sabendo que a tranquilidade da vossa consciência depende do cumprimento destes dois preceitos: pregação e exemplo. Mas, se quereis ser prudentes, juntai-lhe um terceiro: o amor da oração. E, assim, ficam estas três coisas: a pregação, o exemplo e a oração., mas a principal é a oração; pois, embora a pregação e as obras sejam virtudes necessárias, só a oração consegue graça e eficácia para as obras e para a pregação». Sim, a vida só pode provir da vida.

Caríssimo D. Nélio, estás a comemorar o jubileu sacerdotal neste Ano Santo e, ao aceitares ser bispo, és demandado ao essencial, ao coração do coração do Evangelho – Jesus Cristo. Pede a graça da confiança total. Ama a Igreja. Escuta e exercita a humildade com gestos de Cristo para os outros.  Estamos juntos no caminho de Páscoa, com o sucessor de Pedro, o Papa Leão XIV, o colégio episcopal, o presbitério e todo o Povo santo de Deus. 
Todos os gestos do bispo têm de ser gestos de bênção e de unção espiritual. Transforma o teu olhar, como gostava de dizer o Papa São João XXIII: «O Bispo vê tudo, deixa passar quase tudo e corrige um pouco». É um programa que abre à coragem da esperança, como refere Santo Agostinho: «não há nada tão difícil, nem tão penoso, nem tão perigoso como o múnus episcopal».

O ministério do bispo é um serviço na comunidade, com a comunidade e para a comunidade. Na verdade, quem não arde não incendeia. Quem não arde não ilumina. Todavia, é necessário sair fora da lógica do poder deste mundo. Nunca transformar a autoridade em poder ou autorreferencialidade. A verdadeira autoridade na Igreja é amar, escutar, servir e acolher a todos. Deste modo, o fogo da caridade mantém-se na cinza da humildade, «porque a virtude da humildade não exclui o que pertence à autoridade da dignidade» (L. de Granada, Frei Bartolomeu dos Mártires).

3.    Proximidade(s) do bispo
O serviço do bispo ou pastor aparece já 5 vezes no Novo Testamento (2x em At 20,28; Fil 1,1; 1Tim 3,2; Tit 1,7) com o sentido de ‘vigilante, estar atento, olhar à volta, guardião e visitador, apascentar, ter cuidado’ da comunidade, aquele que superintende aos costumes e à vida da comunidade, não sendo uma vantagem pessoal, mas um serviço para o bem daqueles que lhe estão confiados e a quantos preside, servindo.

O bispo é chamado a ser testemunha fiável do Evangelho e não um comentador do Evangelho. Isto mesmo é simbolizado na imposição do livro dos Evangelhos sobre a cabeça do eleito e a sua entrega e a respetiva unção com o azeite perfumado do santo Crisma: «Recebe o Evangelho, e anuncia a palavra de Deus com toda a paciência e doutrina». Assim, se aconselha aos bispos três virtudes: 1. Paciência; 2. Paciência; 3. Martírio da paciência. Há que ter paciência também com aqueles que nos convidam a ter paciência.

A Igreja tem de exercitar ainda mais a sua função de mãe amável e atenta no acompanhamento de todas as pessoas, para que seja capaz de oferecer motivos de esperança. Tal esperança não é apenas um sentimento ou um ideal, mas um estilo de vida. 

Caríssimo D. Nélio, na proximidade paterna, fraterna, pastoral, espiritual e amiga, doa-te a todos quantos Deus confia ao teu cuidado: os Presbíteros, os Diáconos, as Pessoas consagradas, os seminaristas, os ministérios laicais, as famílias, os jovens (em jubileu) e os mais velhos, os doentes, os migrantes, os reclusos, os refugiados e quem mais precisa da compaixão, ternura e misericórdia. Assinaladamente «o serviço dos pobres deve ser preferido acima de tudo» como testemunhou S. Vicente de Paulo.

A voz que grita ao coração impele-nos ao estilo de ser e de fazer sinodalidade num caminho de escuta para a comunhão, participação e missão na vida eclesial. A proximidade e a corresponsabilidade diferenciada na reciprocidade e na circularidade dinâmica entre os pastores e, entre os fiéis e os pastores, requer a inteireza, a liberdade, a coragem e a confiança. 
Juntos, sirvamos a esperança!    

                                                                                                                                                                                                                                          + José Manuel Cordeiro